Entra em cartaz nesta quinta-feira (3) no cinema Espaço Bourbon Country, em Porto Alegre, Pequena Mamãe (Petite Maman, 2021), o quinto longa-metragem da diretora e roteirista francesa Céline Sciamma. É a mesma autora de Retrato de uma Jovem em Chamas (2019), um dos filmes mais lindos e arrebatadores do século 21. As sessões são em quatro horários: 15h40min, 17h, 18h30min e 20h.
Sciamma, 43 anos, é uma cineasta associada à diversidade sexual e às questões de gênero. Em sua estreia, Lírios d'Água (2007), ela retratou o nascer dos desejos sexuais de três garotas de 15 anos companheiras de nado sincronizado. Em Tomboy (2011) — que recebeu no Festival de Berlim o prêmio Teddy, para filmes com temática LGBTQIA+ —, uma menina de 10 anos se faz passar por menino para tentar se socializar com as crianças da vizinhança, mas acaba em crise de identidade ao se afeiçoar por uma amiga. Garotas (2014) foca o cotidiano das adolescentes negras dos subúrbios franceses, todas lidando não só com o racismo e a pobreza, mas também com a explosiva puberdade. Esse longa ganhou no Festival de Cannes a Palma Queer, conquista depois repetida por Retrato de uma Jovem em Chamas, sobre o romance entre uma pintora e sua musa.
Em Pequena Mamãe, a diretora passa ao largo da sexualidade, mas, como nos três primeiros de seus quatro títulos, volta a trabalhar com personagens que não são adultos. Lançado no Festival de Berlim do ano passado, está concorrendo ao troféu de melhor obra internacional no Independent Spirit Awards, que será entregue neste domingo (6) nos Estados Unidos, e ao prêmio de produção em língua não inglesa do Bafta, concedido pela Academia Britânica de Cinema e Televisão e marcado para o dia 13 de março.
Eis um pequeno grande filme.
Pequeno porque dura apenas 70 minutos (transcorridos sem pressa nenhuma, como é característico de Sciamma: sua câmera deixa que as coisas aconteçam, que os personagens sintam) e traz como protagonista uma menina de oito anos, que circula por poucos cenários.
Grande porque, com uma mescla de economia narrativa e simbolismo sofisticado, trata de temas complexos e perenes: o luto, a infância, a memória.
Um exemplo da eficiência de Sciamma como roteirista e diretora é a sequência de abertura de Pequena Mamãe. Sem recorrer a diálogos explicativos nem a uma trilha sonora indutora de emoções, o filme nos conta que a avó materna de Nelly (interpretada pela novata Joséphine Sanz), com quem a guria era muito próxima, acaba de morrer em um asilo.
Agora, Nelly e seus pais (Nina Meurisse e Stéphane Varupenne) vão tratar de limpar e esvaziar a casa onde cresceu sua mãe — que, tomada por uma tristeza avassaladora, se afasta. A menina, então, passa a explorar as peças do lugar e também o bosque ao redor. É um modo de se conectar aos tempos de criança da mãe. De reencontrá-la por meio do faz de conta, da fantasia.
Dito assim, parece que Pequena Mamãe pode investir em alguma espécie de realismo mágico. Até investe, mas não em uma maneira hollywoodiana, grandiloquente. Não há flerte com o terror, tampouco a doçura é excessiva. E Céline Sciamma joga às claras com o espectador: compreendemos o que ocorre desde o momento em que Nelly encontra uma garota da mesma idade, Marion — que é encarnada pela irmã gêmea da atriz, Gabrielle Sanz.
Esse espelho funciona em diferentes níveis. Através de Marion, Nelly vai entender melhor a mãe e, quem sabe, aprender a acomodar melhor seus próprios sentimentos, não raro ambíguos. Por meio da relação lúdica estabelecida entre as duas meninas, nós, do lado de fora do filme, podemos refletir sobre o que nos liga e como nos ligamos uns aos outros (estamos mesmo conversando e ouvindo? estamos prestando atenção?), sobre o poder das brincadeiras e das ficções no manejo das dores e das angústias, sobre a herança afetiva e a permanência imaterial dos entes queridos que já partiram — a casa como um espaço a despertar lembranças, as sombras no quarto a sugerirem algum tipo de presença.