Depois do Oscar e do Fantaspoa — o Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre — e fechado o primeiro quadrimestre do ano, vale atualizar a lista dos melhores filmes de 2021.
A regra é clara: só foram elegíveis títulos exibidos pela primeira vez no Brasil a partir de 1º de janeiro ou que serão lançados nos próximos dias. Por isso, acabaram em uma espécie de limbo obras excelentes que estrearam nos últimos meses de 2020 mas que eu fui conhecer apenas em 2021 — como Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre e os documentários Professor Polvo (premiado com o Oscar) e Time (concorrente ao prêmio).
Os filmes estão em ordem decrescente de preferência, com a indicação das plataformas de streaming nas quais estão disponíveis (ou não, infelizmente). Clique nos links se quiser saber mais.
Menções honrosas: para a comédia taiwanesa de zumbis e políticos Get the Hell Out, uma delícia hipercalórica estrelada por personagens apelidados como Nariz Sangrando, Parlamentar Gângster e Jardineiro Feroz; para a direção de fotografia, os cenários, o figurino e os efeitos sonoros que criam a atmosfera de opressão e perigo da distopia turca Nas Sombras; e para o enredo desafiador do indiano Rabo de Cavalo, sobre um bancário alcoolista que nos leva para um passeio por seus sonhos, suas memórias e suas ilusões. (Os três filmes foram exibidos no Fantaspoa e não têm previsão de estreia).
21º) Host
O filme de terror do britânico Rob Savage capta, literalmente, o espírito de seu tempo: durante a pandemia, um grupo de amigas resolve apimentar suas reuniões via Zoom com uma sessão espírita virtual. (Netflix)
20º) Cabras da Peste
Pense em franquias como Um Tira da Pesada, Máquina Mortífera ou A Hora do Rush. Tem de todas um tanto nesta paródia brasileira. Os tiras de temperamentos opostos reunidos pelo diretor Vitor Brandt são o cearense Bruceuílis Nonato (Edmilson Filho) e o paulistano Trindade (Matheus Nachtergaele). O sequestro da cabra Celestina é a deixa para o primeiro viajar da minúscula — e fictícia — Guaramobim para São Paulo. (Netflix)
19º) Wolfwalkers
Só havia um rival para Soul no Oscar: Wolfwalkers, uma animação de Tomm Moore e Ross Stewart produzida à moda antiga, em 2D, e focada no folclore da Irlanda. Conta a história de Robyn Goodfellowe, uma garota aprendiz de caçadora que quer ajudar seu pai, incumbido pelo temível Protetor de exterminar a última matilha de lobos. Mas tudo muda quando ela faz amizade com uma menina de espírito livre de uma tribo misteriosa, que dizem que ter a habilidade de se transformar em lobos à noite. Com visual fascinante e belas músicas, o filme lança um apelo pela preservação da identidade cultural e da natureza. (Apple TV)
18º) O Refúgio
O canadense Sean Durkin dirige o inglês Jude Law e a norte-americana Carrie Coon nesta mistura chique de drama e suspense sobre uma família que se muda dos Estados Unidos para a Inglaterra, na década de 1980, por conta da ambição financeira do marido, um empreendedor carismático. O Refúgio pergunta: o que acontece com uma vida calcada em mentiras e aparências quando a verdade começa a vir à tona? (Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube)
17º) História do Oculto
Em um programa de entrevistas da Argentina de 1987, um grande empresário pode fazer uma revelação chocante: o presidente do país estaria vinculado a uma seita satanista. A mistura de horror sobrenatural, comentário político e sátira (há um impagável comercial que vende as Ilhas Malvinas como destino turístico) rendeu a Cristian Ponce os prêmios de melhor filme e melhor roteiro da Mostra Ibero-Americana do Fantaspoa. (Sem previsão de estreia)
16º) A Dark, Dark Man
Se você acha que as comédias do Borat distorcem demais a realidade do Cazaquistão, este policial do cazaque Adilkhan Yerzhanov mostrou que não. A placidez das paisagens ao fundo e o ritmo contemplativo contrastam com personagens corruptos e violentos. (Exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
15º) A Cabeleireira/Saint Maud
Dois filmes de terror escritos e dirigidos por mulheres estreantes em longas-metragens (respectivamente, a norte-americana Jill Gevargizian e a inglesa Rose Glass), com uma protagonista solitária e de mente perturbada a ponto de confundir os sinais externos, e ambos sem pudores para lançar mão da violência gráfica quando necessária — embora se destaquem mais pela elegância visual e pela cadência narrativa.
Em A Cabeleireira, de dia Claire corta cabelos; à noite, cabeças. Em Saint Maud, uma jovem enfermeira acredita falar com Deus, se flagela nas horas vagas e encara como missão religiosa cuidar de uma coreógrafa com câncer. (A Cabeleireira foi exibido no Fantaspoa e não tem previsão de estreia, Saint Maud pode ser visto no Google Play e no YouTube)
14º) Dois Minutos Além do Infinito
Ganhador do júri popular e do prêmio de diretor (o estreante Junta Yamaguchi) no Fantaspoa, este filme amador japonês — feito via celular! — faz os renomados Christopher Nolan e Sam Mendes chorarem no cantinho com uma espantosa e divertida combinação do tema da viagem no tempo com a técnica do plano-sequência. (Sem previsão de estreia)
13º) Jumbo
A belga Zoé Wittock dirigiu o filme eleito o melhor da Mostra Internacional no Fantaspoa, em que a francesa Noémie Merlant (a pintora de Retrato de uma Jovem em Chamas) se apaixona por um novo brinquedo do parque de diversões onde trabalha. (Exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
12º) Uma Noite em Miami
A atriz e agora diretora Regina King imagina o que aconteceu e foi falado no encontro, em 1964, de quatro ícones do movimento negro nos Estados Unidos: Malcolm X, Cassius Clay (às vésperas de se converter ao islamismo e mudar o nome para Muhammad Ali), Sam Cooke e Jim Brown. (Amazon Prime Video)
11º) O Tigre Branco
O norte-americano de família iraniana Ramin Bahrani fez "o Parasita de 2021": o filme se passa na Ásia (no caso, a Índia), retrata o abismo profundo entre os ricos e os pobres e traz um personagem ambíguo agarrando uma rara chance de ascensão com todos os dentes. (Netflix)
10º) Judas e o Messias Negro
Como o título indica, o diretor norte-americano Shaka King retrata uma traição: no final dos anos 1960, William O'Neal (Lakeith Stanfield), um ladrão de carros, é coagido pelo FBI para se infiltrar nos Panteras Negras e se tornar um informante sobre as ações do líder do partido em Chicago, Fred Hampton (Daniel Kaluuya, ganhador do Oscar de ator coadjuvante). (Em cartaz nos Estados onde os cinemas já voltaram a funcionar e sem previsão de estreia no streaming)
9º) A Risada
É uma surpresa atrás da outra o filme do canadense Martin Laroche. Apesar desse título, começa com uma cena de dor e de morte. Logo depois, vemos um número de dança. E, na sequência, acontece um massacre durante uma fictícia guerra civil no Canadá. (Exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
8º) Uma Canção para Latasha/Dois Estranhos
Dois curtas do Oscar tristemente aparentados. No documentário Uma Canção para Latasha, Sophia Nahli Allison reconstitui de forma poética a vida de uma adolescente negra assassinada pela dona de um mercadinho em Los Angeles, em 1991.
Premiado como melhor curta de ficção, Dois Estranhos, de Travon Free e Martin Desmond Roe, é um Feitiço do Tempo inspirado em casos como os de George Floyd, Breonna Taylor e Eric Garner. (Ambos estão em cartaz na Netflix)
7º) Agente Duplo
Neste documentário que concorreu ao Oscar, a diretora chilena Maite Alberdi observa as desventuras de um vovô de 80 e poucos anos contratado para ser espião em um lar para idosos, onde depara com vítimas não de maus-tratos, mas do abandono familiar. (Globoplay)
6º) Druk: Mais uma Rodada
O dinamarquês Thomas Vinterberg não é moralista nem faz apologia do álcool nesta comédia dramática vencedora do Oscar de filme internacional. Mostra as consequências positivas na vida dos personagens e também as negativas. E entrega ao público um final paradoxal e antológico. (Apple TV, Now, Google Play e YouTube)
5º) O Grande Salto
No filme do iraniano Karim Lakzadeh, uma mulher recebe a notícia de que seu filho, dado como morto no parto, está vivo. Então, ela parte em uma jornada na companhia do cunhado e de três excêntricos artistas de circo. É lindo, melancólico (raras vezes um "Eu te amo" provocará tamanho choque), gracioso, filosófico, aventureiro, metafórico, político. (Exibido no Fantaspoa em sem previsão de estreia)
4º) Nomadland
Do Leão de Ouro no Festival de Veneza ao Oscar, a triunfante trajetória de Nomadland faz jus à história contada por Chloé Zhao.
Chinesa radicada nos EUA, a cineasta aborda um tema absolutamente contemporâneo e bastante caro aos norte-americanos: o impacto da recessão na vida das pessoas comuns. Com um olhar sensível tanto para com os personagens quanto para com as paisagens, acompanha o cotidiano de uma mulher (Frances McDormand, Oscar de melhor atriz) que, após o colapso econômico de uma cidade industrial, precisa morar dentro de uma van e passa a conviver com nômades de verdade. (Em cartaz desde 29 de abril nos Estados onde os cinemas já voltaram a funcionar)
3º) Quo Vadis, Aida?
No filme que representou a Bósnia e Herzegovina no Oscar, uma tradutora da ONU tenta salvar o marido e os dois jovens filhos do Massacre de Srebrenica, perpetrado por tropas sérvias em julho de 1995. A cineasta Jasmila Zbanic defende a verdade como única forma de lidar com guerras, ditaduras, regimes de apartheid oficiais ou não oficiais, perseguições políticas, étnicas, religiosas etc. e faz um alerta: nunca podemos fechar os olhos para os traumas do passado. (Apple TV, Now, Vivo Play, Google Play e YouTube)
2º) Meu Pai
Na companhia do inglês Christopher Hamtpon, o diretor francês Florian Zeller ganhou o Oscar de roteiro adaptado por transformar uma peça de teatro em uma experiência que só um filme é capaz de oferecer. Mergulhamos na mente do octogenário protagonista desafiado pela degeneração da memória. O Oscar de melhor ator também fez justiça ao brilhante e comovente desempenho de Anthony Hopkins. (Apple TV, Now e Google Play)
1º) Bela Vingança
O título nacional não tem a sutileza nem o duplo sentido do original, Promising Young Woman. A jovem promissora pode ser tanto Nina Fisher — de quem saberemos aos poucos — quanto Cassandra, a protagonista interpretada com gana por Carey Mulligan. Por outro lado, Bela Vingança escancara desde a abertura que este é, sim, um filme de vingança: Cassie finge estar bêbada, desnorteada e desamparada em bares para atrair homens que, por sua vez, fingem não compactuar com a cultura do estupro.
O primeiro longa dirigido pela atriz britânica Emerald Fennell ganhou o Oscar de roteiro original. Merecia mais por sua mistura de visual colorido e tema sombrio, muito bem resumida na cortante versão instrumental de uma canção pop de Britney Spears, Toxic, aqui executada apenas ao violino, à viola e ao cello. (Estreia nos cinemas em 13 de maio)