O Chile alcançou um feito admirável para o cinema da América do Sul: com Agente Duplo (El Agente Topo, 2020), que está em cartaz no Globoplay, o país tem seu terceiro representante no Oscar em menos de 10 anos.
Em 2013, No, obra de Pablo Larraín sobre o plebiscito de 1988 que decidiria a permanência ou não do general Augusto Pinochet (1915-2006) na presidência, concorreu à estatueta de melhor filme internacional. Em 2016, Uma Mulher Fantástica, drama de Sebastián Lelio sobre uma cantora e garçonete transgênero, faturou o Oscar da categoria.
Nesse intervalo de tempo, o Brasil foi duas vezes à festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: em 2016, com o longa de animação O Menino e o Mundo, e no ano passado, com o documentário Democracia em Vertigem. A Argentina, que tem duas taças no armário (por A História Oficial e por O Segredo dos Seus Olhos), apenas uma, com Relatos Selvagens (2014), assim como a Colômbia, com O Abraço da Serpente (2015). Vale destacar que o Chile lança de 35 a 40 filmes por ano, contra 200 a 250 da Argentina e cerca de 150 do Brasil.
Dirigido por Maite Alberdi, Agente Duplo faz por merecer a rara convergência entre crítica e público — no Rotten Tomatoes, têm, respectivamente, 95% e 90% de aprovação. O filme surpreende ao começar como comédia, tornar-se uma trama detetivesca e terminar com uma espécie de denúncia.
Na abertura, Romulo Aitken, dono de uma agência de detetives, resolve fazer uma seleção para encontrar o agente duplo do título. Ele precisa infiltrar um idoso em um lar geriátrico, a fim de comprovar (ou não) a suspeita da contratante: ela acha que a mãe está sendo vítima de negligência e de maus-tratos.
A montagem, ágil, destaca a inaptidão da maioria dos candidatos ao emprego temporário (serão três meses), principalmente em relação ao uso da tecnologia — desde uma chamada de vídeo via Facebook até uma caneta com câmera escondida. Desse prólogo cômico, emerge o viúvo Sergio Chamy, 80 e poucos anos, com filhos e netos. Ele aceita a missão porque, como diz à filha, pode ser "mentalmente cansativo, mas libertador": tudo em sua casa faz pensar na esposa falecida, mas agora que está treinando para ser espião, volta do habitual passeio e já vai "direto pra cama".
Ao ingressar na instituição, Sergio primeiro terá de reconhecer o chamado alvo, de quem só viu uma ou duas fotos. Ele tem de fazer observações e passar relatórios para Romulo — podemos acompanhar os bastidores de seu trabalho porque, previamente, a equipe de produção do filme havia acertado a gravação de um documentário no local. Sua investigação vai gradualmente perdendo os contornos humorísticos para revelar uma série de histórias tristes. Não é que as velhinhas (há pouquíssimos homens) estejam descuidadas — elas foram é abandonadas pelas famílias. Isso choca (e talvez no íntimo assuste) o protagonista, acostumado ao convívio com seus descendentes.
Afetuoso e comunicativo, Sergio acaba dando novo sentido ao Agente Duplo do título. Passa a ser menos um falso interno e mais um amigo real de pessoas que nunca recebem uma visita. Pessoas que, de tão isoladas do mundo, criaram o seu próprio — vide Marta, que conversa ao telefone com uma enfermeira acreditando que ela é sua mãe, já falecida. Pessoas que ficam horas diante do portão, à espera de alguém que as levem para casa. Pessoas que já nem lembram do rosto dos filhos e dos netos, só vistos em fotografias que o espião contrabandeia para dentro do asilo.