Uma moça que conheci, muito bonita, certa vez me contou que estava em sua casa de praia, tomando banho no chuveiro, e percebeu que, da casa do outro lado da rua, um rapaz a observava detrás de uma janela. A princípio, ela levou um susto, mas logo se controlou. Fez de conta que não o havia notado e continuou a se banhar, só que com movimentos mais lentos, mais premeditados, mais sensuais, divertindo-se com a aflição do voyeur desconhecido. Continuou assim por algum tempo, depois se cansou, fechou a janela e deixou-o lá, salivando e arfando como o cachorro na porta do açougue.
Gosto deste tema – alguém que observa em segredo a intimidade de outra pessoa. No caso, o segredo foi descoberto, mas nem sempre é o que acontece. Tenho amigos que moram em edifícios altos e que compraram binóculos e até lunetas para espiar a vizinhança à sorrelfa.
Eu mesmo tive uma vizinha nua. Já contei essa história. Ela morava no prédio ao lado do meu, na Rua Portugal. Da minha janela, um andar acima, via as janelas dela. Uma noite, estava ao computador, escrevendo. Olhei despretensiosamente pela janela, procurando encontrar na rua o verbo perfeito, quando a vi. Era morena, tinha pernas longas, cabelos negros e dançava em frente ao espelho. Esqueci o verbo e finquei os olhos nela, que ondulava. De repente, ela sacou a camisa num zás e dois seios rijos como peras saltaram para o ar exterior. Sim, minha vizinha fazia strip-tease em frente ao espelho, com a janela aberta, para gáudio do degas aqui, e fazia-o todas as noites, à mesma hora, até que...
Não vou continuar a história, vão dizer que estou me repetindo e que isso é sinal de velhice. O que interessa é o tema do voyeurismo.
É esse o fio condutor de um romance que li na semana passada, A Mulher na Janela, do americano A. J. Finn. A protagonista da história é uma psicanalista que sofre de agorafobia, que é o medo de lugares abertos. Ela passa os dias na janela, fresteando os vizinhos. Então, vê algo terrível…
Também não contarei o que é, para não dar spoiler.
A leitura me rendeu momentos agradáveis durante minhas breves férias. E confirmou algo que já sabia: que o bom talento nem sempre vem acompanhado do bom caráter.
Se você gosta de cinema deve ter notado que esse é o enredo de Janela Indiscreta, de Hitchcock, só que o herói do filme, James Stewart, não tem problemas psicológicos, e sim físicos: ele quebrou o pé. No livro, Finn deixa explícita a inspiração, mas o romance não é um plágio; é uma história eletrizante, bem concatenada, que faz o leitor ficar ansioso para chegar ao desfecho. Ótimo divertimento.
Mais interessante ainda foi como cheguei ao livro. Deu-se que, depois de o romance vender mais de 1 milhão de cópias, um repórter americano descobriu que o escritor é um mentiroso contumaz. Até o nome dele é falso: Finn, na verdade, chama-se Dan Mallory. Ele havia dito que era inglês, que sobrevivera a um câncer no cérebro, que sua mãe e seu irmão tinham morrido tragicamente e que era PhD em Oxford. Tudo fake. Ele forçava inclusive um sotaque supostamente britânico.
Ser pego na mentira, nos Estados Unidos, é pecado grave. Foram ácidas as reprimendas que Mallory ouviu e leu. Mas seu livro não parou de vender e um estúdio de Hollywood vai lançar um filme com o roteiro adaptado do romance. Eu mesmo, confesso, só comprei o livro por achar intrigante a personalidade tortuosa do autor. Valeu a pena. A leitura me rendeu momentos agradáveis durante minhas breves férias. E confirmou algo que já sabia: que o bom talento nem sempre vem acompanhado do bom caráter.