Salvo quando há representantes do Brasil, as categorias de curta-metragem do Oscar não costumam receber atenção do público nacional. Com a valorização do streaming diante da pandemia de coronavírus, a temporada 2021 convida à mudança de hábito.
Num intervalo de tempo bem menor do que um épico tipo O Poderoso Chefão, dá para assistir a oito dos 15 concorrentes deste ano (são cinco ficções, cinco documentários e cinco animações). Pelo menos três deles são imperdíveis.
Um dos destaques da categoria de ficção é Dois Estranhos (Two Distant Strangers, 30 minutos), de Travon Free e Martin Desmond Roe. Ambientada em Nova York, a história do desenhista de quadrinhos Carter (Joey Badass) é um Feitiço do Tempo (1993) para a era George Floyd. Ou Breonna Taylor. Ou Eric Garner. Ou outros tantos homens e mulheres negros dos Estados Unidos mortos por policiais brancos. Preste atenção a situações e falas nas cenas de violência e no formato de uma poça de sangue: são detalhes que dão contundência ao filme em cartaz na Netflix.
O encontro de dois estranhos em Nova York também é retratado em Feeling Through (18 minutos), ficção de Doug Roland que chega ao Oscar cheio de prêmios prévios — apesar de ser bastante previsível e piegas. Disponível pelo canal Omeleto no YouTube, mostra a aproximação entre um jovem negro (Steven Prescod) e um homem cego e surdo (Robert Tarango, que é cego e surdo).
Em cartaz na Netflix, o documentário Uma Canção para Latasha (A Love Song for Latasha, 19 minutos) é tristemente aparentado a Dois Estranhos. A diretora Sophia Nahli Allisson reconstitui de forma poética, com dramatizações e animações, a vida de Latasha Harlins, adolescente negra de 15 anos assassinada pela dona de um mercadinho em Los Angeles, em 1991. O desfecho jurídico do caso foi um dos estopins para protestos e conflitos de cunho racial que marcaram a cidade em 1992. O filme, no entanto, não foca na morte da garota, mas sim nos seus sonhos e na sua relação com a sociedade — o que torna ainda mais doloroso ouvir as memórias narradas por uma prima e pela melhor amiga de Latasha.
Ainda entre os documentários, estão em cartaz Colette (25 minutos), Do Not Split (35 minutos) e A Concerto Is a Conversation (13 minutos). Este último, assinado por Kris Bowers e Ben Proudfoot, eu ainda não assisti, mas pode ser acessado no canal do jornal The New York Times no YouTube. É centrado nas conversas de Bowers, compositor da trilha sonora do famigerado filme Green Book (2018), com seu avô, Horace, também pianista, sobre família, música e racismo.
O primeiro, dirigido por Anthony Giacchino, acompanha uma ex-integrante da Resistência Francesa em sua viagem, 74 anos depois da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha, onde visita o campo de concentração em que seu irmão foi morto pelos nazistas. Pode ser visto no canal do jornal britânico The Guardian no YouTube.
Do Not Split, de Anders Hammer, é sobre as manifestações de Hong Kong entre 2019 e 2020, motivadas por um projeto de lei que colocaria sob risco de extradição para a China cidadãos e estrangeiros que vivem no território autônomo. Assista no YouTube.
Por fim, temos duas animações. Toca (Burrow, 6 minutos), de Madeline Sharafian, tem o selo de qualidade da Pixar e pode ser visto no Disney+. Mas o curta realmente imperdível, o desenho capaz de fazer chorar aos borbotões, é Se Algo Acontecer... Te Amo (If Anything Happens I Love You, 12 minutos). Os diretores Will McCormack e Michael Govier começa mostrando um casal separado dentro da própria casa. Aos poucos, graças a um inteligente e emotivo jogo de sombras, vamos entendendo o que os levou àquela condição e o profundo sentido do título. Assista, AGORA, na Netflix.