Antes de falar sobre O Passageiro (The Commuter), atração da noite desta quarta-feira (21) na RBS TV, tal relembrar como tudo começou?
— Eu não sei quem você é. Eu não sei o que você quer. Se está em busca de resgate, saiba que não tenho dinheiro. O que eu tenho são habilidades muito específicas, habilidades que eu adquiri ao longo de uma carreira muito longa. Habilidades que fazem de mim um pesadelo para pessoas como você. Se você libertar minha filha agora, encerramos o assunto. Não vou te procurar ou te perseguir. Mas se você não a libertar, eu vou te procurar, eu vou te achar e eu vou te matar.
Foi com esse monólogo — e com a posterior colocação em prática das ameaças — que Liam Neeson pavimentou uma transformação na carreira ainda mais tardia do que a de Charlize Theron, alçada ao posto de heroína dos filmes de ação depois dos 40 anos. O ator norte-irlandês que concorreu ao Oscar por A Lista de Schindler (1993) e ganhou a Copa Volpi por Michael Collins (1996), no Festival de Veneza, já tinha 56 quando estrelou Busca Implacável (2008). Nesse título dirigido pelo francês Pierre Morel e bem-sucedido nas bilheterias (foram US$ 226,8 milhões arrecadados, quase 10 vezes o custo de produção), ele estabeleceu o tipo de personagem que inscreveu o seu nome na galeria de astros do gênero: o ex-agente secreto ou ex-policial que precisa voltar à ativa e tomar medidas extremas quando sua família corre perigo. Contribuem para o fascínio — ou o espanto — exercido por Neeson suas características físicas (1m93cm de altura, o nariz grande e torto desde que o quebrou nos tempos de boxeador, na juventude), a voz grave, um olhar capaz de exalar tanto a fúria quanto a frieza e um meio sorriso que contrasta as barbaridades cometidas com suas próprias mãos.
Com algumas variações, de lá para cá Neeson protagonizou uma dezena de histórias de violência e vingança, até anunciar sua aposentadoria do gênero, em janeiro de 2021, alegando dificuldades, pelo peso da idade (vai fazer 69 em junho), para fazer as cenas de luta. Entre os filmes, estão as duas sequências da franquia Busca Implacável (em 2012 e em 2014), o ótimo, mas brutal Vingança a Sangue Frio (2019) e quatro colaborações com o diretor espanhol Jaume Collet-Serra: Desconhecido (2011), Sem Escalas (2014), Noite Sem Fim (2015) e este O Passageiro (2018), que será exibido às 23h10min, na faixa Cinema Especial da RBS TV.
Não vou detalhar muito da trama porque parte do encanto do filme depende da disposição do espectador em abraçar o implausível e o delirante — tanto no roteiro quanto nas imagens, vertiginosas, muitas delas captadas por um sistema de lentes que permite tirar e colocar o foco no fundo sem alterar o foco do que está em primeiro plano. Neeson interpreta um vendedor de seguros (e ex-policial, logicamente), Michael McCauley, que, no dia de sua inesperada e abaladora demissão, recebe uma estranha proposta no trem de volta para casa. A misteriosa Joanna (Vera Farmiga) oferece US$ 100 mil se ele encontrar um passageiro de codinome Prynne, que está levando na mala algo muito importante e vai descer na estação de Cold Springs. Mas, como homem íntegro que é, Michael logo desconfia das reais intenções de Joanna. E, como este é um filme de ação com Liam Neeson, logo a família do protagonista estará em risco.
O que se sucede é um jogo de gato e rato envolvendo vários personagens, como um corretor de Wall Street, uma enfermeira hispânica e um guitarrista negro. O elenco de apoio inclui nomes que se destacariam nos anos seguintes — temos, por exemplo, Florence Pugh, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante por Adoráveis Mulheres (2019), e Kingsley Ben-Adir, o Malcolm X de Uma Noite em Miami (2021). O diretor Collet-Serra alterna a investigação e os dilemas morais de Michael com doses vigorosas de adrenalina que se espalham por praticamente todos os espaços de um trem: as cenas de ação estreladas pelo sessentão Neeson podem deixar garotos boquiabertos.