O cinema do século 21 viu surgirem três heróis tardios dos filmes de ação. O mais emblemático é o norte-irlandês Liam Neeson, que já tinha 56 anos quando estrelou Busca Implacável (2008), dando início a uma trilogia. A mais vistosa é a sul-africana Charlize Theron, que estava na casa dos 40 quando protagonizou Mad Max: Estrada da Fúria (2015), abrindo caminho para títulos como Atômica (2017) e The Old Guard (2020). O mais surpreendente é o estadunidense Denzel Washington, protagonista de O Protetor 2 (The Equalizer 2, 2018), cartaz da Tela Quente desta segunda-feira (17), na RBS TV, a partir das 22h35min.
Entre 1988 e 2002, Denzel, hoje com 66 anos, ganhou duas vezes o Oscar: melhor ator coadjuvante por Tempo de Glória (1989) e melhor ator por Dia de Treinamento (2001). Também concorreu aos prêmios de coadjuvante por Um Grito de Liberdade (1987) e melhor ator por Malcolm X (1992) e Hurricane: O Furacão (1999). Por estes dois últimos filmes, acrescente-se, recebeu o Urso de Prata no Festival de Berlim.
Nesses papéis, estabeleceu sua persona artística: a do homem íntegro, sólido em suas posições, ainda que controvertido em suas ideias. Fechou o ciclo com um personagem até então inédito para ele, o de cara malvado — o tira corrupto de Dia de Treinamento —, como se avisasse sobre uma guinada na sua carreira.
E, de fato, houve um dia em que Denzel Washington resolveu trocar a Academia, a de Hollywood, pela academia, a de malhação. Desde quando estava prestes a se tornar um cinquentão, filmes policiais e de ação tornaram-se muito frequentes. Enquadram-se em uma dessas categorias pelo menos 14 títulos, como o animado suspense Por um Triz (2003), a aventura pós-apocalíptica O Livro de Eli (2010), o faroeste Os Sete Magníficos (2016) e o thriller O Protetor (2014), que já virou franquia, como a Tela Quente nos mostra.
Pegou em armas mesmo quando trabalhou ao lado de diretores como Spike Lee (O Plano Perfeito, 2006) e Ridley Scott (O Gângster, 2007). Entre as raras exceções, fez três filmes que voltaram a valer indicações ao Oscar: concorreu como melhor ator pelo piloto de avião herói e alcoólatra de O Voo (2012), como o ex-jogador de beisebol que agora é coletor de lixo de Um Limite Entre Nós (2016), que ele também dirigiu, e como o advogado idealista de Roman J. Israel (2017), que enfrenta uma crise moral ao ter de defender um homem acusado de homicídio.
Na sua versão macho man, em que ora emprestava sua retidão moral, ora seu sorriso malandro para dar mais complexidade a personagens estereotipados, Denzel sedimentou parceria com dois diretores. Um foi o britânico Tony Scott (1944-2012), irmão caçula de Ridley, com quem fez cinco filmes: Maré Vermelha (1995), um thriller de submarino temperado pela ameaça da guerra nuclear, a violência espetacular de Chamas da Vingança (2004), a aventura de ficção científica Deja Vu (2006), o tenso O Sequestro do Metrô 123 (2009) e Incontrolável (2010), no qual interpreta um veterano maquinista que precisa parar um trem sem condutor, com vagões carregados de produtos tóxicos e em alta velocidade.
A outra parceria duradoura é com o estadunidense Antoine Fuqua, 55 anos, responsável por Dia de Treinamento, Os Sete Magníficos e os dois segmentos de O Protetor. O primeiro arrecadou US$ 192 milhões, e o segundo, US$ 190 milhões — são, respectivamente, a quinta e a sexta maior bilheteria na filmografia do ator.
Nessa franquia baseada em uma série de TV da década de 1980, Denzel encarna Robert McCall, um agente aposentado do serviço secreto que ganha a vida como motorista de aplicativo. Nas horas vagas, salva inocentes das garras da máfia russa, de gangues de traficantes, de mercenários e até de estupradores, entre outras figuras nocivas e pusilânimes que dão o azar de cruzar o seu caminho.
Na abertura de O Protetor 2, McCall está em um trem na Turquia. Usa uma fantasia de muçulmano, mas logo revela sua índole (a missão é resgatar uma menina estadunidense sequestrada pelo próprio pai) e suas habilidades: tarimbado, ele consegue antecipar movimentos dos agressores, dos quais se desvencilha ou os quais imobiliza usando o que estiver à mão — como uma xícara de chá quente — ou os próprios punhos.
Dali em diante, Antoine Fuqua vai tecendo tramas e apresentando personagens. Entre eles, estão um sobrevivente do Holocausto (Orson Bean) que procura por um retrato de sua irmã, leiloado por uma fortuna; um jovem negro, Miles (Ashton Sanders), com talento artístico mas uma queda por encrenca; e uma ex-colega dos tempos de CIA (Melissa Leo) que vai a Bruxelas para investigar a morte de um casal. Esses coadjuvantes podem ou não se relacionarem. Certo é que McCall não hesitará em usar da violência para fazer justiça, colocando em prática o discurso que profere a Miles quando explica por que resolveu pintar a parede pichada do prédio onde mora, em vez de deixar a tarefa para a administração do condomínio ou "para qualquer outra pessoa":
— Tem razão, Miles, acho que qualquer um podia fazer isso. Mas ninguém faz. Acaba que todo mundo reclama porque ninguém fez o que qualquer um podia ter feito. Ou devia ter feito.