Senhoras e senhores, há um filme nota 10 em cartaz nos cinemas de Porto Alegre: A Substância (The Substance, 2024), escrito e dirigido pela francesa Coralie Fargeat e estrelado pelas estadunidenses Demi Moore e Margaret Qualley. Não espere para ver no streaming, corra para o Cinemark Barra, o Espaço Bourbon Country ou o GNC Moinhos, onde o título está em exibição desde quinta-feira (19), com poucas sessões.
Merece ser assistido na tela grande e com som alto porque explora ao máximo todos os recursos do cinema. Mas convém avisar que a tela grande e o som alto intensificam o desconforto, o choque e até o nojo que o filme pode causar. É que A Substância também explora ao máximo o chamado body horror, o terror corporal. A propósito, a classificação indicativa é 18 anos.
Fargeat, 48 anos, filia-se ao movimento conhecido no Exterior como New French Extremity, o cinema extremo francês. O termo foi cunhado em 2004, com certo desdenho e certo reducionismo, pelo crítico canadense James Quandt para classificar filmes que apostavam em violência — incluindo a sexual — explícita e tortura psicológica para tecer críticas sociais. Frequentemente há mulheres atrás e na frente das câmeras, e raramente há entidades sobrenaturais: os personagens são gente como a gente, acuados por demônios interiores ou "monstros" humanos. O corpo costuma ser o campo de batalha. Entre os títulos mais famosos, estão Desejo e Obsessão (2001), de Claire Denis, Irreversível (2002), de Gaspar Noé, Alta Tensão (2003), de Alexandre Aja, Mártires (2008), de Pascal Laugier, Raw (2016) e Titane (2021), ambos de Julia Ducournau.
Em A Substância, que recebeu o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes, Coralie Fargeat tempera com audácia, raiva e senso de humor — ora absurdo, ora ácido, ora grotesco, ora macabro — um caldeirão de influências. Dos romances Frankenstein (1818), de Mary Shelley, e O Retrato de Dorian Gray (1890), de Oscar Wilde, a filmes de Stanley Kubrick (como 2001: Uma Odisseia no Espaço e O Iluminado), David Cronenberg (Videodrome, A Mosca) e David Lynch (O Homem Elefante, Cidade dos Sonhos), passando por clássicos como Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder, A Malvada (1950), de Joseph L. Mankiewicz, e Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock. Ela também desenvolve ideias e conceitos de seu curta-metragem Reality+ (2014), recém adicionado ao menu do MUBI, e de seu primeiro longa-metragem, Vingança (2017), atualmente indisponível no streaming.
Do primeiro, a cineasta francesa traz nosso culto à juventude e nossa obsessão pela beleza: no curta, um dispositivo tecnológico permite que as pessoas se vejam e sejam vistas com o rosto e o físico de seus sonhos, mas apenas a cada 12 horas — na outra metade do dia, precisam voltar a sentir vergonha do espelho. Do longa, que aborda a cultura do estupro sob a forma do filme de revanche, vêm o controverso olhar objetificante da personagem feminina (leia mais logo abaixo), a caracterização dos homens como predadores (ainda que patéticos), a estilização audiovisual e o despudor para cortar, perfurar e extrair sangue dos corpos.
A diretora disse que começou a escrever A Substância após completar 40 anos, quando ela lutou com sentimentos de obsolescência e inadequação:
— Achava que tinha chegado à idade em que não seria útil ou interessante para ninguém. A violência desses pensamentos era tão forte, que eu tinha que fazer algo a respeito, caso contrário, eles me destruiriam e me esmagariam totalmente.
Para o papel principal, Coralie Fargeat, em uma jogada de metalinguagem, escolheu Demi Moore, 61 anos, atriz de filmes como Ghost (1990), Proposta Indecente (1993), Assédio Sexual (1994), Striptease (1996) e Até o Limite da Honra (1997). À medida que a idade avançou, ela perdeu espaço em Hollywood, a exemplo do que acontece com sua personagem, Elisabeth Sparkle. Trata-se da estrela de um popular programa de ginástica na TV, à la Jane Fonda ou Cindy Crawford. No dia do seu 50º aniversário, é demitida pelo abjeto executivo sexista interpretado por Dennis Quaid, batizado apenas de Harvey — uma clara caricatura de Harvey Weinstein, outrora um poderoso chefão da indústria cinematográfica, hoje cumprindo pena por agressões sexuais a mulheres.
Na volta para casa, distraída ao observar a retirada de seu outdoor, Elisabeth sofre um acidente de carro. No hospital, depois de uma conversa com um estranho enfermeiro, ela decide comprar uma substância milagrosa que promete criar uma nova e melhorada versão de si mesma. Não é uma pílula ou um truque de mágica: o procedimento envolve injeções, é altamente invasivo e tem regras que precisam ser seguidas à risca.
É aí que surge a rejuvenescida Elisabeth, a estonteantemente linda Sue, encarnada por Margaret Qualley, filha de outra atriz sexagenária, Andie MacDowell, e indicada ao Emmy pelas minisséries Fosse/Verdon (2019) e Maid (2021), vista também nos dois filmes mais recentes de Yorgos Lanthimos, Pobres Criaturas (2023) e Tipos de Gentileza (2024). As duas personagens não podem coexistir: uma vive a vida, a outra permanece em uma espécie de coma. A cada sete dias, precisam trocar de lugar. Mas a narcisista Sue, que assume o posto de Elisabeth na televisão, fica cada vez mais inebriada pela fama e pelo hedonismo.
Ao longo dos seus 140 minutos de duração, A Substância oferece um banquete cinematográfico. Na área das atuações, Demi Moore e Margaret Qualley travam um intenso duelo, literalmente físico, mas também com sutilezas do olhar. Mereciam uma indicação dupla ao Oscar, Moore na categoria de melhor atriz e Qualley na de coadjuvante.
O diretor de fotografia Benjamin Kracun (de Bela Vingança) busca surpreender nos enquadramentos e realçar o trabalho magistral de Stanislas Reydellet no design de produção, de Emmanuelle Youchnovski nos figurinos e da equipe de maquiagem. A edição, coassinada por Fargeat com Jerome Eltabet e Valentin Féron, está em harmonia com a música pulsante do produtor e DJ Raffertie e com a ruidosa sonoplastia — os efeitos sonoros tornam ainda mais aflitivas as cenas com agulhas na pele, secreções humanas e deformações ósseas.
Em entrevista à revista Vogue, Coralie Fargeat contou que cada imagem, cada som, cada cenário, cada objeto têm um significado, um propósito. A trilha sonora, por exemplo, emprega a certa altura o tema principal composto por Bernard Herrmann para Um Corpo que Cai, que, como observa a repórter Elissa Suh, é um filme "sobre um homem tentando moldar uma mulher ao seu gosto" — e, em A Substância, o personagem de Dennis Quaid diz sobre Sue: "Eu a moldei para o sucesso". O nome Sue, por sua vez, incorpora a vibração de uma Marilyn Monroe ou de uma Lolita. "Evoca o passado", diz a cineasta francesa, "e, subconscientemente, era uma maneira de eu referenciar simbolicamente as imagens e representações que firmaram a expectativa atual do que é bonito, sexy e valorizado".
Sobre a cenografia, Fargeat disse que A Substância cria um mundo à parte, desinteressado do realismo ou da realidade. O apartamento de Elisabeth é antiquado mas também futurista, para que tivesse uma qualidade atemporal (e os espelhos estão lá não apenas para as personagens exercitarem a vaidade ou o ódio de si próprias: também nos lembram de olhar para nós mesmos, também refletem nossas frustrações, nossos medos e nossas obsessões). "A grande janela", explica a diretora, "conecta o interior e o exterior e permite que Elisabeth olhe para seu passado, que em um ponto é tirado dela. Quando Sue nasce, a vista se torna o futuro". O banheiro branco, onde todas as transformações ocorrem, serve tanto de casulo quanto de espaço para um confronto mental, daí ser muito abstrato e quase vazio — "Lembro-me do meu designer de produção perguntando: 'Tem certeza de que não quer nenhum móvel no banheiro?'".
Se o banheiro é minimalista, o enredo tem poucos diálogos, mas é bastante eloquente. Permite a Coralie Fargeat, como bem resumiu a crítica Katie Walsh, da rede Tribune, investigar "como os corpos das mulheres seduzem e enganam, são objetificados, comoditizados e vendidos, o que elas podem suportar, como elas podem se transformar e como, em última análise, os corpos das mulheres são desvalorizados e descartados. Ela explora como os corpos das mulheres são vistos pelos homens e, portanto, como somos ensinados a olhar para as mulheres na mídia".
Pelo menos neste ponto, A Substância gerou controvérsia entre as críticas de cinema. Algumas, como Hilary A. White, do Sunday Independent (Irlanda), e Hannah Strong, do Little White Lies (Reino Unido), entendem que a câmera hipersexualiza a personagem de Margaret Qualley em um filme que está supostamente condenando essa hipersexualização pelo olhar masculino. "Se a intenção é tornar o público cúmplice, Fargeat replica a história de exploração pelo terror dos corpos das mulheres em vez de subvertê-la", escreveu Strong. No New York Times, Alissa Wilkinson discorda: "A câmera cobiça o corpo de Qualley, correndo lentamente para cima e para baixo de Sue, vestida e iluminada de uma forma que remete à pornografia. É desconfortável, e esse é obviamente o objetivo. Já vimos várias atrizes filmadas assim. Mas o exagero torna isso satírico, para melhor nos lembrar o que os filmes fizeram com nossas percepções do que um corpo deveria ser".
E "garotas bonitas devem sempre sorrir", repete Harvey no filme. É uma frase que encontra eco em duas manchetes de um portal de notícias nesta segunda-feira (23), ambas sobre influenciadoras digitais: "Karoline Lima revela que fez uso de Ozempic após comentários sobre seu corpo" e "Virginia Fonseca mostra barriga trincada 15 dias pós-parto".
Vivemos em um mundo que valoriza doentiamente a aparência e que tortura — física e psicologicamente — as mulheres, como Coralie Fargeat retrata em A Substância e como a quadrinista sueca Liv Ströquist discute em Na Sala dos Espelhos: Autoimagem em Transe ou Beleza e Autenticidade como Mercadoria na Era dos Likes & Outras Encenações do Eu (Quadrinhos na Cia., 2023, com tradução de Kristin Lie Garrubo). No estado permanente de insegurança da modernidade líquida, a única coisa a que podemos nos agarrar, nosso amuleto contra a solidão, nossa proteção contra a morte metafórica do abandono em um relacionamento amoroso, passa a ser a beleza. Que, evidentemente, se torna "infinitamente mais importante" na era da produção explosiva de imagens e do consumo maciço de fotos e vídeos, em redes sociais como Instagram e TikTok.
A sociedade das selfies, não raro carregadas de filtros embelezadores, também é decorrente de um desejo de congelar o tempo. No livro, Strömquist ilustra os depoimentos de cinco mulheres que encaram ou já lidaram com o envelhecimento. Nina, 53 anos, sempre conseguiu qualquer cara que quisesse; agora, diz que ainda pode ser bonita, se estiver cercada de pessoas mais velhas ou num ambiente à meia-luz. Karin, 73, lembra que, quando tinha 52, o marido a trocou por uma mulher de 22. Lena, 53, assume: "Ser bonita é uma vantagem enorme. Usei e abusei do charme sempre que era útil para mim. A beleza pode ser uma arma de destruição em massa. Uma mulher bonita consegue convencer um homem de qualquer coisa". Ela vai além, enxergando "algo de democrático" na beleza: "Qualquer moça bonita — independentemente da classe social — pode subir na sociedade e ser recebida de portas abertas".
Daí que muita gente queira controlar a beleza e domar o tempo, o que é coerente em uma sociedade que, como diz o sociólogo Hartmut Rosa, deseja "colocar o mundo à nossa disposição": "Queremos planejar tudo, compreender tudo, conhecer tudo, conquistar tudo, controlar tudo". Mas a beleza não pode ser possuída ou poupada, ela é efêmera por natureza. Liv Strömquist filosofa: "Não é precisamente a efemeridade da beleza que a torna bela, assim como um arco-íris é belo porque desaparece, ou uma flor é bela porque murcha? Da mesma forma que a morte é uma condição para a vida, a efemeridade da beleza é uma condição para que ela seja percebida como tal".
Foi por não aceitar a transitoriedade de tudo que a imperatriz Isabel da Áustria (1837-1898), a Sissi, tornou-se, primeiro, uma figura que deslumbrava a todos, depois, uma mulher para quem a própria beleza virou um fardo. No capítulo final de Na Sala dos Espelhos, a autora sueca rememora os esforços dessa personagem para esconder certas imperfeições, a ponto de, após completar 32 anos, se recusar a ser retratada ou fotografada novamente. Mas, em segredo, Sissi não parou de cultuar a si mesma, de lutar pela preservação de sua beleza. Sissi antecipou um dilema e um sofrimento muito atuais, o da divisão entre o eu privado e o eu público, estudado pelo sociólogo Chris Rojek, pesquisador do fenômeno das celebridades.
"No exato momento em que Franz Winterhalter finaliza o retrato perfeito de Sissi, aquele com as estrelas de diamante no cabelo, o quadro se torna rival de Sissi", escreve Liv Strömquist. "O quadro (o eu público) é celebrado, admirado, adorado. No entanto, existe uma pessoa real, que não é o quadro, que envelhece, tem dentes amarelados, pode ganhar peso. Uma pessoa que talvez ame a imagem, mas a imagem não a ama de volta. A imagem suga todo o amor e toda a aprovação que desejo. A imagem me ofusca. A imagem me humilha. A imagem ameaça me aniquilar. Os elogios ao quadro fazem o eu privado sentir: tudo em mim que não seja o quadro é uma merda e não deveria existir. A imagem se torna uma tirana".
Vale voltar a A Substância, mas com ALERTA DE SPOILERS.
Naquela entrevista para a Vogue, Coralie Fargeat comenta sobre a transformação final da protagonista do filme:
— Ironicamente, é quando ela está totalmente deformada e monstruosa que não se importa com sua aparência. Na verdade, é a única vez em que ela se olha no espelho e meio que gosta do que vê. Esse é o momento em que ela finalmente sente que merece sair em público, não importa sua aparência. Nós nos escondemos atrás de nossos sorrisos polidos, e eu queria que a personagem liberasse essas ansiedades ocultas. A plateia no filme, que representa todos nós como sociedade, grita e a odeia por isso, e eu queria retratar o quão violenta essa reação pode ser. Que o único momento real de alívio que ela tem seja quando ela não tem mais um corpo diz tudo, eu acho.
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