Filmes de zumbis, como #Alive, que a Netflix lançou faz pouco, geralmente vão além dos sustos e do sangue. Os personagens se prestam a metáforas sobre a época em que foram gestados, vide a obra do cineasta George A. Romero. A Noite dos Mortos-Vivos (1968) é uma alegoria política sobre as minorias vítimas de intolerância e preconceito nos Estados Unidos. Em O Despertar dos Mortos (1978), o diretor criticou o consumismo, e em Dia dos Mortos (1985), o militarismo da Era Reagan. Terra dos Mortos (2005), por sua vez, simbolizou a desigualdade social, tanto no âmbito das cidades quanto na geopolítica mundial.
#Alive (#Saraitda, 2020) é, digamos, o filme certo na hora certa. No contexto da pandemia de coronavírus, reflete temas como o medo de ser contaminado, o isolamento, a proteção aos entes queridos, a ética das estratégias de sobrevivência, o poder das redes sociais, a necessidade de cooperação, aquilo que nos mantêm agarrados à existência e a esperança por uma cura.
O filme é da Coreia do Sul, que já tem algum prestigio em mortos-vivos. Veio de lá o excelente longa-metragem Invasão Zumbi (2016), de Yeon Sang-ho, em que as criaturas que se multiplicam em um trem para Busan nos lembram: a qualquer momento, as circunstâncias (políticas, econômicas, sanitárias etc) podem tornar irreconhecíveis as pessoas ao nosso redor. Estão sempre em xeque os laços sociais e afetivos que nos dão identidade e segurança. Invasão Zumbi também pode ser visto na Netflix, assim como as duas temporadas do seriado medieval Kingdom (2019-2020), sobre um príncipe herdeiro encarregado de investigar uma misteriosa praga que assola o país.
Com direção do estreante Cho Il-hyung, #Alive conta com dois jovens e carismáticos atores nos papéis principais: Yoo Ah-in, do filme Em Chamas, e Park Shin-hye, da série Memórias de Alhambra. Ele interpreta Oh Joon-woo, que logo no começo da história vê-se sozinho e isolado no apartamento onde sua família mora. Lá fora – na verdade, a sua porta –, um vírus está se alastrando rapidamente, transformando todos em zumbis. Esses mortos-vivos guardam algumas semelhanças com os habituais, como a fome incontrolável por carne humana e a incapacidade de comunicação, mas também apresentam características novas. Uma delas, que será muito bem explorada pelo roteiro, é a memória profissional: as criaturas lembram de suas atividades cotidianas, o corpo de um bombeiro, por exemplo, não esquece como escalar um prédio.
Oh Joon-woo, importante frisar, é um nativo digital – um gamer, mais precisamente. Se por um lado o tempo dispendido em frente às telas cobra um preço, por outro sua familiaridade com tecnologia, drones e ambientes virtuais vai se revelar uma arma preciosa para sobreviver aos zumbis e buscar socorro.
Kim Yoo-bin, a personagem da atriz Park Shin-hye, é uma vizinha que surge em um momento-chave do filme. Aliás, como a reforçar a identificação do espectador em distanciamento social com as situações do trama, #Alive aposta em um elenco enxuto e em cenas com um, dois ou no máximo três personagens (sem contar os figurantes, claro). Os cenários também são mínimos: basicamente, o edifício do protagonista, o da frente e a área comum entre os dois prédios.
Essas restrições emprestam um clima de sufocamento a uma obra que é tensa desde o primeiro instante – mal começa e Oh Joon-woo abre a janela para observar o caos instalado lá embaixo. Daí em diante, o filme vai alternando a ação com a angústia, com respiros nos quais somos convidados a espelhar o mundo do coronavírus no mundo dos zumbis, torcendo para que o #Alive do título se transforme em #Alívio.