No papel, A Mulher na Janela, que estreou na sexta-feira (14) na Netflix e é o título mais assistido na plataforma de streaming nos últimos dias, tinha potencial para ser um filme bom.
Trata-se da versão cinematográfica de um best-seller de suspense, o livro homônimo lançado por A.J. Finn em 2018. O roteiro foi escrito pelo dramaturgo e ator estadunidense Tracy Letts, autor das peças que viraram os filmes Possuídos (2006), Killer Joe: Matador de Aluguel (2011) e Álbum de Família (2013).
Quem dirige é o inglês Joe Wright, que disputou o Globo de Ouro por Desejo e Reparação (2007) e traz no currículo outras adaptações, como Orgulho e Preconceito (2005) e Anna Karenina (2012), além de O Destino de uma Nação (2017).
O elenco é encabeçado por Amy Adams, seis vezes indicada ao Oscar, e inclui Gary Oldman (premiado como melhor ator por O Destino de uma Nação), Julianne Moore (melhor atriz por Para Sempre Alice), Jennifer Jason Leigh (que concorreu a atriz coadjuvante por Os Oito Odiados) e dois nomes do universo Marvel: Anthony Mackie (o Falcão) e Wyatt Russell (o Agente Americano).
A história reúne ingredientes saborosos — uma protagonista inconfiável, vizinhos estranhos, um mistério policial — e uma coleção de homenagens a Alfred Hitchcock, em especial a Janela Indiscreta (1954). Começa pela trama em si, também ambientada em Nova York: ao espiar o cotidiano do edifício em frente ao seu — e muito parecido com o do clássico hitchcockiano —, uma psicóloga infantil que sofre de agorafobia (o medo de lugares abertos) testemunha um ato de violência e chama a polícia, mas é desacreditada. As referências incluem a caracterização do personagem de Gary Oldman, que emula o de Raymond Burr em Janela Indiscreta, e as cordas da trilha composta por Danny Elfman.
Mas os bastidores de A Mulher na Janela (The Woman in the Window) já prenunciavam o desastre que se vê na tela (para terem uma ideia, no Rotten Tomatoes tem apenas 27% de avaliações positivas). Como alguns já disseram, a história por trás do filme é muito mais intrigante do que aquela que é contada.
Com estreia inicialmente marcada para outubro de 2019, A Mulher na Janela foi adiado para maio de 2020 devido à péssima recepção nas exibições teste. Os espectadores disseram não entender o que estava acontecendo, então, novas cenas foram escritas e filmadas.
Em 2019, uma reportagem da revista The New Yorker jogou uma maldição sobre o título: o jornalista Ian Parker descobriu que Dan Mallory, o escritor debaixo do pseudônimo A.J. Finn, era um mentiroso contumaz. O falso sotaque britânico era o de menos. Mallory mentiu que havia obtido um doutorado na Universidade de Oxford, mentiu que tinha sofrido um tumor cerebral, mentiu que sua mãe havia morrido de câncer, mentiu que seu irmão havia se suicidado. O escritor jogou a culpa de seu comportamento no diagnóstico de transtorno bipolar, mas o psiquiatra Nigel Blackwood alertou que a condição não explica facilmente inverdades organizadas e mantidas ao longo do tempo.
Ian Parker também trouxe a público a percepção de como a protagonista de A Mulher na Janela repete elementos do filme Copycat: A Vida Imita a Morte (1995), dirigido por Jon Amiel. Nesse suspense, Sigourney Weaver encarna uma psicóloga que sofre de agorafobia e que não sai de seu grande apartamento. Quando tenta sair, perde o prumo. Ela bebe muito e mistura álcool com a medicação prescrita por seu psiquiatra, o que contribui para que a polícia não confie no que diz. E também participa de um fórum online para vítimas de episódios traumáticos.
Os turbulentos bastidores incluem um novo adiamento na estreia, dessa vez por causa da pandemia de covid-19, a desistência da Disney (dona do estúdio que filmou, a Fox) de lançar nos cinemas, jogando o abacaxi para o colo da Netflix, e uma outra reportagem explosiva, agora do Hollywood Reporter: ex-empregados acusaram o produtor Scott Rudin de ser agressivo e intimidador. Ele pediu desculpas por suas atitudes.
Tudo isso talvez virasse folclore se A Mulher na Janela fosse um filme bom. Mas não é. O enredo, por um lado, revela-se banal em demasia, com plot twists previsíveis, e, por outro, implausível (evitarei spoilers, em respeito aos que tiverem tempo e coragem para assistir). O estilo da direção é irregular: no início, Joe Wright aposta nas cenas dos clássicos assistidos por Anna como, no mínimo, comentários sobre as situações vivenciadas por ela, mas depois isso é simplesmente abandonado. As atuações são assustadoras, no mau sentido. Amy Adams mostra-se mais perdida do que sua personagem, Gary Oldman entra e sai de cena sem deixar nada além do que um xingamento carregado de sotaque inglês (seria uma piada interna a respeito de Dan Mallory?), o jovem Fred Hechinger, que faz o problemático filho adolescente do casal vizinho, deve ter ficado envergonhado por suas caretas e por seus diálogos, e Julianne Moore... Bem, Julianne Moore parece ter aceitado o papel para poder gritar ou dar risadas ridículas.
Meu veredicto? Vejam Janela Indiscreta, disponível no Google Play e no YouTube.