Primeiro colocado no top 10 de compras (ou aluguel) no Brasil do Amazon Prime Video, Um Lugar Silencioso: Dia Um (A Quiet Place: Day One, 2024) é produto de uma nova mania em Hollywood: a de refazer os primeiros passos de personagens famosos e a mostrar os episódios anteriores de histórias conhecidas. Entram na lista de prólogos os seriados Star Trek: Strange New Worlds (2022-), Ratched (2020-), O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder (2022- ) e House of the Dragon (2022-), por exemplo, e os filmes O Predador: A Caçada (2022), Wonka (2023), Furiosa: Uma Saga Mad Max (2024), Mufasa: O Rei Leão (2024) e A Primeira Profecia (2024).
Dia Um se passa antes dos eventos narrados em Um Lugar Silencioso (2018), que custou US$ 17 milhões e arrecadou exatamente 20 vezes mais, e Um Lugar Silencioso: Parte II (2021), que faturou US$ 297,3 milhões. Nas bilheterias, ficou devendo em relação aos filmes anteriores: rendeu US$ 261,5 milhões.
O universo criado pelo ator e diretor John Krasinski (o eterno Jim da série The Office) na companhia dos roteiristas Bryan Woods e Scott Beck é inspirado nos filmes Encurralado (1971), Tubarão (1975), Jurassic Park (1993) e Guerra dos Mundos (2005), todos de Steven Spielberg, e na franquia Alien.
No primeiro título, Krasinski mostrou a dominação alienígena na Terra pelos olhos de uma família da cordilheira dos Apalaches, nos EUA. O pai, Lee Abbott (interpretado pelo próprio cineasta), a mãe, Evelyn (encarnada por Emily Blunt, sua esposa na vida real), e os filhos Regan (Millicent Simmonds), Marcus (Noah Jupe) e o caçula Beau precisam andar descalços, se comunicar com gestos e jogar Banco Imobiliário com peças de algodão: os monstros vindos do espaço não enxergam, mas têm uma audição muito apurada, uma espécie de radar, e atacam ao menor ruído. Daí que Um Lugar Silencioso é um filme que sabe ser silencioso, dando peso duplo aos rangidos de um piso, ao balanço do vento em um milharal ou mesmo à respiração a aos batimentos cardíacos dos personagens. O impacto é ampliado em cenas com a presença da adolescente Regan, que é surda: quando ela tira o implante coclear, experimentamos momentos de vazio sonoro.
— Vivemos em um mundo hoje com todos esses filmes, como os da Marvel, com muito som, muitas explosões — comentou Krasinski certa vez. — Gosto muito deles, mas há algo meio agressivo nesse barulho todo. Aí pensamos: "E se conseguirmos eliminar tudo? Seria possível criar algo tão desconcertante, desconfortável e tenso?".
Na Parte II, o diretor criou um novo elemento de tensão e temor: a interação dos Abbott com outros seres humanos. Enquanto a Parte III não sai do papel, Krasinski chamou Michael Sarnoski, diretor de Pig: A Vingança (2020), para escrever o roteiro e comandar Um Lugar Silencioso: Dia Um.
Na abertura de Dia Um, conhecemos Sam, vivida por Lupita Nyong'o, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por 12 Anos de Escravidão (2013). Com câncer em estágio terminal, a protagonista mora em uma clínica de Nova York na companhia de um gato, Frodo. Relutantemente, ela aceita o convite do enfermeiro Reuben (Alex Wolff, presente em Pig) para um passeio de grupo em Manhattan. Em poucos minutos, a cidade se vê sob uma chuva do que parecem ser meteoros, mas logo são avistadas as criaturas extraterrestres. E rapidamente Henri, personagem interpretado por Djimon Hounsou que conecta este prólogo a Um Dia Silencioso: Parte II, explicará a Sam que não se pode dar um pio.
Se o filme não enrola ao apresentar a invasão e o modus operandi dos aliens, tampouco avança na mitologia da franquia. Ainda não é aqui que saberemos de onde vieram os monstros, como chegaram à Terra e por que escolheram um planeta em que mais de 70% da superfície é coberta justamente por uma de suas fraquezas, a água (para começo de conversa, eles não sabem nadar).
Como jornada de terror, Dia Um também não acrescenta muito ao espectador acostumado ao gênero. Inclusive recorre a alguns sustos fáceis e antecipados, sem as habilidades hitchcockianas aprimoradas por John Krasinski nos dois títulos que ele dirigiu. Não temos também aquela atenção a um elemento do cenário para mais adiante torná-lo um verdadeiro protagonista, como o prego na escada do primeiro Um Lugar Silencioso. É um filme que fica devendo, portanto.
Mas Michael Sarnoski tem suas virtudes. O surgimento de Eric, o estudante de Direito encarnado por Joseph Quinn (o Eddie Munson do seriado Stranger Things), não apenas dá um interlocutor — embora praticamente mudo — para Sam em uma Nova York pós-apocalíptica, deserta e devastada (há ecos tanto do 11 de Setembro quanto da pandemia de covid-19). Possibilita ao diretor desenvolver de novo um dos temas de Pig: a necessidade de termos empatia um pelo outro, a conexão emocional que sempre será fundamental para a sobrevivência humana. Ela à beira da morte e ele traumatizado pelo ataque alienígena, os dois vão protagonizar uma cena belíssima quando, camuflados pelo barulho de uma chuva incessante, permitem-se gritar de dor, de pânico, de ansiedade, de raiva, até de alegria.
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