Há um duplo desafio em Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, que estreia nesta quinta-feira (5) nos cinemas. No plano narrativo, os personagens do título precisam fazer jus ao subtítulo nacional para conseguir um encontro mágico com seu pai, que morreu quando ambos eram pequenos. O espectador, por sua vez, pode achar essa jornada nem tão fantástica – é mais formulaica e menos genial do que a Pixar ofereceu em três filmes recentes que também colocam os protagonistas em montanhas-russas para reatar laços afetivos: Divertida Mente (2015), Viva – A Vida É uma Festa (2017) e Toy Story 4 (2019). Mas tanto os manos quanto o público serão emocionalmente retribuídos ao final, que, como de hábito nas obras do estúdio de animação digital pertencente à Disney, oferece momentos epifânicos – foi uma choradeira a sessão para jornalistas.
Dois Irmãos é o 22º longa-metragem da Pixar e o segundo dirigido por Dan Scanlon, de Universidade Monstros (2013), sem dúvida um dos mais fracos e esquecíveis da produtora que virou símbolo de excelência em desenhos animados. A trama se passa em um mundo urbano e contemporâneo habitado por unicórnios e centauros, sereias e fadinhas – há até uma manticora, que usa seu poder de cuspir fogo para tocar a cozinha de seu restaurante. Trata-se de uma incursão pelo universo dos RPGs e da literatura fantástica. As casas, por exemplo, lembram as dos hobbits, de O Senhor dos Anéis, e a estrutura do roteiro, cheio de missões e recompensas, remete aos jogos de aventura e representação. A introdução traz uma mensagem direta para a gurizada e para os grandinhos da plateia: o progresso e a tecnologia não deveriam prescindir da história e da memória. Destruir o passado é destruir a magia (ou seja, a alma das pessoas).
Os dois irmãos são os elfos Lightfoot. Barley, o mais velho, faz o tipo nerd barulhento, com cabelos compridos, uma jaqueta cravejada de bótons e uma van batizada de Guinevere. Ian, que está no Ensino Médio, é tão tímido que se embanana todo ao tentar convidar os amigos para seu aniversário de 16 anos. Uma forma de lidar com o embaraço característico da adolescência é travar diálogos imaginários com o pai morto: "conversa" com ele preenchendo os vazios de uma gravação em uma fita cassete.
Diante do filho macambúzio, a mãe lhe dá um presente deixado pelo pai: um cajado, uma gema e a instrução para o feitiço que poderia devolvê-lo à vida até o sol se pôr. O negócio não dá muito certo: o pai surge pela metade, dos pés à cintura, sem cabeça nem voz. Para completá-lo, para ganhar um abraço apertado, Ian e Barley embarcam na tal jornada fantástica.
As idas e vindas tornam-se um tanto cansativas e não muito inspiradas do ponto de vista cômico. Mas o atalho emotivo surge na hora certa, reescrevendo aquele célebre ditado: o que importa é a jornada e o destino. Não à toa, o título original é Onward, "adiante" – para a próxima fase da vida. Mais uma vez, a Pixar atinge o coração do espectador ao mirar em temas como perda e luto, memória e saudade. De novo, o estúdio demonstra seus poderes mágicos: o de estimular as conexões afetivas em meio à aventura trepidante e o de fazer refletir em seus personagens coloridos as sombras do nosso íntimo. Difícil sair imune, mesmo que você tenha se mantido protegido e até indiferente a maior parte do jogo.