Foi a mensagem que recebi, enviada por mim mesmo, dias atrás. Não havia ponto, não havia vírgula, nada. Mas, tudo bem, não era incomum. Às vezes faço isso para me lembrar de alguma ideia de crônica. Tive um lampejo, gostei, mas não posso anotar no momento. Então, envio-me um e-mail com algo que me lembrará do que pensei.
As ideias são assim, ariscas como onças do Pantanal. Você tem uma que achou genial, começa a falar sobre outro assunto, se distrai um minuto e, pronto. Cadê aquela ideia que agora mesmo estava aqui, brilhando? Foi se ocupar de uma lebre para o jantar.
Antes as anotava no talão de cheques, mas o talão de cheques está em extinção, como os tigres de bengala. Sobrou-me, assim, o celular. O problema é que não compreendi a mensagem. Cama como trono? Uma cama “transformada” em trono, o cara governando dali, recostado como um rei africano? Não vejo ideia nenhuma nisso. Pelo menos nenhuma boa. Cama... Trono... O que me passava pela cabeça?
Fiquei tentando me lembrar, fazendo combinações. Nada. Talvez seja algo político, algo devastador, eu quebrando todos os paradigmas e escandalizando a sociedade hipócrita. Sim! Hipócritas! Todos vocês! Deviam no mínimo demonstrar revolta com isso tudo que está aí. Ainda bem que eu, na minha famosa crônica “Cama como trono”, fiz a denúncia. Ou farei.
Pena que não recordo desse escândalo. Será que algo, qualquer revelação, qualquer uma, realmente escandalizaria o Brasil hoje? Ou nada mais abala a nossa indiferença?
“Cama como trono”, então, provavelmente não devia ser político. Devia ser uma crônica engraçada. Os leitores chorando de rir logo de manhã cedo graças à impagável “Cama como trono”.
Só que não vejo nenhum sumo engraçado para espremer dessa junção de palavras.
Cama como trono.
Que mistério.
Se tivesse mais tempo teria escrito mais nesse recado. Um verbo, pelo menos. Gosto da ideia do verbo como definidor da vida. Como diz o Gênesis, “no princípio, Deus era o verbo e o verbo pairava acima das águas”. Por que Deus era o verbo? Porque o verbo é ser. O verbo é. É o que existe.
Um verbo, portanto, pode mudar tudo. Ah, a falta que o verbo faz. O verbo que agora todo mundo conjuga é emocionar. Todo mundo quer passar por emoções. Se você proibir as pessoas de falarem qualquer coisa relacionada a emocionar, acaba a TV brasileira. É uma característica do país emotivo em que vivemos. Eu, a emoção que sinto, ao não desvendar um recado que eu mesmo me deixei, é de raiva. Incompetência. Mas, quando eu me lembrar, você vai ver: que crônica! Ainda me consagrarei graças à cama como trono.