Quando você está encerrado em casa por causa de uma doença, os piores dias são os mais bonitos. Aquela tarde de sol gloriosa, os passarinhos cantando a alegria de estar vivo, o céu azul convidando a sentir as amenidades do clima, e eu não posso.
Imagino que todos os meus amigos agora estejam celebrando. Estão rindo, fazendo brindes, atirando-se nas ondas do mar. E eu aqui. Eles me esqueceram. Maldita solidão. Maldita doença, que me torna incapaz de sorver o bom da vida.
Mas aí, no dia seguinte, o céu enfeia, tudo fica escuro e até chove um pouco. Os amigos ligam e suspiram:
— Que vontade de estar em casa, comendo bolinho de chuva.
E eu me sinto bem, porque é o que estou fazendo. Quer dizer: quase é o que estou fazendo. Estou em casa, mas não tem bolinho de chuva porque minha vó e minha mãe não apareceram para cozinhar.
O bolinho de chuva é um dos diamantes da minha infância. Esfriava um pouco e lá ia a minha avó fazer bolinho de chuva. Mas essa é uma graça que só cabe a quem tem menos de 14 anos de idade. Porque o bolinho de chuva serve para divertir, não para alimentar. Não é comida séria. Assim, desde mais ou menos meus 15 anos não como mais bolinho de chuva. Eu queria, eu ansiava por bolinho de chuva, mas não me dão.
É quase como algodão doce. Você não vai ver uma pessoa séria comendo algodão doce. Pegue, por exemplo, um juiz do nosso TRF 4. Não do STF, que lá eles são uns pândegos. Os do TRF são mais sisudos. Você não imagina um deles comendo algodão doce. Talvez nem bolinho de chuva.
Pois suspeito que minha vó e minha mãe tenham passado a me julgar adulto demais para o bolinho de chuva. Só que não sou. Por Deus. Nenhuma comida ferirá a minha dignidade, desde que seja saborosa. Também não sou nojento para comida. Posso me empapuçar daqueles pratos do Rei do Mocotó sem nenhuma culpa. E nem concordo que o mocotó é para os dias sombrios. Comeria mocotó no alto verão, na praia, sob o sol, sem medo de rebeliões intestinais. Mas as pessoas só comem mocotó depois do outono, que fazer?
O certo é que as mudanças climáticas fazem mudar também o nosso humor. Somos subalternos à natureza. Não há como determos a fúria do vulcão, nem a violência da tempestade ou o rumo dos ventos, mas um belo dia de sol nos enternece e nos deixa nostálgicos. A mim, eles me fazem querer estar na rua. E, se não posso, dá uma frustração. Meus amigos, o que é feito deles? Por que me abandonaram? Oh, tomara que chova amanhã.