Para marcar os 20 anos da morte de Billy Wilder (1906-2002), em 27 de março, a plataforma Belas Artes à La Carte vai incluir em seu catálogo sete filmes dirigidos ou escritos pelo cineasta. No total, nove obras estão disponíveis (confira a lista logo abaixo).
Wilder dirigiu 26 longas-metragens entre 1934 e 1981, ganhou seis Oscar e concorreu a outros 15. Também foi premiado nos festivais de Cannes e de Veneza. Mas é um gênio um tanto esquecido na era do streaming. O irônico é que um de seus clássicos — e que faz parte do pacote da Belas Artes à La Carte — trata justamente do esquecimento na indústria cinematográfica: Crepúsculo dos Deuses (1950). Indicado a 11 Oscar — incluindo melhor filme, diretor, ator (William Holden) e atriz (Gloria Swanson) — e vencedor das estatuetas de roteiro, direção de arte em preto e branco e trilha sonora, este drama sombrio e sarcástico conta a história de uma veterana estrela do cinema mudo, Norma Desmond, que contrata um jovem roteirista para ajudá-la a reconquistar o reinado.
Nascido em uma família judia da Áustria, Billy Wilder trocou a Europa pela América quando Adolf Hitler tomou o poder na Alemanha, onde o futuro cineasta já trabalhava como roteirista. Antes de migrar para os Estados Unidos, fez escala em Paris, cenário de sua estreia na direção: Semente do Mal (1934), feito em parceria com Alexander Esway, sobre um bando de rapazes que rouba carros.
Era um apaixonado pela palavra, pelos diálogos rápidos, pelo duplo sentido. Em Hollywood, antes de ser um habituê do Oscar com seus próprios filmes, disputou por três vezes o prêmio de melhor script, como coautor de Ninotchka (1939), A Porta de Ouro e Bola de Fogo (ambos de 1941). Frasista contumaz, defendia assim o modo de alicerçar suas tramas muito mais no texto do que na imagem:
— Por que filmar uma cena do ponto de vista de uma ave voando ou de um inseto? Isso tudo só serve para desbundar a burguesia, para maravilhar os críticos de classe média.
Ao mesmo tempo, sabia que não podia entregar tudo de mão beijada para o espectador. Com o diretor alemão Ernst Lubitsch, de Ninotchka, aprendeu uma máxima que propagou: "Deixe o público somar dois mais dois. Vão amá-lo para sempre".
Testemunha do boom do technicolor, preferia rodar em preto e branco: achava que filmes coloridos ficavam com "cara de sorveteria", tirando o foco do que os atores diziam — um baita problema para as piadas de suas comédias, gênero ao qual ficou associado o nome de Wilder, com seu cinismo e seu senso de humor algo amargo, algo ácido. A propósito, o cineasta zombava de si mesmo. Na biografia E o Resto É Loucura, disse ao jornalista alemão Hellmuth Karasek que a única coisa da qual se orgulhava era de seu nome ter aparecido nas palavras cruzadas do jornal The New York Times: "Uma vez no 17 horizontal. Outra no 21 vertical".
Mas o humor de títulos como Quanto Mais Quente Melhor (1959) não foi sua única praia. Como Stanley Kubrick (1928-1999), mas sem o prestígio e, talvez, sem a ambição artística do diretor do épico Spartacus, da comédia Dr. Fantástico, da ficção científica 2001: Uma Odisseia no Espaço e do terror O Iluminado, Wilder conseguiu cunhar clássicos em gêneros distintos — do policial noir (Pacto de Sangue) ao filme de tribunal (Testemunha de Acusação), passando pela aventura de guerra (Inferno Nº 17) e pelo drama com crítica social (A Montanha dos Sete Abutres).
Seus personagens eram mundanos e ambíguos, às vezes cansados das rotinas (profissionais, domésticas etc) ou até moralmente torpes — gente como a gente. Lidavam com temas cotidianos que costumavam ficar escondidos sob a hipocrisia da sociedade, como adultério e incerteza sexual. Não por acaso, a farsa e o disfarce sempre estavam presentes em suas obras, ora explicitamente, ora de maneira mais sutil. Gostava de criaturas que representam, como se a existência fosse um eterno teatro. Como se todos nós fossemos um pouco Norma Desmond: meio perdidos, meio devaneantes, atuando para não sermos esquecidos, esperando pela redenção, esperando que alguém dê um close na nossa vidinha como naquela última cena de Crepúsculo dos Deuses.
Os filmes
Cinco Covas no Egito (1943)
Este suspense ambientado durante a Segunda Guerra Mundial tem roteiro de Wilder com seu parceiro costumaz, Charles Brackett, a partir de uma peça de teatro. Em 1942, o exército inglês se retira do Egito diante do vitorioso marechal nazista Erwin Rommel (interpretado por Erich von Stroheim), deixando por lá um único sobrevivente. É John J. Bramble (Franchot Tone), um militar que se refugia num hotel situado num oásis no deserto do Saara, que se tornou o quartel-general alemão. Para não morrer, Bramble assume uma nova identidade e acaba hospedando o próprio Rommel. Que segredo o alemão esconde? Cinco Covas no Egito (Five Graves to Cairo) concorreu aos Oscar de fotografia em preto e branco, edição e direção de arte. (Estreia no dia 10 de março)
Pacto de Sangue (1944)
Com roteiro coescrito pelo romancista Raymond Chandler, de O Longo Adeus, a partir de livro de James M. Cain, o filme sintetiza, brilhantemente, a gramática do cinema noir. Na trama, Fred MacMurray é um vendedor de seguros que se acha esperto e acaba seduzido por uma loira fatal (Barbara Stanwyck) que deseja se livrar do marido. Pacto de Sangue (Double Indemnity) foi indicado a sete Oscar, incluindo melhor filme, diretor, atriz, roteiro e, claro, a fotografia em preto e branco assinada por John F. Seitz, cheia de contrastes e sombras. (Já disponível)
Farrapo Humano (1945)
Quatro dias na vida de um alcoólatra que tenta, sem sucesso, livrar-se do vício. Surpreendentemente, Wilder aposta bastante na imagem e na edição para contar sua história – a apresentação do status dos principais personagens, por exemplo, prescinde das palavras. O amargo e realista drama, que se estende à situação de outros casos de dependência química, levou os Oscar de melhor filme, diretor, roteiro e ator (Ray Milland). Farrapo Humano (The Lost Weekend) também recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes. (Estreia no dia 17 de março)
Crepúsculo dos Deuses (1950)
Para muitos, esta é a grande obra-prima do cineasta. Para outros tantos, é o mais cruel retrato dos bastidores da indústria cinematográfica já filmado. Assim escreveu Roger Lerina em Zero Hora quando Wilder morreu, aos 95 anos, em 2002: "O sistema de estrelas que movimentou a fábrica de sonhos hollywoodiana até meados dos anos 1950 é mostrado em seus estertores: atores e cineastas da velha guarda colocados de lado, roteiros originais trocados por fórmulas de sucesso, vulgaridade no lugar de bom gosto, pipoca em vez de cinefilia. Tudo isso narrado retrospectivamente por um roteirista morto, boiando na piscina de uma mansão decadente de Sunset Boulevard".
Um pecado Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard) ter saído da festa do Oscar com apenas três estatuetas (roteiro, direção de arte em preto e branco e música). Concorreu também a melhor filme, diretor, ator (William Holden), atriz (Gloria Swanson, praticamente resgatada do limbo), ator coadjuvante (Erich von Stroheim, diretor na época do cinema mudo), atriz coadjuvante (Nancy Olson) e fotografia em preto e branco. O elenco inclui Cecil B. DeMille, Buster Keaton e Hedda Hopper vivendo seus próprios papéis. (Estreia no dia 24 de março)
A Montanha dos Sete Abutres (1951)
Em um dos melhores e mais mordazes filmes sobre jornalismo já realizados, Kirk Douglas faz um repórter capaz de levar às últimas consequências a exploração da miséria humana para conseguir um furo de reportagem, durante a cobertura de um desmoronamento em uma mina em Albuquerque, no Novo México. A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole) concorreu ao Oscar de melhor roteiro e recebeu os prêmios de roteiro e música no Festival de Veneza. Wilder retomaria a crítica à ganância e o sensacionalismo da mídia, mas em tom de comédia, em A Primeira Página (1974), estrelado pela entrosada e hilária dupla Jack Lemmon e Walter Matthau. (Estreia no dia 31 de março)
O Billy Wilder roteirista
A Belas Artes à La Carte também homenageia o trabalho do cineasta como roteirista. Já disponível na plataforma, A Oitava Esposa de Barba Azul (1938) marca a primeira parceira do cineasta com Charles Brackett. A comédia romântica dirigida por Ernst Lubitsch tem como protagonista Gary Cooper como um homem que já se casou sete vezes e se apaixona por uma jovem francesa (Claudette Colbert), que resolve domar seu marido ao descobrir que não é sua primeira esposa.
Também presente no acervo, Ninotchka (1939), de Lubitsch, valeu a Wilder sua primeira indicação ao Oscar, como roteirista, ao lado de Brackett e Walter Reisch. Greta Garbo encarna a protagonista, uma russa enviada a Paris, onde se apaixona por um conde que representa tudo o que ela acredita detestar.
Em abril, entram em cartaz Levanta-te, meu Amor (1940), de Mitchell Leisen, e Bola de Fogo (1941), de Howard Hawks, que rendeu a Wilder mais uma indicação como roteirista (com Brackett e Thomas Monroe). Aqui, Gary Cooper faz o papel de um professor que está trabalhando numa enciclopédia e se envolve com uma cantora de cabaré, Sugarpuss O'Shea (Barbara Stanwyck).