Então, fiz 60 anos. Sessentão. Idoso. Mas, na minha cabeça, tenho outra idade. O corpo anda alquebrado de tanta luta, e na cabeça tenho entre 35 e 45 anos. O espelho confirma isso. Olho-me no espelho e vejo um cara bonitão, grisalho, experiente, com personalidade.
Quando me vejo em filmes ou fotos, estremeço. De onde vieram tantos cabelos brancos? E essas rugas? Credo.
Se você for escrever a biografia de alguém, qual é a foto que será publicada na capa do livro? Essa é a foto que representa a vida da pessoa, era ali que ela devia ter ficado para sempre. Por exemplo: Pelé é o da Copa de 70, Churchill, Roosevelt e Hitler são os da II Guerra, Marilyn é a do filme O Pecado Mora ao Lado.
Uma vez, na redação de Zero Hora, uma moça entrou pisando firme lá do outro lado do salão, e um estagiário comentou:
— Não sei como é que dizem que essa mulher um dia foi bonita.
Estremeci. Ele estava falando de uma de nossas antigas musas. Olhei para ele pasmo:
— Tu não a acha bonita?
Ele fez uma cara de nojo:
— Nããão!
Como podia aquilo? Eu e os veteranos jurávamos que ela ainda vivia seus tempos de glória.
Tudo bem, você tem de se contentar. Você envelhece, vai perdendo a agilidade e a flexibilidade. É da vida. Mas não venham me dizer que é bom. Não, não é! Eu sou aquele que saía todas as noites e jogava futebol todas as semanas.
Para me contentar, e a você também, velho leitor, tem aquela história dos ciclos. Estou vivendo um novo ciclo, que também tem suas vantagens e belezas e tal. Está certo, não vou reclamar. Cheguei até aqui de livre e espontânea vontade. Mas esse ciclo está me parecendo rápido demais. Espero que minhas células e moléculas não se apressem. Calma, temos pouco tempo aqui.
Os cientistas calculam que, até hoje, mais de cem bilhões de pessoas viveram debaixo do sol. Hoje, onde elas estão? E eu, onde estava quando Julio César atravessou o Rubicão, quando Maomé II derrubou as muralhas de Constantinopla, quando Rasputin comeu uma caixa inteira de bombons envenenados e sobreviveu? Eu não estava vivo. Eu não vivi por milhares de anos da civilização e por milhões de anos do nomadismo. E sei que não estarei vivo depois, por outros milhares e milhões de anos. Coube-me esse pedacinho e já consumi 60 anos do meu quinhão. Oh, amigos, resta-me pouco. Então, não vou me importar com o que não tem importância. Nem mesmo com a imagem falsa das fotos e filmes de agora. Sou um ser humano existindo, “sendo”, como são os bichos. Mais tarde, quando deixar de existir, vocês decidem que foto fui eu.