Estamos fechando neste sábado, 10 de abril, cem dias no ano. A data redonda convida a fazer a primeira parcial dos melhores filmes de 2021.
A regra é clara: só valem títulos que foram lançados no Brasil em 2021. Portanto, não são elegíveis algumas obras que concorrem ao Oscar — ou porque chegaram ao nosso país na temporada passada (casos de Mank, Professor Polvo, Os 7 de Chicago, O Som do Silêncio e A Voz Suprema do Blues, por exemplo), ou porque ainda não estrearam (situação de Bela Vingança, Minari e Nomadland).
Dito isso, aqui estão meus 10 melhores filmes do ano, em ordem decrescente de preferência. Quase todos estão disponíveis em plataformas de streaming, como Amazon Prime Video, Globoplay e Netflix, ou podem ser vistos durante a 17ª edição do Fantaspoa, o Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, que vai até o dia 18 de abril (e que talvez complicasse a tarefa se eu já tivesse assistido a mais títulos, como A Cabeleireira ou Rabo de Cavalo). Para saber mais sobre as obras, clique nos links.
Menção honrosa: Host
Assinado pelo britânico Rob Savage, Host é um filme de terror que, literalmente, capta o espírito de seu tempo. Um grupo de amigas em distanciamento social, oscilando entre o tédio e a ansiedade, resolve apimentar suas reuniões via Zoom — e a história toda é contada como se estivéssemos vendo uma reunião no Zoom. O algo novo a que se propõem é uma sessão espírita virtual, que acaba virando uma roubada. (Netflix)
10º) Cabras da Peste
Trata-se de uma paródia muito brasileira de uma tradição hollywoodiana, a das duplas policiais improváveis, formadas pelo acaso ou pelo azar e destinadas ao conflito ou à trapalhada. Pense em franquias como Um Tira da Pesada, Máquina Mortífera ou A Hora do Rush. Tem de todas um tanto em Cabras da Peste. Os tiras de temperamentos opostos reunidos pelo diretor Vitor Brandt são o cearense Bruceuílis Nonato (Edmilson Filho) e o paulistano Trindade (Matheus Nachtergaele). O sequestro da cabra Celestina é a deixa para o primeiro viajar da minúscula — e fictícia — Guaramobim para São Paulo. (Netflix)
9º) A Dark, Dark Man
Se você acha que as comédias do Borat distorcem demais a realidade do Cazaquistão, vale a pena conferir este filme policial produzido no próprio país da Ásia Central, com direção de Adilkhan Yerzhanov. A placidez das paisagens ao fundo e o ritmo contemplativo da trama contrastam com personagens corruptos e violentos — como o próprio protagonista de A Dark, Dark Man, um detetive que deveria só tratar da papelada em um caso de estupro e assassinato de um menino, mas que acaba (por resquício ético ou interesse romântico, que seja) comprando briga com os mandas-chuvas da cidadezinha. (Em cartaz no Fantaspoa)
8º) Uma Noite em Miami
Indicado a três categorias do Oscar (incluindo o de roteiro adaptado), o filme dirigido pela atriz norte-americana Regina King imagina o que aconteceu e foi falado no encontro, em 1964, de quatro ícones do movimento negro nos Estados Unidos: o líder político e religioso Malcolm X, o boxeador Cassius Clay, às vésperas de se converter ao islamismo e mudar o nome para Muhammad Ali, o cantor, compositor e empresário Sam Cooke (Leslie Odom Jr., concorrente ao troféu de melhor ator coadjuvante) e o jogador de futebol americano Jim Brown, que estava estreando como ator em Hollywood. (Amazon Prime Video)
7º) O Tigre Branco
Indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado, o filme do norte-americano de família iraniana Ramin Bahrani foi apontado por alguns críticos (incluindo eu) como "o Parasita de 2021". De fato, há semelhanças. Ambos são ambientados na Ásia, Parasita na Coreia do Sul e O Tigre Branco na Índia, ambos retratam o abismo profundo entre os ricos e os pobres e ambos mostram personagens ambíguos agarrando uma rara chance de ascensão com todos os dentes e sem pudores. (Netflix)
6º) Judas e o Messias Negro
Como o título indica, o diretor norte-americano Shaka King retrata uma traição em Judas e o Messias Negro — que disputa seis Oscar, incluindo o de melhor filme. No final dos anos 1960, William O'Neal (Lakeith Stanfield, indicado como ator coadjuvante), um ladrão de carros, é coagido pelo FBI para se infiltrar nos Panteras Negras e se tornar um informante sobre as ações do líder do partido em Chicago, Fred Hampton (Daniel Kaluuya, concorrente ao mesmo prêmio do colega de elenco) — cujos ideais continuam extremamente pertinentes. (Em cartaz nos cinemas, nos Estados onde as salas seguem operando, e sem previsão de estreia no streaming)
5º) A Risada
O filme do diretor e roteirista canadense Martin Laroche surpreende desde a abertura, pois é estranho uma obra chamada A Risada começar com uma cena de dor e de morte. Logo depois, vemos um número de dança. E, na sequência, acontece um massacre durante uma fictícia guerra civil no Canadá. O que emerge, literalmente, da cova é uma atuação fabulosa da atriz Léane Labrèche-Dor (preste atenção, por exemplo, no monólogo do mosquito) e história surreal e poderosa sobre como encarar a vida. (Em cartaz no Fantaspoa)
4º) Agente Duplo
Agente Duplo é um filme chileno que começa como comédia, vira policial e termina com uma denúncia. Na briga pelo Oscar de melhor documentário, a diretora Maite Alberdi acompanha as desventuras de um vovô de 80 e poucos anos que é contratado para ser espião em um lar para idosos. O objetivo é descobrir se uma senhora está sendo vítima de maus-tratos. Mas o sujeito descobre algo mais triste e tocante. (Globoplay)
3º) Druk: Mais uma Rodada
Nesta comédia dramática dinamarquesa indicada aos Oscar de melhor direção (Thomas Vinterberg) e filme internacional, quatro professores de colégio em crise de meia-idade resolvem testar uma teoria: a de que nascemos com falta de álcool no organismo. Assim, Martin (o ótimo ator Mads Mikkelsen) e seus amigos passam a beber logo no início do dia. O filme não é moralista nem faz apologia: mostra as consequências positivas na vida dos personagens e também as negativas. (Apple TV, Now, Google Play e YouTube)
2º) O Grande Salto
Prova do prestígio adquirido ao longo de quase duas décadas, o Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre promove as primeiras exibições internacionais de novo filmes e a estreia mundial de três títulos estrangeiros. Entre esses últimos, está O Grande Salto, escrito e dirigido pelo iraniano Karim Lakzadeh. Merece vários adjetivos, alguns até antagônicos: lindo, triste (raras vezes um "Eu te amo" provocará tamanho choque), gracioso, filosófico, aventureiro, metafórico, político. Na trama, uma mulher recebe a notícia de que seu filho, dado como morto, está vivo. Então, ela parte em uma jornada pelo país, na companhia do cunhado e de três excêntricos artistas de circo. (Em cartaz no Fantaspoa)
1º) Meu Pai
À primeira vista, a estreia do dramaturgo e romancista francês Florian Zeller pode causar sensação de déjà vu: mais um filme sobre como perda da memória, demência, Alzheimer etc afetam os relacionamentos familiares e/ou amorosos. À primeira vista, o protagonista, o octogenário Anthony (interpretado por Anthony Hopkins), acha que sua filha, Anne (Olivia Colman), está o abandonando em Londres para ir morar em Paris com um homem que conheceu há pouco tempo. À primeira vista, o espectador acha que entende o que está acontecendo e aonde isso vai dar.
Mas daí Anthony surpreende-se com a presença de um sujeito lendo o jornal na sala de seu belo apartamento, e depois o personagem não reconhece mais a filha — nem nós reconhecemos, pois é a atriz Olivia Williams quem surge como Anne. É então que Meu Pai começa a se mostrar um filme sobre memória, demência, Alzheimer etc diferente de todos os que já havíamos visto, é então que Meu Pai começa a justificar as seis indicações ao Oscar: melhor filme, ator, roteiro adaptado, atriz coadjuvante, edição e design de produção. (Apple TV, Now e Google Play)