A Sala Paulo Amorim promove na sexta-feira (20) a estreia de um dos filmes mais elogiados e mais premiados nesta temporada: Tudo que Imaginamos como Luz (All We Imagine as Light, 2024), escrito e dirigido pela indiana Payal Kapadia. As sessões são às 19h. Vale lembrar que o cinema fecha nas segundas-feiras e vale avisar que, por causa do Natal, não haverá exibição nos dias 24 e 25. Então, o negócio é assistir já neste fim de semana.
Nascida em Mumbai em 1986, Kapadia é a cineasta de Uma Noite Sem Saber Nada (2021), ganhador do prêmio de melhor documentário no Festival de Cannes e disponível na plataforma de streaming Filmicca. Imersivo, fantasmagórico e por vezes revoltante, esse título parte da descoberta, no quarto de um albergue no Film & Television Institute of India (FTII), de uma caixa com recortes de jornais, flores secas, cartões de memória e cartas escritas por uma aluna identificada apenas pela letra L. O que começa como uma história de amor e de saudade gradativamente se transforma em uma história de lamento político e de luta política.
Tudo que Imaginamos como Luz é o segundo longa-metragem da diretora e sua primeira obra de ficção. Vem colecionando prêmios, indicações e distinções. Na França, conquistou o Grande Prêmio do Júri no 77º Festival de Cannes e ficou em quinto lugar no top 10 da Cahiers du Cinèma. No Reino Unido, foi o primeiro colocado na lista dos 50 melhores do ano pela revista Sight and Sound.
Nos Estados Unidos, recebeu duas indicações ao Globo de Ouro (melhor direção e melhor filme em língua não inglesa) e foi eleito o melhor longa internacional pelas associações dos críticos de Nova York, de Los Angeles, de Chicago, de Phoenix e de San Diego. Também venceu essa mesma categoria na 34ª edição do Gotham Awards, troféu estadunidense para obras de baixo orçamento que abre a temporada 2025 de premiações. Derrotou Zona de Exclusão, da polonesa Agnieszka Holland, Hard Truths, do inglês Mike Leigh, Inside the Yellow Cocoon Shell, do vietnamita Thien An Pham, e Vermiglio, da italiana Maura Delpero.
Desses cinco títulos, apenas Vermiglio está entre os rivais do brasileiro Ainda Estou Aqui na corrida por uma indicação ao Oscar internacional. Apesar da badalação em torno de Tudo que Imaginamos como Luz, a Índia preferiu inscrever Troca Surpresa (Laapataa Ladies, disponível na Netflix), uma comédia dramática de Kiran Rao sobre duas noivas trocadas por acidente enquanto viajavam até a casa dos novos maridos. A justificativa foi de que o longa de Kapadia "não é um filme suficientemente indiano" — em alusão, talvez, ao fato de ser uma coprodução com França, Holanda e Luxemburgo. Mas não se pode perder de vista que o comitê de seleção era formado por 13 homens. Vale lembrar uma declaração de outra diretora indiana, Alankrita Shrivastava, no documentário Meet the Censors (2020), do norueguês Håvard Fossum, que pode ser alugado no Google Play e no YouTube:
— Sinto que filmes bastante misóginos, em que objetificamos as mulheres, em que a câmera fica somente subindo e descendo o corpo da mulher, e ela continua dançando a "música de um item único", cujo nome em si já é ofensivo, nada acontece com esse conteúdo, que é jogado livremente na televisão, e garotinhas estão assistindo e dançando, internalizando toda a objetificação das mulheres. Mas no momento em que você apresenta um ponto de vista alternativo, um ponto de vista mais feminista, é muito problemático.
É o que Payal Kapadia oferece em Tudo que Imaginamos como Luz (cujo poético e enigmático título ganha uma interpretação lá no epílogo). Sua protagonista é a enfermeira Prabha, interpretada por Kani Kusruti. Ela divide a casa com outra funcionária do mesmo hospital, a jovem Anu (Divya Prabha). Essas personagens convivem com idosas para quem os maridos são como assombrações e com jovens mães que sussurram sobre vasectomia para não precisarem ter mais filhos. Todas as mulheres têm de lidar com uma tradição indiana, a dos casamentos arranjados — os pais é que escolhem os noivos, por motivos sociais (para se manter na mesma casta) ou religiosos.
— Como alguém pode se casar com um estranho? — pergunta uma delas.
— Você pode se casar com alguém conhecido e depois ele se revela um estranho — responde a outra.
A ambientação em Mumbai, metrópole com a maior densidade populacional da Índia, onde mais de 40% dos seus 21 milhões de habitantes moram em favelas, ao mesmo tempo em que 92 de seus moradores permitem a ela ostentar o título de capital asiática dos bilionários, contribui para Kapadia criar um clima de opressão. Há uma "lei implícita" na chamada cidade das ilusões: mesmo que você esteja na sarjeta, não pode se revoltar. Quem diz isso é uma coadjuvante, Parvaty (Chhaya Kadam), que está sendo despejada para que seu antigo lar seja transformado em apartamentos para os ricos.
Com olhar de documentarista, a diretora registra o trânsito incessante, as enormes filas nas plataformas de trem, os rostos cansados dos trabalhadores. O barulho constante das ruas contrasta com a solidão da protagonista, cujo marido arranjou um emprego na Alemanha e nunca mais voltou nem telefonou. Ele tenta compensar sua ausência mandando de presente — mas sem nenhum bilhete — uma panela elétrica para arroz.
O ataque ao patriarcado e a defesa da sororidade não anulam a possibilidade do romantismo. Séria e reservada, Prabha é cortejada pelo médico Manoj (Azees Nedumangad), que prepara doces e escreve poemas. Bem mais animada, Anu vive um relacionamento às escondidas com um rapaz muçulmano, Shiaz (Hridhu Haroon) — mas seus pais querem que ela se case com um hindu. Para evocar na trilha sonora o júbilo e o devaneio das interações do jovem casal, Payal Kapadia recorreu a Homeless Wanderer, composição da pianista etíope Emahoy Tsegué-Maryam Guèbrou (1923-2023). A artista teve obras ouvidas em outros quatro filmes recentes: o documentário Time (2020), de Garrett Bradley, Identidade (2021), de Rebecca Hall, Sempre em Frente (2021), de Mike Mills, e Yannick (2023), de Quentin Dupieux.
A melancolia, por sua vez, não anula a possibilidade da beleza, do sonho, talvez até da alegria. Quando surge uma viagem para o litoral, os ruídos opressivos da cidade dão lugar ao marulho, que, se por um lado é produto de um estado de inquietação, por outro sugere um pouco de sossego. Ou quem sabe de esperança e de transformação — ao olhar uma escultura feminina, uma personagem comenta que sua aparência é de "como estivesse esperando algo acontecer". O vaivém das ondas é como a tradução dos sentimentos de Prabha e Anu, ora avançando e ora recuando nas suas dores e nos seus desejos. E é lindo como, na comovente cena final, o som do mar vai gradativamente sendo incorporado e substituído pelos sintetizadores da trilha composta pelo indiano Topshee. Se você quiser um revigorante banho musical, recomendo permanecer na Sala Paulo Amorim até que todos os créditos tenham sido exibidos na tela.
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