Lamb (2021), que estreou no finalzinho de fevereiro na plataforma de streaming MUBI, fecha uma trilogia informal de filmes recentes nos quais animais de fazenda têm um papel muito importante. A propósito, os três ótimos títulos têm o ritmo contemplativo associado à vida rural.
Primeiro, veio First Cow: A Primeira Vaca da América (2020), da diretora estadunidense Kelly Reichardt, que inclusive foi eleito pelos críticos da conceituada revista parisiense Cahiers du Cinèma o melhor da temporada francesa de 2021. Também disponível no MUBI (e, para aluguel, em Apple TV e Google Play), este filme requer do espectador um período de aclimatação. Após nos acostumarmos com o andamento paciencioso e o foco nas coisas comezinhas — um homem varrendo a casa ou colocando um vasinho com flor em uma prateleira, por exemplo —, vamos nos descobrir brindados por uma história cheia de sensibilidade (temperada entre o otimismo e a melancolia, entre a esperança e o fatalismo) e de ressonâncias. Uma história que se passa em 1820, mas que trata de temas ainda mais urgentes nos dias de hoje: a agressividade inata e o caráter predatório do capitalismo, o fosso entre os ricos e os pobres, a necessidade de cooperação e solidariedade, a importância de um convívio mais harmônico com a natureza.
A trama se passa no Estado do Oregon. Os personagens principais se conhecem por acaso: Otis "Cookie" Figowitz (interpretado por John Magaro), um cozinheiro que viaja na companhia de caçadores e garimpeiros, e o chinês King-Lu (Orion Lee), encontrado nu e em fuga de russos vingativos. Cookie acolhe e protege o imigrante, demonstrando, de partida, suas grandes virtudes: a empatia, o cuidado, o carinho.
A primeira vaca da América, do título brasileiro, é uma espécie de galinha dos ovos de ouro. Trata-se de um bovino trazido àquelas terras por um inglês rico encarnado por Toby Jones e chamado de Chief Factor — a referência a Factory, fábrica, em inglês, é evidente: esse personagem representa os grandes empresários que posam de civilizados (vide o fraque e a cartola), mas que visam apenas ao lucro e que tratam pessoas apenas como engrenagens. Nesse cenário, o único jeito de homens como Cookie e King-Lu sobreviverem e ascenderem é se arriscando, quem sabe enveredando pelo crime: eles enxergam a pioneira vaca da região como a fonte do leite que pode fazer a diferença — tanto no sabor quanto no retorno econômico — de bolos e biscoitos a serem preparados pelo padeiro e vendidos pela dupla.
Depois veio Pig: A Vingança (2021), em cartaz no canal Telecine do Globoplay e injustamente ignorado pelo Oscar — Nicolas Cage merecia uma indicação ao Oscar de melhor ator. É outro filme ambientado no Oregon, mas agora no tempo presente. Sob a direção de Michael Sarnoski, Cage interpreta o ermitão Rob, que mora em uma floresta na companhia de uma porca. Farejadora, ela é sua companheira na procura por trufas negras, um dos fungos comestíveis mais caros do mundo. O único contato de Rob com a sociedade se dá nas quintas-feiras, quando recebe a visita de seu comprador, Amir (Alex Wolff). São dois personagens opostos: o primeiro, bem mais velho, é um maltrapilho taciturno e de poucas palavras; o segundo, bem jovem, veste ternos elegantes, dirige um Camaro amarelo e garganteia seu suposto sucesso.
A transação não envolve dinheiro — o protagonista já abdicou disso, parece estar em estado de graça junto ao verde e à água e a distância dos demais seres humanos. A moeda de troca são apenas mantimentos, como aqueles com os quais Rob prepara pratos (torta rústica de cogumelos, rabanada da mamãe com escalopes desconstruídos) que batizam os capítulos.
O paraíso é sacudido por um incidente violento. Aí, quando outros elementos permitem apostar na execução de Pig como o filme de vingança sugerido pelo subtítulo nacional, a história se transforma. Contraria o padrão estabelecido pela franquia John Wick, por exemplo. Aqui, o passado não volta à tona em um banho de sangue, mas talvez em um rio de lágrimas. Michael Sarnoski apresenta uma surpresa atrás da outra, a cada camada mostrando mais beleza e tornando o filme, claro, mais profundo.
O mundo da gastronomia é apenas o cenário para discutir temas que incluem o processo de luto, o conflito entre liberdade artística e ambição financeira, a discrepância entre os sonhos que tínhamos e o status que queremos preservar, a comunhão com a natureza e necessidade de termos empatia nas nossas relações com as outras pessoas — sejam amigas ou não.
Agora chega Lamb. Representando a Islândia, o primeiro longa-metragem dirigido por Valdimar Jóhannsson ficou entre os 15 semifinalistas do Oscar de melhor filme internacional. Também recebeu um prêmio pela originalidade na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes e conquistou três troféus em Sitges, prestigiada competição espanhola de terror e fantasia: melhor filme, diretor estreante e atriz (a sueca Noomi Rapace, de Os Homens que Não Amavam as Mulheres e Prometheus).
Jóhannsson conta que se inspirou em memórias da infância, quando passava dias na companhia de seus avós, criadores de ovelhas. Com toques de terror folclórico e drama existencialista, a história se passa em uma fazenda, onde um casal sem filhos — Ingvar (Hilmir Snær Guðnason) e Maria (Noomi Rapace) — se vê às voltas com um misterioso bebê.
Sim, é um filhote de ovelha, como o título desta coluna entrega. Mas convém não revelar mais da sinopse. O que dá para dizer é que Lamb trata de como lidamos com o luto e das consequências que podemos sofrer quando desafiamos a vontade da natureza. E vale avisar que os 105 minutos de duração transcorrem vagarosamente, criando uma atmosfera asfixiante que combina com a gélida paisagem, até chegar a um clímax poderoso.