Sabe quando você se apaixona por um filme e depois fica torcendo para que a obra ganhe todo o reconhecimento possível? Aconteceu comigo e com O Som do Silêncio (em cartaz no Amazon Prime Video), que na segunda-feira (15) recebeu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood seis indicações ao Oscar. Em 25 de abril, disputa as estatuetas de melhor filme, ator (Riz Ahmed), roteiro original, ator coadjuvante (Paul Raci), edição e som.
São mesmo as seis categorias nas quais o filme, também indicado ao prêmio da Associação dos Produtores dos Estados Unidos, mais se destaca. Ahmed, por exemplo, 38 anos, ganhou o Gotham Awards (destinada a produções com orçamento de até US$ 35 milhões), concorreu no Globo de Ouro e briga pelo Bafta (o equivalente britânico do Oscar) e pelo SAG (do Sindicato dos Atores) — seu maior rival é Chadwick Boseman, indicado postumamente por A Voz Suprema do Blues. O script, assinado pelo diretor Darius Marder , com seu irmão, Abraham Marder, e com o cineasta Derek Cianfrance, está na premiação do Sindicato dos Roteiristas, assim como a montagem de Mikkel E.G. Nielsen está na da Associação dos Editores. Os eleitores do Bafta também indicaram a atuação de Raci, a edição e o fabuloso trabalho de som (falaremos sobre isso mais adiante).
O conflito de O Som do Silêncio é, por si só, sedutor. Ruben, o baterista de uma dupla de punk metal formada com sua namorada, a cantora Lou, descobre que está perdendo a audição. Se continuar se expondo a ruídos como os de um show de rock, ficará totalmente surdo.
Ou seja: de repente, o protagonista encarnado com sensibilidade e sutilezas por Riz Ahmed (vencedor do Emmy pela minissérie The Night Of, coadjuvante em filmes como O Abutre e Star Wars: Rogue One e primeiro muçulmano concorrente ao Oscar de melhor ator) vê-se ameaçado de perder não apenas o seu sustento, mas aquilo que ama — a música e Lou (papel de Olivia Cooke, a Emma Decody do seriado Bates Motel). A solução médica, um implante coclear, custa um dinheiro que o baterista não tem.
Estreante na ficção, o diretor Darius Marder não demora a acrescentar um agravante: a surdez pode culminar em uma recaída de Ruben, longe da heroína há quatro anos — o mesmo tempo de seu relacionamento amoroso.
Entregues a um cineasta de mão pesada, todos esses elementos poderiam fazer de O Som do Silêncio um filme sentimentaloide e manipulativo, daqueles que usam de golpes baixos e música alta para nos emocionar. Daqueles que investem no exagero das interpretações e nas soluções milagrosas da trama. Nada disso. Tudo é comedido e cerebral — mas não frio nem asséptico — neste drama originado de uma história escrita por Derek Cianfrance, diretor do belíssimo O Lugar Onde Tudo Termina (2012). Há muita naturalidade e autenticidade, graças ao elenco cheio de pessoas surdas. Sem resvalar para a vaidade nem apelar para filtros de fotografia e quetais, Marder fez um dos filmes mais bonitos dos últimos anos.
O Som do Silêncio não prescinde do som do choro. Os personagens de Ahmed e Olivia lacrimejam e soluçam quando precisam se separar para que Ruben se interne em uma comunidade composta exclusivamente por pessoas com deficiência auditiva que são dependentes químicas. O objetivo é duplo: aprender a ser surdo e se manter afastado das drogas. O líder do retiro é veterano da Guerra do Vietnã, Joe (Paul Raci, ele próprio filho de surdos, ex-soldado no conflito do Sudeste Asiático e com histórico de adicto), compreensivo mas extremamente fiel a seus princípios.
Marder conduz a jornada de transformação do protagonista sem atropelos e sem recorrer a clichês. Pelo contrário. Nunca sabemos bem o que vem pela frente, e nesse sentido a condição do espectador acaba espelhando a de Ruben, subitamente perdido em um mundo mudo para ele, despreparado para a linguagem dos sinais, aflito por não ouvir a própria fala. Aí entra a inteligente edição de som do filme, que ora suprime vozes, ora simula a estática, ora assume o ponto de vista do personagem, ora aponta ao que ele está alheio.
O efeito sonoro é sempre surpreendente, mas também imersivo: o diretor quer despertar na gente a empatia pela população ensurdecida. Não para sentir, digamos, pena — este, repito, não é um filme apelativo. Como Joe vai ensinar ao personagem principal, o surdo não se vê como um deficiente, alguém para ser "consertado". Seus companheiros de retiro e os alunos de uma escola infantil são completos e felizes a seu modo.
Há uma cena que ilustra bem a proposta de O Som do Silêncio, conferindo um duplo sentido ao título original, Sound of Metal — que, à primeira vista, pode parecer apenas uma referência ao estilo musical do baterista. Sentado na borda de um escorregador de metal, Ruben sente a vibração provocada por um menino no topo do brinquedo. Aí, usando de seus talentos artísticos, o protagonista passa a batucar com as mãos, devolvendo a vibração, se conectando e se comunicando com a criança, se permitindo um raro sorriso.
Raro porque Ruben é inábil para construir seu momento de quietude, como Joe o aconselha, para escutar o som do silêncio, como sugere o título brasileiro. Em guerra com suas expectativas, o protagonista sofre para encontrar a paz interior. Surdo aos outros, esquece que, às vezes, a voz mais importante a ser ouvida é a própria, o diálogo mais importante a ser travado é consigo mesmo.