Ver John Wick 3: Parabellum (2019), em cartaz no Amazon Prime Video, me fez voltar no tempo. Ao acompanhar o terceiro capítulo da franquia que devolveu Keanu Reeves, hoje com 54 anos, ao estrelato, senti-me como se fosse novamente o adolescente que ia à saudosa TV3 para alugar fitas de videocassete. Entre um Hitchcock e um Kubrick, não raro levava junto um filme pornô (os hormônios! os hormônios!), que era assistido no modo fast-forward: pulava a história – força de expressão – para as cenas de ação.
É o que Parabellum pede.
As duas horas e 11 minutos dirigidas por Chad Stahelski, um ex-dublê, só valem pelas cenas de ação – e aqui não é eufemismo. Aliás, os mais puritanos podem ficar sossegados: não há qualquer tipo de insinuação sexual. Nem mesmo um beijinho é trocado. A única pornografia é a da violência, explícita, ainda que estilizada, e mecânica: corpos e mais corpos vão sendo consumidos, até o ponto de murchar a volúpia despertada nas coreografias iniciais – verdade seja dita, as brigas em um antiquário e em uma biblioteca são alucinantes. O efeito da exposição incessante é dessensibilizador, diferentemente do que ocorre, por exemplo, em Drive (2011), em que a brutalidade irrompe de forma gradativa em meio à poesia visual, bagunçando nossos sentimentos para com o protagonista (e o próprio filme).
O respiro entre uma pancadaria e uma matança acrescenta alguns elementos à mitologia em torno do personagem-título, o ex-assassino profissional que Reeves começou a encarnar em John Wick – De Volta ao Jogo (2014), coassinado por Stahelski e David Leitch. Mas, nesses momentos, não há praticamente nada que mereça nossa atenção. Fora os de abertura, nenhum diálogo chega a ser necessário para a compreensão da trama – John está em fuga depois de ter quebrado uma regra: tirar uma vida dentro do território neutro e luxuoso administrado por Winston (Ian McShane), o Hotel Continental, em Nova York (esses eventos foram narrados em John Wick 2, de 2017). Um prêmio de US$ 14 milhões foi oferecido pela cabeça do protagonista, que passa a ser caçado por toda sorte de matadores de elite.
Como se fosse um astro pornô que transa com várias atrizes no mesmo filme, John terá de mostrar diferentes habilidades. Vai brigar corpo a corpo, vai lutar com espada (sem trocadilho), vai até usar um cavalo como aliado. E, claro, vai brincar com armas de fogo, esse inescapável símbolo fálico. Tal qual um garanhão que nunca falha, o suposto herói vai disparar a torto e a direito, inclusive em uma piscina.
Como em um "bom" filme pornô, os atores falam pouco e limitam-se a algumas frases de efeito, volta e meia realçadas por letreiros na tela. E olha que o elenco de Parabellum inclui duas atrizes ganhadoras do Oscar, Anjelica Huston e Halle Berry, mas elas surgem e desaparecem repentinamente. Tornam-se meras coadjuvantes: Anjelica da primeira exibição de crueldade do vilão Zero (interpretado com gosto por Mark Dacascos), Halle de seus cães treinados, que dão show ao atacar bandidos em ruas e telhados – isso mesmo, cachorros escalam telhados! – do Marrocos.
Por falar no país africano, John Wick 3, tipo uma superprodução pornográfica, investe em cenários exóticos ou suntuosos. Vide a ambientação do Hotel Continental, onde também transparece uma estética de barbearia hipster que, dependendo do seu estado de espírito, pode ser encarada como bem-humorada ou pretensiosa: o protagonista usa barba cuidadosamente aparada, ternos escuros e gravata, telefones analógicos, daqueles de discar, disparam mensagens para celulares, funcionárias dessa "repartição de assassinos" conjugam braços tatuados com penteados dos anos 1950.
Essa embalagem empresta um verniz de elegância ao massacre perpetrado por John Wick e assistido por um bocado de gente no cinema (Parabellum arrecadou US$ 326 milhões, e a franquia, que terá um quarto título em 2021, já soma US$ 579 milhões nas bilheterias). Juro que tentei contar quantos carinhas ele matou (50, cem, 300?), não raro atirando muitas vezes no rosto dos oponentes. Mas não consegui acompanhar o ritmo – e não tenho vontade de rever, mesmo que no modo fast-forward.