Em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira (14), Gladiador II (Gladiator II, 2024) é um dos títulos mais badalados de uma temporada marcada por continuações, prólogos ou reinícios de filmes lançados 20, 30, 40, quase 50 anos atrás. Estão na lista, por exemplo, A Primeira Profecia, prelúdio do clássico de terror de 1976, Beetlejuice Beetlejuice: Os Fantasmas Ainda se Divertem, retomada da comédia sobrenatural de 1986, Um Tira da Pesada 4, que veio à luz exatas três décadas depois da última aparição do personagem de Eddie Murphy, e Twisters, releitura de um grande sucesso de bilheteria de 1996.
Gladiador II é a continuação de Gladiador (2000), que faturou US$ 460,5 milhões (a segunda maior bilheteria mundial na sua temporada), venceu o Oscar em cinco categorias — melhor filme, ator (Russell Crowe), figurinos, som e efeitos visuais — e disputou outras sete: direção (Ridley Scott), ator coadjuvante (Joaquin Phoenix), roteiro original, fotografia, edição, direção de arte e trilha sonora.
A trama sobre o general romano — o fictício Maximus — que virou escravo e depois enfrentou o imperador Commodus no Coliseu revitalizou os épicos históricos de Hollywood, abrindo caminho para títulos como O Último Samurai (2003), Alexandre (2004), Troia (2004) e Cruzada (2005) — este, do próprio Scott, um entusiasta do gênero (vide 1492: A Conquista do Paraíso e Napoleão). Conseguiu um notável equilíbrio entre o drama político e as cenas de ação. Se a orquestração visual da batalha na Germânia, na abertura, arrebata o espectador, o momento em que Commodus lê uma história para seu sobrinho, o menino Lucius, provoca calafrios: de forma dissimulada, o soberano pusilânime alerta sua irmã, Lucilla, de que sabe sobre a conspiração para derrubá-lo e ameaça matar o filho dela. Os roteiristas estavam tão inspirados, que cunharam frases imortalizadas, como "Ao meu sinal, libertem o inferno" e "O que fazemos em vida ecoa na eternidade".
A continuação não vai ecoar na eternidade, mas também não é um filme que mereça um polegar para baixo no Coliseu de Hollywood, uma arena onde algumas superproduções vêm sendo massacradas pela crítica e/ou abandonadas pelo público — vide os casos de Furiosa: Uma Saga Mad Max, que custou US$ 168 milhões e arrecadou US$ 173,7 milhões, e Coringa: Delírio a Dois, que consumiu US$ 200 milhões e não vai faturar muito mais do que US$ 210 milhões. Ciente de que a grande audiência costuma ser nostálgica e conservadora, Gladiador II espelha bastante o original — inclusive começa com uma cena de batalha em grande escala, e novamente temos um protagonista transformado em escravo e depois em gladiador que vai desafiar o Império Romano — e a todo instante reverencia o legado de Maximus.
A diferença de tempo entre as estreias dos dois filmes não é igual à diferença de tempo entre suas histórias: Gladiador II se passa 16 anos depois dos eventos narrados em Gladiador. O diretor é o mesmo, Ridley Scott, que completa 87 anos no dia 30 de novembro, a atriz Connie Nielsen reprisa o papel de Lucilla, e o ator Derek Jacobi, que fez 86 anos em 22 de outubro, também está de volta, como o senador Gracchus. Mas a maioria dos personagens é nova.
O protagonista é o filho de Lucilla, Lucius, agora um jovem de corpo sarado interpretado por Paul Mescal, que concorreu ao Oscar de melhor ator por Aftersun (2022). Acostumado a produções independentes, o irlandês de 28 anos não parece à vontade na pele de um herói de ação dado a frases de efeito, mas pelo menos manda muito bem quando precisa usar os punhos ou pegar em armas.
No início do filme, ambientado na Numídia, um reino no norte da África, Lucius ainda é conhecido apenas como Hanno. Ao lado da esposa, Arishat (Yuval Gonen), ele luta para defender o local de uma invasão romana comandada pelo general Acacius, vivido por Pedro Pascal (a propósito, um dia a ciência tem de explicar o carisma desse ator nascido no Chile: todos os seus personagens cativam). Após a sangrenta derrota, Hanno é escravizado e depois aceita se tornar gladiador como um atalho para se vingar de Acacius. No Coliseu, além combater brutamontes, terá de lidar com um bando de babuínos, um rinoceronte e até tubarões (na recriação da Batalha de Salamina).
Mas o animal mais importante de Gladiador II é uma raposa — uma raposa política. É assim que podemos chamar o personagem encarnado por Denzel Washington, que tem uma ótima atuação, como de costume, trabalhando o olhar, o corpo e a entonação, saboreando cada palavra. Trata-se de Macrinus, um ex-escravo que virou empresário do entretenimento violento que diverte os dois irmãos imperadores de Roma, Geta e Caracalla — gêmeos como Rômulo e Remo, os fundadores da cidade, segundo a mitologia, dementes, sanguinários e lascivos como Calígula. Geta é interpretado por Joseph Quinn, o Eddie Munson da série Stranger Things, e Caracalla, por Fred Hechinger, o adolescente da primeira temporada de The White Lotus.
Gladiador II deve seus grandes momentos, ou melhor, sua força e sua honra, a esses três atores e a esses três personagens — que são inspirados em figuras reais da Roma Antiga. Fica a dica: vale pesquisar sobre eles, mas depois de assistir ao filme, para evitar spoilers.
É assinante mas ainda não recebe minha carta semanal exclusiva? Clique aqui e se inscreva na newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano