Ticiano Osório

Ticiano Osório

Jornalista formado pela UFRGS, trabalha desde 1995 no Grupo RBS. Atualmente, é editor em Zero Hora e escreve sobre cinema e seriados em GZH e no caderno ZH2.

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Opinião

A volta do filmaço que misturou Shakespeare com samurais

Plataforma MUBI resgata do limbo digital "Ran" (1985), de Akira Kurosawa

Ticiano Osório

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MUBI / Divulgação
Tatsuya Nakadai em cena de "Ran" (1985), filme dirigido por Akira Kurosawa.

A plataforma de streaming MUBI resgatou recentemente do limbo digital Ran (1985), um dos tantos clássicos dirigidos por Akira Kurosawa (1910-1998). Vencedor do Oscar de figurinos, assinado por Emi Wada, e indicado nas categorias de melhor direção, fotografia e direção de arte, o filme leva a peça Rei Lear (1606), de William Shakespeare, para o Japão da época dos samurais.

Esse universo, que durou do século 10 ao século 19, era um dos preferidos do cineasta de Kagemusha: A Sombra do Samurai (1980), que dividiu a Palma de Ouro do Festival de Cannes com All That Jazz: O Show Deve Continuar (1979), de Bob Fosse, disputou o Oscar internacional e pode ser visto no Disney+

Kurosawa atraiu os olhares do Ocidente para o cinema japonês com o sucesso de Rashomon (1950, presente no menu do Belas Artes à La Carte), ganhador do Leão de Ouro no Festival de Veneza e de um Oscar honorário de melhor filme estrangeiro. Sua narrativa em que quatro testemunhas apresentam versões dúbias e conflitantes de um crime já inspirou muitas produções, tanto em Hollywood (O Último Duelo, de Ridley Scott) quanto na China (Herói, de Zhang Yimou). 

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O diretor Akira Kurosawa nos bastidores de "Ran".

Leão de Prata em Veneza, Os Sete Samurais (1954, indisponível no streaming) não demorou a ser transformado em faroeste: Sete Homens e um Destino (1960). E A Fortaleza Escondida (1958, também fora de catálogo), que recebeu o Urso de Prata de direção no Festival de Berlim, serviu de referência para George Lucas criar a saga Star Wars, em 1977.

Mas Kurosawa também olhava para o Ocidente. Trono Manchado de Sangue (1957, disponível no Belas Artes à La Carte) é outra adaptação de um espetáculo teatral de Shakespeare, Macbeth (1623). Vencedor da Copa Volpi de melhor ator em Veneza, para Toshirô Mifune, Yojimbo, o Guarda-Costas (1961, ausente das plataformas) bebeu de duas novelas noir do estadunidense Dashiell Hammett, Seara Vermelha (1929) e A Chave de Vidro (1931).

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Cena de "Ran" (1985), filme dirigido por Akira Kurosawa.

Em japonês, ran significa caos, desordem, revolta. Ambientado no século 16, Ran conta em 166 minutos e de forma majestosa a saga de Hidetora Ichimonji (papel de Tatsuya Nakadai), um poderoso chefe de clã que decide dividir em vida a sua herança entre os três filhos (e não três filhas, como no original de Shakespeare): Taro (Akira Terao), Jiro (Jinpachi Nezu) e Saburo (Daisuke Ryu). A decisão, ao contrário da harmonia pretendida pelo patriarca, faz ruir os laços familiares, culminando em um sangrento conflito. 

Saburo, o predileto, reage quando o pai designa o filho mais velho, Taro, para liderar o clã, pois sabe das evidentes limitações do irmão. Então, o caçula é banido.

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O bobo da corte (vivido por Peter) e Hidetora (Tatsuya Nakadai) em cena do filme "Ran".

Hidetora é um homem cheio de remorso: para ampliar seus domínios, matou e saqueou. Sua memória é assaltada por esses pecados do passado. Tanto pior deparar com o ódio e a traição entre seus filhos. Acaba condenado a vagar, enlouquecido, pelos campos, tendo a companhia do bobo da corte.

Quando estreou nos cinemas de Porto Alegre, em outubro de 1985, Ran mereceu muitos elogios dos críticos de Zero Hora. Hiron Goidanich, o Goida, destacou a mescla de cenas intimistas e batalhas épicas. 

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Storyboard de Akira Kurosawa para o filme "Ran".

Luiz César Cozzatti escreveu que, "para Kurosawa, importa discutir essa ética da vitória, a ética dos poderosos, que para atingir a hegemonia no seio da sociedade espalham a destruição e a morte". Toda a trama é "mero pretexto para o grande mestre traçar um grandiloquente painel sobre os desvarios da ambição", pintado com a "sensibilidade plástica" do cineasta e seu "humanismo radical". E o diretor mostra que "a desordem é a ordem natural do mundo, pois na raiz de tudo está a estupidez, que sobrepaira as ideologias e os tempos".

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