Os indicados ao Oscar serão divulgados na segunda-feira (15), mas já dá para desenhar a competição em quase todas as categorias laureadas pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Para chegar aos concorrentes da festa marcada para 25 de abril, usei de tudo um pouco. Consultei as apostas da centenária revista norte-americana Variety e do site IndieWire, atualizadas praticamente a cada dia, e até esfreguei a bola de cristal, torcendo por alguns títulos e alguns nomes (a propósito, não vislumbrei chance para Bacurau). A base foram os filmes já assistidos, e os ingredientes mais importantes, as premiações prévias. Desde o Globo de Ouro, dos jornalistas estrangeiros, e o Critics' Choice, realizado pela imprensa norte-americana no último domingo, aos troféus da Associação dos Produtores dos Estados Unidos (PGA), do Sindicato dos Diretores (DGA) e do Bafta (o Oscar britânico), cujas indicações foram reveladas entre segunda e quarta, passando pelo SAG Awards, concedido pelos atores e pelas atrizes, o maior colegiado na Academia de Hollywood: com 1.324 membros, representam 15,5% do total de 8,5 mil votantes.
Dito isso, aqui estão as minhas previsões. Podem me cobrar depois. E cliquem nos links se quiserem saber mais sobre as obras citadas.
Melhor filme
Além de ser presença certa, Nomadland desponta como favorito a conquistar o Oscar de melhor filme. Já tem no currículo o Leão de Ouro no Festival de Veneza, o Gotham Awards (para produções com orçamento de até US$ 35 milhões), o Globo de Ouro na categoria drama e o Critics' Choice. Também está concorrendo ao troféu da Associação dos Produtores (cujo vencedor, vale lembrar, coincidiu com o Oscar em 21 das últimas 31 edições) e ao Bafta.
Outros quatro títulos podem se considerar seguros, por figurarem tanto na lista do PGA Awards quanto na do SAG Awards: Minari, Os 7 de Chicago, Uma Noite em Miami e A Voz Suprema do Blues. Bela Vingança, indicado pelos Produtores, pelos Diretores e no Bafta, também tem vaga "confirmada".
Como o Oscar de melhor filme permite até 10 concorrentes, há quatro vagas em aberto. Mank, por tratar da própria Hollywood, me parece garantido. Acho que Judas e o Messias Negro, indicado no PGA Awards, vai se impor, por conta da força que o tema do racismo assumiu no ano do caso George Floyd. É o que poderia dar esperança a Destacamento Blood, mas duvido. Como de costume, um longa de animação da Pixar (Soul) é capaz de ser o estranho no ninho entre produções com atores de verdade. E Borat: Fita de Cinema Seguinte, na lista dos Produtores e ganhadora do Globo de Ouro, deve ser a comédia da vez (e não Palm Springs, escolhida no Critics Choice). Torço para que O Som do Silêncio, também concorrente no PGA Awards, fale alto o suficiente junto aos votantes da Academia de Hollywood.
Melhor direção
Os cinco indicados pelo Sindicato dos Diretores devem emplacar no Oscar também: Chloé Zhao (Nomadland), já premiada com o Globo de Ouro e com o Critics' Choice, David Fincher (Mank), Emerald Fennell (Bela Vingança), Aaron Sorkin (Os 7 de Chicago) e Lee Isaac Chung (Minari). Podem roubar alguma vaga Regina King (Uma Noite em Miami) ou Darius Marder (O Som do Silêncio), e acho que Sorkin e Fincher impedem o surgimento de Paul Greengrass (Relatos do Mundo), da mesma geração. Eu gostaria que Eliza Hittman (Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre) ganhasse reconhecimento pelo trabalho que equilibra delicadeza e contundência.
Melhor atriz
As premiações prévias tornaram esta categoria um tanto imprevisível, não só de prever a vitoriosa, mas a própria relação de indicadas.
Frances McDormand (Nomadland) teve seu favoritismo seriamente abalado pelos triunfos de Carey Mulligan (Bela Vingança) no Critics' Choice e de Andra Day (Estados Unidos vs Billie Holiday) no Globo de Ouro de melhor atriz em drama. Na mesma cerimônia, Rosamund Pike (Eu me Importo) ganhou impulso ao levar o troféu em musical ou comédia. Há ainda Vanessa Kirby (laureada no Festival de Veneza por Pieces of a Woman), Viola Davis (que assombra em A Voz Suprema do Blues), Amy Adams (Era uma Vez um Sonho, que pode lhe dar sua sétima indicação), Zendaya (Malcolm & Marie), nome pop em Hollywood hoje, e a veterana italiana Sophia Loren (Rosa e Momo) - há uma tradição no Oscar de melhor atriz de contar com concorrentes de filmes em língua estrangeira, como a Fernanda Montenegro de Central do Brasil e a Emmanuelle Riva de Amor. Além delas, pode haver azarões: Sidney Flaningan (Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre), Radha Blank (The 40 Year Old Version) e Wunmi Mosaku (O que Ficou para Trás). Para não dizerem que fiquei em cima do muro, vou falar apenas com meu coração: Carey Mulligan, Viola Davis, Frances McDormand, Andra Day e Wunmi Mosaku.
Melhor ator
Quis o destino que Riz Ahmed tivesse, em O Som do Silêncio, o desempenho de sua vida no ano da morte de Chadwick Boseman, vencedor do Globo de Ouro e do Critics' Choice por A Voz Suprema do Blues. Os dois estão garantidos na categoria, assim como o octogenário Anthony Hopkins (Meu Pai), presente em todas as premiações. Se eu votasse, os outros dois nomes seriam os de Delroy Lindo (Destacamento Blood) e Adarsh Gourav (O Tigre Branco), ambos indicados ao Bafta, mas não no SAG Awards, que listou Steven Yeun (Minari) e Gary Oldman (Mank).
Atriz coadjuvante
Mantendo a tradição, a categoria deve ter uma disputa de alto nível, deixando de fora outras grandes atuações. Aposto nas indicações de Yu-Jung Youn (Minari), Olivia Colman (Meu Pai), Maria Bakalova (Borat: Fita de Cinema Seguinte) e Jodie Foster (Globo de Ouro por The Mauritanian). A última candidata está entre a menina Helena Zengel (Relatos do Mundo), a veterana Glenn Close (Era uma Vez um Sonho) e Amanda Seyfried (Mank). Mas estou torcendo por Ellen Burstyn, que arrasa em Pieces of a Woman.
Ator coadjuvante
Daniel Kaluuya, na pele do líder dos Panteras Negras Fred Hampton, em Judas e o Messias Negro, surge como favorito ao Oscar. Ganhou o Globo de Ouro e está concorrendo no prêmio do Sindicato dos Atores e no Bafta. Sacha Baron Cohen (Os 7 de Chicago) e Leslie Odom Jr (Uma Noite em Miami), que também interpretam personagens reais, devem confirmar presença na lista. Há uma forte campanha por uma dupla indicação póstuma de Chadwick Boseman – aqui, como ator coadjuvante por Destacamento Blood. Eu daria a quinta vaga para Paul Raci, de O Som do Silêncio, em vez de Jared Leto (Os Pequenos Vestígios), que completa o quinteto no SAG Awards. O menininho Alan S. Kim, de Minari, pode ser a surpresa (foi indicado no Bafta, e o Oscar adora destacar crianças).
Roteiro original
Coisa boa deparar com uma história que nunca havia sido contada, né? Ou com uma forma inventiva e eficiente de retrabalhar temas que costumam estar presentes por aí. Na categoria de melhor roteiro original, eu praticamente fecho com os concorrentes do Sindicato dos Roteiristas: Bela Vingança (Emerald Fennell), O Som do Silêncio (Darius Marder e Abraham Marder) e Os 7 de Chicago (Aaron Sorkin) são surpreendentes, intensos, cativantes. Os outros dois também são poderosos (Judas e o Messias Negro, de Shaka King e Will Berson) e criativos (Palm Springs, de Andy Siara – vale lembrar que comédias costumam figurar nesta categoria). Não dá para esquecer Mank (que o diretor David Fincher resgatou da gaveta de seu pai, Jack Fincher, morto em 2003) e Soul (Pete Docter, Kemp Powers e Mike Jones). Mas Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (de Eliza Hittman) deveria ter lugar garantido. Minari (de Lee Isaac Chung) pode aparecer, mas não tem nada de muito original.
Roteiro adaptado
Apesar de não conseguir comparar os roteiros de todos os possíveis candidatos com as obras adaptadas, me sinto apto a julgar quais histórias funcionam bem nas telas. Quais apresentam originalidade, coerência, fluência ou sofisticação narrativa e um discurso (político, moral, artístico etc.) bem amarrado às imagens. Também fiz o cotejo das minhas observações com as indicações de premiações prévias e com as previsões da Variety e do IndiWire.
Os meus cinco melhores roteiros adaptados são: O Tigre Branco (Ramin Bahrani, baseado no romance de Aravind Adiga), A Voz Suprema do Blues (Ruben Santiago-Hudson, da peça de August Wilson), Uma Noite em Miami (Kemp Powers, a partir de seu próprio texto teatral), Nomadland (Chloé Zhao, com base no livro de Jessica Bruder) e Estou Pensando em Acabar com Tudo (Charlie Kaufman, da novela de Ian Reid). Mas a tendência é de que Borat: Fita de Cinema Seguinte (com nove autores), indicado ao prêmio do Sindicato dos Roteiristas e ao Bafta, ocupe uma vaga.
Fotografia
Joshua James Richards (por Nomadland), Erik Messerschmidt (Mank) e Dariusz Wolski (Relatos do Mundo) só ficam de fora se houver uma grande zebra. Phedon Papamichael (Os 7 de Chicago) e Newton Thomas Sigel (Cherry) estão bem cotados, pois completam a lista do prêmio da Sociedade de Diretores de Fotografia dos Estados Unidos, além de Hoyte van Hoytema (Tenet), pelas peripécias inovadoras. Mas eu quero ver Lukasz Zal (Estou Pensando em Acabar com Tudo) no páreo.
Edição
A competição é muito acirrada, e prever os concorrentes revela-se uma tarefa ingrata, já que a Associação dos Editores dos Estados Unidos (ACE) divide sua premiação em quatro categorias: filme dramático, comédia, animação e documentário. Das duas primeiras devem sair os cinco indicados ao Oscar. O belo O Som do Silêncio (Mikkel E.G. Nielsen), que também tem um trabalho fabuloso de edição sonora, e o ágil Os 7 de Chicago (Alan Baumgarten) devem aparecer na lista de segunda-feira. Entre os contemplativos Minari (Harry Yoon) e Nomadland (Chloé Zhao), jogo minhas fichas neste último. Mank (Kirk Baxter), que emula a montagem dos filmes das décadas de 1930 e 1940, tem chances, e pelo menos uma das chamadas comédias pode pintar: Borat (James Thomas, Craig Alpert e Mike Giambra), Eu me Importo (Mark Eckersley), Palm Springs (Matthew Friedman e Andrew Dickler) e Bela Vingança (Frédéric Thoraval) realmente se destacam nesse quesito.NHÃ.
Direção de arte, figurinos e maquiagem
Não são áreas com as quais tenho familiaridade, portanto, vou citar os favoritos conforme as premiações dos respectivos sindicatos e as previsões da Variety e do IndieWire.
Em design de produção, o Sindicato dos Diretores de Arte premia três categorias: filme de época, filme de fantasia e filme contemporâneo. Mank, Mulan e Relatos do Mundo, todos de época, parecem apostas certeiras. Pinóquio ou Tenet seria o representante de fantasia, e acharia muito bacana ver Bela Vingança ou Estou Pensando em Acabar com Tudo como o competidor contemporâneo.
Em figurinos, as maiores chances recaem sobre A Voz Suprema do Blues, Emma, Mank, Mulan e Uma Noite em Miami, mas não dá para desprezar Bela Vingança e Judas e o Messias Negro.
Em maquiagem e cabelos, de novo temos A Voz Suprema do Blues como um candidato forte, tendo como possíveis companhias Pinóquio, Era uma Vez um Sonho, Arlequina e as Aves de Rapina e Mank ou Uma Noite em Miami.
Trilha sonora
Também não é a minha praia, mas me arrisco a palpitar: entram Relatos do Mundo (composta por James Newton Howard e fundamental no clima da narrativa), Soul (Atticus Ross, Trent Reznor e Jon Batiste, já premiada no Globo de Ouro), Mank (Ross e Reznor, que usaram apenas instrumentos da época do filme, os anos 1930 e 1940), Tenet (Ludwig Göransson, meu preferido) e, infelizmente, O Céu da Meia-Noite (adoro as trilhas de Alexandre Desplat, mas neste filme de George Clooney achei melosa demais).
Efeitos visuais
Em uma temporada despovoada de super-heróis, de sagas espaciais e de filmes-catástrofe, são apostas seguras Tenet (com suas cenas reversas) e O Céu da Meia-Noite (pela trágica sequência do passeio no espaço). Um documentário pode conseguir uma inusitada indicação: Welcome to Chechnya, que usa efeitos visuais para ocultar o rosto dos ativistas LGBT+ perseguidos na Rússia. Mulher-Maravilha 1984 não entrou na chamada shortlist, mas Arlequina e as Aves de Rapina, sim, e esse deve ser o representante das adaptações de quadrinhos. A quinta vaga ficaria com o trabalho invisível de Mank ou com o trabalho muito visível de Mulan.
Longa de animação
Barbada de prever, pois parece haver um consenso nas premiações. Vão ser indicados Soul, Wolfwalkers, Dois Irmãos, A Caminho da Lua e Os Croods 2.
Documentário
A pré-lista tem concorrentes fortíssimos, e pelo menos oito dos 15 podem ser vistos no Brasil. Cruzando os vencedores da International Documentary Association (IDA) com os indicados da Associação dos Produtores e do Sindicato dos Diretores, as apostas da Variety e a minha avaliação, eu diria que os cinco concorrentes sairão desta lista sêxtupla: Time, Professor Polvo, As Mortes de Dick Johnson, Crip Camp: Revolução pela Inclusão, The Truffle Hunters e Boys State. Mas gostaria de ver o chileno Agente Duplo e o norte-americano Até o Fim: A Luta pela Democracia na briga, e não se pode descartar o romeno Collective.
Filme internacional
Esta é a categoria em que vou apelar para o chute. Primeiro porque, dos 15 semifinalistas, só consegui assistir a quatro. Segundo porque é realmente difícil de prever. Embora historicamente haja um predomínio europeu nas indicações e nas premiações (Itália, com 14 conquistas, e França, com 12, são as maiores campeãs), nas últimas quatro edições o Oscar foi para países de outros continentes: O Apartamento (Irã), Uma Mulher Fantástica (Chile), Roma (México) e Parasita (Coreia do Sul). E os critérios das premiações prévias nem sempre coincidem com os da Academia de Hollywood, então não se pode dizer que haja uma base. Feito todo esse preâmbulo, acredito que Mais uma Rodada (Druk no original, da Dinamarca), Nós Duas (França) e La Llorona (Guatemala) têm vaga garantida. As outras duas devem ficar entre Quo Vadis, Aida? (Bósnia e Herzegovina), Caros Camaradas (Rússia), Já Não Estou Aqui (México) e O Homem que Vendeu sua Pele (Tunísia).