Ticiano Osório

Ticiano Osório

Jornalista formado pela UFRGS, trabalha desde 1995 no Grupo RBS. Atualmente, é editor em Zero Hora e escreve sobre cinema e seriados em GZH e no caderno ZH2.

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O que ver no último fim de semana do Fantaspoa: meus 10 filmes preferidos

Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre termina no domingo (18). Toda a programação é gratuita

Ticiano Osório

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Fantaspoa / Divulgação
Filme indiano "Rabo de Cavalo" é um dos destaques do Fantaspoa 2021

Acaba neste domingo o 17º Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa. Para ajudar a turma que só dispõe mesmo do fim de semana para assistir a filmes, vou reforçar aqui o convite para que façam um cadastro gratuito na plataforma de streaming Wurlak e vejam estes 10 títulos listados abaixo.

São os meus preferidos entre as três dezenas de longas-metragens que já conferi. Ainda quero/vou assistir a dois argentinos (Noturna e Desvida), um brasileiro (Menáge), um dinamarquês (Vítima do Amor), um norte-americano (Este Jogo se Chama Assassinato), um polonês (Mate-o e Deixe Esta Cidade) e um tcheco (Playdurizm). Mas creio que nenhum dos 10 filmes abaixo vá perder seu lugar no meu coração e na minha memória.

O bacana é que dá para fazer uma volta ao mundo, passando por quase todos os continentes e sem repetir país. As obras estão em ordem alfabética. Para saber mais sobre algumas delas, clique nos links. E peço desculpas antecipadas se acontecer de algum filme não estar mais disponível: há um limite de 3 mil visualizações.

A Cabeleireira (EUA, 2020)

Fantaspoa / Divulgação
Brea Grant e Najarra Townsend em "A Cabeleireira"

A cena de abertura do filme dirigido e coescrito por Jill Gevarzigian mostra a perturbada personagem com quem estamos lidando: de dia, Claire corta cabelos; à noite, cabeças. A Cabeleireira é uma afinada parceria entre a cineasta e a atriz Najarra Towsend. As duas conseguem andar com elegância numa delicada e arriscada corda bamba: não endossam a assassina serial, não justificam seus atos, mas permitem que Claire seja uma personagem com mais camadas. E, com toda calma do mundo, mas jamais cansando o espectador, Gevarzigian conduz a trama para um final arrasador. Daqueles que ficam, grudam na cabeça.

A Dark, Dark Man (Cazaquistão, 2019)

Fantaspoa / Divulgação
Daniar Alshinov em "A Dark, Dark Man"

Se você acha que as comédias do Borat distorcem demais a realidade do Cazaquistão, vale a pena conferir este filme policial produzido no próprio país da Ásia Central, com direção de Adilkhan Yerzhanov. A placidez das paisagens ao fundo e o ritmo contemplativo da trama contrastam com personagens corruptos e violentos — como o próprio protagonista de A Dark, Dark Man, um detetive que deveria só tratar da papelada em um caso de estupro e assassinato de um menino, mas que acaba (por resquício ético ou interesse romântico, que seja) comprando briga com os mandachuvas da cidadezinha. 

Dois Minutos Além do Infinito (Japão, 2020)

Fantaspoa / Divulgação
Kazunori Tosa em "Dois Minutos Além do Infinito"

Há um filme amador japonês no Fantaspoa capaz de fazer cineastas renomados, como Christopher Nolan e Sam Mendes, chorarem no cantinho. Dirigido pelo estreante Junta Yamaguchi, escrito por Makoto Ueda e estrelado pelo grupo teatral Europe Kikaku, Dois Minutos Além do Infinito é uma espantosa combinação do tema da viagem no tempo — uma obsessão de Nolan, vide Amnésia (2001), A Origem (2010), Interestelar (2014), Dunkirk (2017) e Tenet (2019) — com a técnica do plano-sequência, como a empregada por Mendes em 1917 (2019). Praticamente toda a história se passa dentro de um café na cidade de Kyoto, com algumas subidas para um apartamento e uma sala comercial. Por meio dos dois monitores, os personagens interagem com suas versões de dois minutos à frente no tempo. Consequentemente, também interagem com suas versões de dois minutos atrás no tempo. Ou seja, estão no presente, no futuro e no passado simultaneamente! E tudo isso é mostrado em um único plano-sequência, filmado com um celular, como os créditos finais revelam.

Get the Hell Out (Taiwan, 2020)

Fantaspoa / Divulgação
Megan Lai e Bruce Hung (ao centro) em "Get the Hell Out"

Dentro de sua proposta — a de fazer comédia com zumbis e com políticos —, o filme do taiwanês I-Fang Wang é uma delícia hipercalórica. Bruce Hung encarna Wang, segurança do parlamento do país asiático que é alçado à condição de deputado após um incidente envolvendo a legisladora Hsiung (Megan Lai). Mas isso a gente só descobre depois de um início alucinante em que Wang e Hsiung precisam enfrentar uma horda de mortos e vivos em pleno plenário. Se você estiver no clima, pode dar boas risadas com a edição ágil, a ação exagerada, a pegada satírica (que inclui momentos de karaokê, game e até de merchandising), os apelidos dos personagens (como Nariz Sangrando, Parlamentar Gângster e Jardineiro Feroz) e algumas tiradas preciosas — como o que um sujeito diz a uma mulher solteirona que está com câncer: "Pelo menos você não tem família. Ninguém vai ficar triste!".

O Grande Salto (Irã, 2021)

Fantaspoa / Divulgação
Pegah Ahangarani em "O Grande Salto"

Prova do prestígio adquirido ao longo de quase duas décadas, o Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre promove as primeiras exibições internacionais de novo filmes e a estreia mundial de três títulos estrangeiros: os norte-americanos Mister Limbo (leia mais logo abaixo) e Este Jogo se Chama Assassinato e o iraniano O Grande Salto, escrito e dirigido por Karim Lakzadeh. Merece vários adjetivos, alguns até antagônicos: lindo, triste (raras vezes um "Eu te amo" provocará tamanho choque), gracioso, filosófico, aventureiro, metafórico, político. Na trama, uma mulher recebe a notícia de que seu filho, dado como morto, está vivo. Então, ela parte em uma jornada pelo país, na companhia do cunhado e de três excêntricos artistas de circo. 

História do Oculto (Argentina, 2020)

Fantaspoa / Divulgação
Casper Uncal em "História do Oculto"

Ambientada em 1987 e filmada em preto e branco, a trama de Cristian Ponce envolve o espectador ao acompanhar os bastidores de um programa de TV fictício, o 60 Minutos Antes da Meia-Noite. O apresentador (vivido por Héctor Ostrofsky) vai receber três convidados: um senador, um sociólogo e um grande empresário, Adrián Marcato (Germán Baudino, ótimo no papel), que pode fazer uma revelação chocante: o presidente argentino estaria vinculado a uma seita satanista. Enquanto isso, a equipe de produção torce para que Marcato abandone o discurso evasivo ("Isso eu posso responder mais tarde") e enfrenta imprevistos, ameaças e o sobrenatural. 

Como de hábito no Fantaspoa, História do Oculto não se prende a um só gênero. O horror divide espaço com o comentário político (as instáveis democracias latino-americanas estão sempre sob o risco de um golpe, a imprensa investigativa e a oposição estão sempre cerceadas) e a sátira — há um impagável comercial que vende como paraíso turístico e "orgulho nacional" as Ilhas Malvinas, palco de um conflito armado, em 1982, entre a Argentina e o Reino Unido, que então voltou a ter soberania sobre o arquipélago (chamado pelos ingleses de Falklands).

Jumbo (Bélgica/França/Luxemburgo, 2020)

Rezo Films/O'Brother Distribution / Divulgação
Noémie Merlant em "Jumbo"

Esqueça Romeu e Julieta ou os relacionamentos de Ryan Gosling com uma boneca inflável (A Garota Ideal, 2007) e de Joaquin Phoenix com uma assistente virtual de computador (Ela, 2013). O mais proibido, insólito e bonito romance é de Jumbo, filme escrito e dirigido pela belga Zoé Wittock e estrelado pela francesa Noémie Merlant (a pintora de Retrato de uma Jovem em Chamas). A atriz interpreta Jeanne, uma garota bastante introvertida que mora com a mãe bastante extrovertida e que trabalha na manutenção de um parque de diversões. Lá, Jeanne vai se apaixonar por um recém-chegado — o Jumbo do título. Quem é ele? Descubra assistindo a esta história contada com muita sensibilidade, com cenas em que o excêntrico convive com o poético e uma mensagem tão fofinha quanto poderosa sobre a liberdade de amar. 

Nas Sombras (Turquia, 2020)

Fantaspoa / Divulgação
Numan Acar em "Nas Sombras"

Ator que interpretou Haissan Haqqani em 13 episódios da série norte-americana Homeland (2014-2020) e que foi visto também como o Hakim de Aladdin (2019), Numan Acar é o protagonista desta distopia à la 1984, de George Orwell. Com roteiro e direção do turco Erdem Tepegoz, o filme se passa quase todo o tempo dentro de uma fábrica terrivelmente primitiva, onde os empregados são controlados por um sistema de vigilância onipresente. A certa altura, o personagem de Acar começa a ter dúvidas e questionar o status quo. Dos cenários aos figurinos, passando pela direção de fotografia e pelos efeitos sonoros, o trabalho técnico é impecável na criação de uma atmosfera de opressão e perigo.

Rabo de Cavalo (Índia)

Fantaspoa / Divulgação
Kalaiyarasan em "Rabo de Cavalo"

O longa-metragem de estreia do roteirista G. Rajesh e dos diretores Manoj Leonel Jason e Shyam Sunder é um desafio e tanto para o espectador acostumado a tramas mais mastigadinhas. A sinopse já avisa: "Um bancário alcoólatra tem de resolver um mistério: por que certo dia ele acordou com um rabo de cavalo? Na tentativa de descobrir, embarca em uma viagem por sonhos, ilusões e memórias, encontrando diversos personagens enigmáticos e peculiares". Eu tive de assistir duas vezes a Rabo de Cavalo, e mesmo assim não consegui amarrar todos os fios (trocadilho intencional), que envolvem desde um protagonista que se apresenta como Freud a um matemático que cita Lacan. Mas fiz algumas reflexões nesta coluna aqui.

A Risada (Canadá, 2020)

Fantaspoa / Divulgação
Léane Labrèche-Dor em "A Risada"

O filme do diretor e roteirista canadense Martin Laroche surpreende desde a abertura, pois é estranho uma obra chamada A Risada começar com uma cena de dor e de morte. Logo depois, vemos um número de dança. E, na sequência, acontece um massacre durante uma fictícia guerra civil no Canadá. O que emerge, literalmente, da cova é uma atuação fabulosa da atriz Léane Labrèche-Dor (preste atenção, por exemplo, no monólogo do mosquito) e uma história robusta e surreal sobre como encarar a vida.

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