Em cartaz na Netflix, Vingança ao Anoitecer (Dying of the Light, 2014) une dois anjos caídos de Hollywood: o diretor e roteirista Paul Schrader e o ator Nicolas Cage.
Ambos têm um passado mais brilhante do que o presente — embora ambos continuem gozando de prestígio, num caso, e de popularidade, no outro.
Schrader, hoje com 74 anos, escreveu ou foi coautor de quatro elogiados filmes dirigidos por Martin Scorsese: Taxi Driver (1976), Touro Indomável (1980), A Última Tentação de Cristo (1988) e Vivendo no Limite (1999) — este último, também estrelado por Nicolas Cage. Como diretor, assinou, entre outros, o semiautobiográfico Hardcore: No Submundo do Sexo (1979), Gigolô Americano (1980), Cat People (1982), Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos (1985) — premiado pela contribuição artística no Festival de Cannes —, O Dono da Noite (1992), que foi bastante inspirado em seus tempos de usuário de cocaína e maconha, e Temporada de Caça (1997), que deu o Oscar de coadjuvante para James Coburn e rendeu indicação a melhor ator para Nick Nolte.
Dali em diante, sua carreira teve mais tropeços do que acertos. Muito por conta do seu temperamento difícil — outra característica em comum com Cage. Em 2003, por exemplo, Schrader foi demitido das filmagens de The Exorcist: Dominion, um preâmbulo do clássico de terror lançado em 1973 por William Friedkin (praticamente refilmado por inteiro, sob comando de Renny Harlin, o projeto ganhou a luz do dia rebatizado como O Exorcista: O Início, em 2004). Em 2013, após cinco anos de fracassos na tentativa de arranjar financiamento, o cineasta realizou Vale do Pecado, um thriller erótico que chamou atenção mais pelo turbulento comportamento da atriz Lindsay Lohan nos bastidores.
Sobrinho do cineasta Francis Ford Coppola, Cage, 57 anos, viveu seus melhores tempos entre a década de 1980 e o início do século 21. Depois de títulos como O Selvagem da Motocicleta (1983), Asas da Liberdade (1984), Arizona Nunca Mais (1987), Feitiço da Lua (1987) e Coração Selvagem (1990), ganhou o Oscar e o Globo de Ouro como o alcoolista de Despedida em Las Vegas (1995). Em seguida, emendou três filmes de ação — A Rocha (1996), Con Air: Rota de Fuga (1997) e A Outra Face (1997) — que se mostraram uma faca de dois gumes. Por um lado, trouxeram fãs para o ator, por outro, parecem ter "viciado" Cage em um estilo canastrão e estridente.
Ele ainda trabalharia com diretores renomados (Olhos de Serpente, de Brian De Palma, o já citado Vivendo no Limite, e Os Vigaristas, de Ridley Scott), faria boas comédias românticas (Um Homem de Família), estrelaria o cínico O Senhor das Armas, daria início à franquia A Lenda do Tesouro Perdido e concorreria de novo ao Oscar e ao Globo de Ouro por interpretar gêmeos em Adaptação (2002). Mas, de 2007 para cá, já soma oito indicações ao Framboesa de Ouro, o prêmio de galhofa dedicado aos piores do ano e entregue às vésperas do Oscar (se serve de consolo, Cage nunca "venceu").
A derrocada cinematográfica reflete sua vida pessoal, cheia de episódios de excentricidade e fracasso (não à toa, vai protagonizar uma minissérie ficcional sobre Joe Exotic, retratado no documentário A Máfia dos Tigres). Alguns deles: Cage já foi à falência, por dever ao Tesouro dos Estados Unidos, e teve de vender tudo, incluindo carros de luxo e sua valiosa coleção de quadrinhos. Dois de seus três casamentos duraram menos de um ano. Tem como mascotes um polvo, um tubarão, um crocodilo e duas cobras gigantes. E nega-se a tomar remédios: "Estimulo o espectro total dos sentimentos. É meu maior recurso como ator. Necessito poder sentir tudo e, por isso, rejeito qualquer tipo de medicamento", justificou.
Vingança ao Anoitecer anuncia-se como um típico filme de Schrader e de Cage. Marcas do diretor e do ator estão presentes: a jornada de autodestruição do protagonista, a ansiedade, a paranoia, o sacrifício e/ou a explosão de violência em busca de algum tipo de redenção. A sinopse informa: 22 anos depois de ter sido torturado e arrastado para a demência por Muhammad Banir, um terrorista árabe que se presume morto, o veterano agente da CIA Evan Lake (papel de Cage) é forçado a se retirar. Mas quando seu protegido, Milton Schultz (Anton Yelchin), descobre evidências de que Banir provavelmente ainda segue vivo, Lake embarca em uma missão para eliminar seu antigo inimigo.
A crítica massacrou: tem somente 11% de avaliações positivas no agregador Rotten Tomatoes. Os bastidores de Vingança ao Anoitecer aumentam a curiosidade mórbida (sim, confesso que ainda não tomei coragem): desgostosos com a versão inicial — mais experimental e subjetiva —, os produtores mandaram reeditar o material. Três anos depois, Schrader fez uma espécie de colagem pós-moderna, chamada de Dark, com excertos do filme que foi lançado. No mesmo ano de 2017, o cineasta assinou Fé Corrompida, drama espiritual protagonizado por Ethan Hawke que acabou lhe valendo sua primeira indicação ao Oscar de roteirista.
Foi como uma redenção, um recomeço. Com script seu, The Jesuit, de Alfonso Pineda Ulloa, deve estrear em 2021; The Card Counter, thriller dirigido por Schrader e estrelado por Tye Sheridan, Oscar Isaac e Willem Dafoe, está em pós-produção; e ele já anunciou o faroeste Nine Men From Now, uma releitura de Sete Homens e um Destino (1956). Há o burburinho de que Cage fará parte do projeto. Enquanto isso não se confirma, sabe-se que também está em pós-produção The Unbearable Weight of Massive Talent, comédia de ação realizada por Tom Gormican na qual Nicolas Cage interpreta... Nicolas Cage. Endividado, ele aceita uma oferta de US$ 1 milhão para fazer uma aparição na festa de aniversário de um bilionário fã mexicano que tem ligação com o tráfico de drogas.