Acaba neste domingo o 17º Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa. Para ajudar a turma que só dispõe mesmo do fim de semana para assistir a filmes, vou reforçar aqui o convite para que façam um cadastro gratuito na plataforma de streaming Wurlak e vejam estes 10 títulos listados abaixo.
São os meus preferidos entre as três dezenas de longas-metragens que já conferi. Ainda quero/vou assistir a dois argentinos (Noturna e Desvida), um brasileiro (Menáge), um dinamarquês (Vítima do Amor), um norte-americano (Este Jogo se Chama Assassinato), um polonês (Mate-o e Deixe Esta Cidade) e um tcheco (Playdurizm). Mas creio que nenhum dos 10 filmes abaixo vá perder seu lugar no meu coração e na minha memória.
O bacana é que dá para fazer uma volta ao mundo, passando por quase todos os continentes e sem repetir país. As obras estão em ordem alfabética. Para saber mais sobre algumas delas, clique nos links. E peço desculpas antecipadas se acontecer de algum filme não estar mais disponível: há um limite de 3 mil visualizações.
A Cabeleireira (EUA, 2020)
A cena de abertura do filme dirigido e coescrito por Jill Gevarzigian mostra a perturbada personagem com quem estamos lidando: de dia, Claire corta cabelos; à noite, cabeças. A Cabeleireira é uma afinada parceria entre a cineasta e a atriz Najarra Towsend. As duas conseguem andar com elegância numa delicada e arriscada corda bamba: não endossam a assassina serial, não justificam seus atos, mas permitem que Claire seja uma personagem com mais camadas. E, com toda calma do mundo, mas jamais cansando o espectador, Gevarzigian conduz a trama para um final arrasador. Daqueles que ficam, grudam na cabeça.
A Dark, Dark Man (Cazaquistão, 2019)
Se você acha que as comédias do Borat distorcem demais a realidade do Cazaquistão, vale a pena conferir este filme policial produzido no próprio país da Ásia Central, com direção de Adilkhan Yerzhanov. A placidez das paisagens ao fundo e o ritmo contemplativo da trama contrastam com personagens corruptos e violentos — como o próprio protagonista de A Dark, Dark Man, um detetive que deveria só tratar da papelada em um caso de estupro e assassinato de um menino, mas que acaba (por resquício ético ou interesse romântico, que seja) comprando briga com os mandachuvas da cidadezinha.
Dois Minutos Além do Infinito (Japão, 2020)
Há um filme amador japonês no Fantaspoa capaz de fazer cineastas renomados, como Christopher Nolan e Sam Mendes, chorarem no cantinho. Dirigido pelo estreante Junta Yamaguchi, escrito por Makoto Ueda e estrelado pelo grupo teatral Europe Kikaku, Dois Minutos Além do Infinito é uma espantosa combinação do tema da viagem no tempo — uma obsessão de Nolan, vide Amnésia (2001), A Origem (2010), Interestelar (2014), Dunkirk (2017) e Tenet (2019) — com a técnica do plano-sequência, como a empregada por Mendes em 1917 (2019). Praticamente toda a história se passa dentro de um café na cidade de Kyoto, com algumas subidas para um apartamento e uma sala comercial. Por meio dos dois monitores, os personagens interagem com suas versões de dois minutos à frente no tempo. Consequentemente, também interagem com suas versões de dois minutos atrás no tempo. Ou seja, estão no presente, no futuro e no passado simultaneamente! E tudo isso é mostrado em um único plano-sequência, filmado com um celular, como os créditos finais revelam.
Get the Hell Out (Taiwan, 2020)
Dentro de sua proposta — a de fazer comédia com zumbis e com políticos —, o filme do taiwanês I-Fang Wang é uma delícia hipercalórica. Bruce Hung encarna Wang, segurança do parlamento do país asiático que é alçado à condição de deputado após um incidente envolvendo a legisladora Hsiung (Megan Lai). Mas isso a gente só descobre depois de um início alucinante em que Wang e Hsiung precisam enfrentar uma horda de mortos e vivos em pleno plenário. Se você estiver no clima, pode dar boas risadas com a edição ágil, a ação exagerada, a pegada satírica (que inclui momentos de karaokê, game e até de merchandising), os apelidos dos personagens (como Nariz Sangrando, Parlamentar Gângster e Jardineiro Feroz) e algumas tiradas preciosas — como o que um sujeito diz a uma mulher solteirona que está com câncer: "Pelo menos você não tem família. Ninguém vai ficar triste!".
O Grande Salto (Irã, 2021)
Prova do prestígio adquirido ao longo de quase duas décadas, o Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre promove as primeiras exibições internacionais de novo filmes e a estreia mundial de três títulos estrangeiros: os norte-americanos Mister Limbo (leia mais logo abaixo) e Este Jogo se Chama Assassinato e o iraniano O Grande Salto, escrito e dirigido por Karim Lakzadeh. Merece vários adjetivos, alguns até antagônicos: lindo, triste (raras vezes um "Eu te amo" provocará tamanho choque), gracioso, filosófico, aventureiro, metafórico, político. Na trama, uma mulher recebe a notícia de que seu filho, dado como morto, está vivo. Então, ela parte em uma jornada pelo país, na companhia do cunhado e de três excêntricos artistas de circo.
História do Oculto (Argentina, 2020)
Ambientada em 1987 e filmada em preto e branco, a trama de Cristian Ponce envolve o espectador ao acompanhar os bastidores de um programa de TV fictício, o 60 Minutos Antes da Meia-Noite. O apresentador (vivido por Héctor Ostrofsky) vai receber três convidados: um senador, um sociólogo e um grande empresário, Adrián Marcato (Germán Baudino, ótimo no papel), que pode fazer uma revelação chocante: o presidente argentino estaria vinculado a uma seita satanista. Enquanto isso, a equipe de produção torce para que Marcato abandone o discurso evasivo ("Isso eu posso responder mais tarde") e enfrenta imprevistos, ameaças e o sobrenatural.
Como de hábito no Fantaspoa, História do Oculto não se prende a um só gênero. O horror divide espaço com o comentário político (as instáveis democracias latino-americanas estão sempre sob o risco de um golpe, a imprensa investigativa e a oposição estão sempre cerceadas) e a sátira — há um impagável comercial que vende como paraíso turístico e "orgulho nacional" as Ilhas Malvinas, palco de um conflito armado, em 1982, entre a Argentina e o Reino Unido, que então voltou a ter soberania sobre o arquipélago (chamado pelos ingleses de Falklands).
Jumbo (Bélgica/França/Luxemburgo, 2020)
Esqueça Romeu e Julieta ou os relacionamentos de Ryan Gosling com uma boneca inflável (A Garota Ideal, 2007) e de Joaquin Phoenix com uma assistente virtual de computador (Ela, 2013). O mais proibido, insólito e bonito romance é de Jumbo, filme escrito e dirigido pela belga Zoé Wittock e estrelado pela francesa Noémie Merlant (a pintora de Retrato de uma Jovem em Chamas). A atriz interpreta Jeanne, uma garota bastante introvertida que mora com a mãe bastante extrovertida e que trabalha na manutenção de um parque de diversões. Lá, Jeanne vai se apaixonar por um recém-chegado — o Jumbo do título. Quem é ele? Descubra assistindo a esta história contada com muita sensibilidade, com cenas em que o excêntrico convive com o poético e uma mensagem tão fofinha quanto poderosa sobre a liberdade de amar.
Nas Sombras (Turquia, 2020)
Ator que interpretou Haissan Haqqani em 13 episódios da série norte-americana Homeland (2014-2020) e que foi visto também como o Hakim de Aladdin (2019), Numan Acar é o protagonista desta distopia à la 1984, de George Orwell. Com roteiro e direção do turco Erdem Tepegoz, o filme se passa quase todo o tempo dentro de uma fábrica terrivelmente primitiva, onde os empregados são controlados por um sistema de vigilância onipresente. A certa altura, o personagem de Acar começa a ter dúvidas e questionar o status quo. Dos cenários aos figurinos, passando pela direção de fotografia e pelos efeitos sonoros, o trabalho técnico é impecável na criação de uma atmosfera de opressão e perigo.
Rabo de Cavalo (Índia)
O longa-metragem de estreia do roteirista G. Rajesh e dos diretores Manoj Leonel Jason e Shyam Sunder é um desafio e tanto para o espectador acostumado a tramas mais mastigadinhas. A sinopse já avisa: "Um bancário alcoólatra tem de resolver um mistério: por que certo dia ele acordou com um rabo de cavalo? Na tentativa de descobrir, embarca em uma viagem por sonhos, ilusões e memórias, encontrando diversos personagens enigmáticos e peculiares". Eu tive de assistir duas vezes a Rabo de Cavalo, e mesmo assim não consegui amarrar todos os fios (trocadilho intencional), que envolvem desde um protagonista que se apresenta como Freud a um matemático que cita Lacan. Mas fiz algumas reflexões nesta coluna aqui.
A Risada (Canadá, 2020)
O filme do diretor e roteirista canadense Martin Laroche surpreende desde a abertura, pois é estranho uma obra chamada A Risada começar com uma cena de dor e de morte. Logo depois, vemos um número de dança. E, na sequência, acontece um massacre durante uma fictícia guerra civil no Canadá. O que emerge, literalmente, da cova é uma atuação fabulosa da atriz Léane Labrèche-Dor (preste atenção, por exemplo, no monólogo do mosquito) e uma história robusta e surreal sobre como encarar a vida.