Duração e eventos trágicos à parte, Vingadores: Ultimato (3h2min e dois personagens principais mortos) e Toy Story 4 (1h40min e, não se preocupem, nenhum personagem principal morto) têm uma série de pontos em comum. Para começar, ambos demandam que se saiba bastante sobre seus filmes predecessores e nada sobre a história que será contada.
É preciso conhecer os personagens e seu passado, estar envolvido, mas também é preciso evitar qualquer tipo de spoiler, pois as surpresas são gatilhos emocionais (se não cheguei a chorar em Ultimato, faltou mão para secar o rosto no terço final de TS 4).
Dito isso, eu espero sinceramente que você já tenha assistido à animação que entrou em cartaz na quinta-feira (20), não apenas porque, neste texto, vou revelar algumas passagens de Toy Story 4, mas também porque se trata de um filme imperdível, que mereceria concorrer em pelo menos seis categorias do Oscar – melhor filme e melhor animação, obviamente, mas, se fosse minha, a Academia de Hollywood consideraria ainda indicações a melhor ator, melhor atriz, atriz coadjuvante (as três pela interpretação toda, não apenas pelas vozes) e fotografia (a iluminação e a profundidade são impressionantes).
Vamos lá.
Toy Story 4 e Vingadores: Ultimato não trazem marcas de suas produtoras: o curta-metragem que antecede o filme, no caso da Pixar, e as cenas pós créditos, no da Marvel. Neste último, essa ausência sinaliza o luto pelo fim de um ciclo iniciado 11 anos atrás. No primeiro, serve de aviso: este é mesmo um desenho animado diferente. É chegada a hora de dizer adeus aos queridos personagens que acompanhamos há quase 25 anos, desde que Toy Story (1995) nos apresentou ao conflito entre o antiquado Woody, um mero caubói de pano, e o moderno Buzz Lightyear, um astronauta repleto de botões e funções. Aliás, aí está outra semelhança da tetralogia da Pixar com a franquia da Marvel: de certa forma, os dois brinquedos espelham o Capitão América, um idealista que foi literalmente trazido de um tempo antigo, e o Homem de Ferro, a personificação algo arrogante de avanços tecnológicos.
A Marvel e a Pixar também olharam para onde os ventos sopram. Se a primeira vem dando espaço à diversidade em títulos como Pantera Negra e Capitã Marvel e arregimentou um batalhão de mulheres para uma cena emblemática da batalha final de Ultimato, Toy Story 4 dá protagonismo às personagens femininas. Os brinquedos que eram de Andy agora estão com a pequena Bonnie. Consequentemente, Woody não tem mais a mesma ascendência: sua estrela de xerife volta e meia vai parar no peito de Jessie, e há uma "prefeita" no armário da guriazinha, a boneca Dolly. A trama foi escrita a partir da pergunta "O que aconteceu com Betty?", o abajur de porcelana visto pela última vez em Toy Story 2 (1999), e que agora encarna a mulher independente e destemida, tendo a seu lado outra garota, Isa Risadinha, um dos tantos alívios cômicos em um filme que aborda temas tão dolorosos como abandono, sentimento de exclusão e depressão. Há até uma vilã, digamos assim, Gabby Gabby, a boneca relegada ao esquecimento e à amargura porque lhe falta voz – extrapolando no simbolismo, é a mulher que sofre calada porque ninguém a escuta.
Os cenários de Toy Story 4 também permitem uma aproximação estética com Ultimato. Se os Vingadores empreendem uma viagem no tempo, em que revisitam momentos marcantes de sua trajetória, Woody e sua turma aventuram-se em lugares que remetem ao passado e à nostalgia: um antiquário e um parque de diversões. Lá, os brinquedos vão revisitar não cenas, mas suas próprias relações e atitudes. O fanfarrão Buzz, por exemplo, vai descobrir sua voz interior – sempre soubemos que por trás da armadura do astronauta e da de Tony Stark havia um enorme coração, né? Um dos personagens novos, o motoqueiro acrobata Duke Caboom, lembra o desacreditado Thor, do filme dos Vingadores, sentindo-se indigno do ato de coragem que deve realizar. A dupla estreante Coelhinho e Patinho (no Brasil, muito bem dublados pelos humoristas Marco Luque e Antonio Tabet) encarna o espírito mordaz do guaxinim Rocky – para eles, a solução passa sempre por tocar o terror.
Como em Ultimato, a jornada de Toy Story 4 é cheia de desafios e desencontros e requer muita união e algum sacrifício – em uma mensagem de nobreza e empatia, Woody entrega sua voz para Gabby Gabby ter uma segunda chance. "Os seus problemas são meus também", já diz a letra da clássica canção Amigo Estou Aqui. A exemplo do Homem de Ferro, Buzz Lightyear assume sua condição de líder, e, tal qual no combate contra Thanos, surgem aliados na hora certa para desviar o rumo da história. Se Thor se junta aos Guardiões da Galáxia, acenando para o futuro, Duke Caboom ganha uma nova família, prenunciando novas aventuras.
Mas, como acontece no filme dos Vingadores, um herói decide, por conta própria, dar o ponto final em sua história. Depois de atuar com sucesso no amadurecimento de Andy, depois de proteger incansavelmente o brinquedo que Bonnie criara como aliada em sua adaptação à escolinha, Garfinho (o que também constitui uma defesa apaixonada da criatividade e da fantasia), depois de tornar-se o fiel depositário das angústias e das alegrias do público que cresceu acompanhando suas aventuras, depois de possibilitar o reencontro de pais com sua própria infância, o velho Woody, assim como o Capitão América, permitiu-se envelhecer. Assim como o soldado legou o escudo ao Falcão, o xerife passou sua insígnia para Jesse. Assim como Steve Rogers pôde, enfim, dançar de novo com a amada Peggy, Woody agora pode, enfim, dançar com a amada Betty.