Certa vez, uma leitora fez uma queixa que não pude rebater: indico poucos romances na coluna (embora morra de amores por comédias românticas como Questão de Tempo).
Pretendo limpar minha barra com a lista deste fim de semana. Reuni 10 filmes da era 2000 que destacam relações amorosas e que estão disponíveis em plataformas de streaming.
Convém avisar que nem sempre o final é feliz — como na vida, né? E alguns títulos sequer se enquadram no gênero como o conhecemos. Mas todos são marcados pelo signo da paixão, ora avassaladora, ora impossível, ora terna, ora trágica.
Amor à Flor da Pele (2000)
O chinês Wong Kar-Wai dirige um dos mais belos filmes tristes e talvez o mais sexy sem ter cena de sexo. Na Hong Kong, no início dos anos 1960, ele acompanha o romance não consumado entre dois vizinhos, um homem (Tony Leung Chiu-Wai, melhor ator no Festival de Cannes) e uma mulher ( Maggie Cheung), cujos cônjuges estão tendo um caso. (MUBI)
Match Point (2005)
Indicado ao Oscar de roteiro original, o suspense de Woody Allen substitui a tradicional trilha de jazz de suas comédias românticas por árias de ópera, gênero que sempre associou desejo sexual a fatalidade. E, em vez de Nova York, estamos em Londres, onde um ex-tenista (Jonathan Rhys-Meyers) fica dividido entre suas ambições — o casamento com uma mulher rica (Emily Mortimer) — e seus desejos: a amante vivida por Scarlett Johansson. Na solução do conflito, Allen mistura duas influências, a tragédia grega e o romance russo, e retoma temas como limites morais, culpa, falta de coragem para a renúncia e a existência ou não de uma justiça maior. (Amazon Prime Video e Globoplay)
Wall-E (2008)
Uma das animações mais políticas da Pixar é também uma das mais românticas. No filme de Andrew Stanton, a Terra de 2805 já foi abandonada pelos humanos, que deixaram para trás apenas um planeta imerso em lixo. O personagem do título é um pequeno robô, que vive solitário em sua missão de limpar o que ficou. Aí, uma nave traz a avançada robô EVA, que veio procurar sinais de vegetação e vira objeto da afeição de Wall-E. Ganhou o Oscar, o Bafta e o Globo de Ouro da categoria. (Disney+)
Drive (2011)
Assinado pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn (prêmio de melhor direção no Festival de Cannes), o filme é um sofisticado exercício estilístico sobre um arquétipo recorrente em Hollywood: o do homem calado e calejado, às vezes travestido de justiceiro, noutras de criminoso, não raramente mocinho e bandido na mesma persona. O protagonista encarnado pelo canadense Ryan Gosling não tem nome. Ganha a vida pilotando carrões para bandos de assaltantes em fuga ou como dublê em cenas de perseguição em produções cinematográficas. É um sujeito deslocado, que se apega a uma jovem mãe (a inglesa Carey Mulligan) sem entender ao certo o que sente. Mas é por ela que se envolve numa ciranda típica dos filmes de roubo, em que um erro sucede o outro e a violência explode. Só que, quando isso acontece, já estamos embarcados na carona, embalados pela trilha sonora e admirando a paisagem produzida pela combinação de visual retrô, fusões de imagens e cenas em câmera lenta. (Amazon Prime Video, Belas Artes à La Carte, Globoplay e Netflix)
Ferrugem e Osso (2012)
O diretor francês Jacques Audiard mesclou dois contos do canadense Craig Davidson para contar a história de como Stéphanie (interpretada por Marion Cotillard) e Ali (Matthias Schoenaerts) se encontram. Ele é um ex- boxeador desempregado que precisa cuidar do filho de cinco anos. Ela é uma adestradora de orcas que enfrenta um momento divisor em sua vida. Em ZH, o crítico Daniel Feix descreveu assim Ferrugem e Osso: "É um filme essencialmente físico, que contrapõe beleza e violência, delicadeza e selvageria, como a dizer o quão próximos são nossa fragilidade e nossa força, o fundo do poço e a redenção". A destacar, também, a trilha sonora com músicas de Lykke Li, Bon Iver, Katy Perry e Bruce Springsteen. (Apple TV e Google Play)
Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016)
Oscar de melhor filme — foi o primeiro com elenco todo negro e o primeiro LGBT+ a conquistar a estatueta —, roteiro adaptado e ator coadjuvante (Mahershala Ali), o drama dirigido pelo estadunidense Barry Jenkins acompanha três fases da vida do protagonista: criança, quando é apelidado de Little (Alex Hibbert), adolescente, quando se chama Chiron (Ashton Sanders), e jovem adulto, quando se apresenta como Black (Trevante Rhodes). Sua trajetória é acidentada, marcada pela negligência da mãe, pelo uso de drogas, pela pobreza, pela violência, pelo racismo estrutural e pelo preconceito — a sexualidade que o personagem está descobrindo e que mal compreende é rejeitada por sua comunidade. Como o emprego de três nomes indica, Moonlight é uma história sobre busca da identidade. Mas também é uma linda história de amor — sufocado e sofrido, mas que perdura e sobrevive. (HBO Max, Apple TV e Google Play)
Pássaros de Verão (2018)
A sinopse do filme dirigido por Cristina Gallego e Ciro Guerra diz: no início da produção em massa de maconha na Colômbia, uma família de indígenas se envolve numa guerra pelo controle do tráfico de drogas. Mas logo fica nítida a ambição antropológica: mais do que contar uma história policial, os cineastas reconstituem o encontro fatal dos povos indígenas com a chamada " civilização". Os principais personagens são Wayuu já aculturados, mas que preservam uma série de tradições — por exemplo, a de confinar moças como Zaida (Natalia Reyes) durante um ano até que possam ser apresentadas como mulheres à aldeia. É por ela que se apaixonará Rapayet (José Acosta), mas ele não dispõe de recursos para o dote exigido para o casamento — vacas, cabras, colares. Com um amigo negro, Moncho, percebe uma oportunidade de ascensão no emergente mercado das drogas. (Amazon Prime Video, Looke e Google Play)
Atlantique (2019)
O mar é um personagem tão importante quanto a forte protagonista deste filme do Senegal que recebeu o Prêmio do Júri no Festival de Cannes.
Suas ondas podem prenunciar o infortúnio ou trazer a esperança, sua imensidão simboliza o tamanho de um amor ou a extensão de um sistema opressor para com as mulheres, sua cor inspira a fotografia, com azuis e verdes predominando, seus sons acalmam, hipnotizam, seduzem. É à beira do Oceano Atlântico que a diretora Mati Diop entrelaça romance, crítica social e generosas pitadas de horror e do cinema fantástico — um casamento feliz entre a realidade quase documental e o realismo mágico. Casamento feliz é o que não aguarda Ada (interpretada por Mame Bineta Sané), prometida ao rico Omar (Babacar Sylla), mas apaixonada pelo pobre Souleiman (Ibrahima Traoré), um dos tantos operários que trabalham para erguer uma torre em Dacar enquanto sonham com a perigosa travessia para a Europa. (Netflix)
Rainha de Copas (2019)
Da Dinamarca, um dos países onde há o menor índice de desigualdade social e a maior qualidade de vida, surgem filmes que mostram personagens afligidos por dilemas morais, aturdidos por segredos de família, hostilizados pela sociedade e, não raro, atolados em encrencas nas quais eles mesmo se colocam. É o caso da protagonista do longa da diretora May el-Toukhy, Anne (interpretada por Trine Dyrholm), uma bem-sucedida advogada especializada em defender adolescentes vítimas de abuso sexual ou violência doméstica que acaba se envolvendo com o jovem enteado, Gustav (papel de Gustav Lindh). Vencedor do Prêmio do Público no Festival de Sundance ( EUA), Rainha de Copas segue ou adapta algumas das 10 regras estipuladas no manifesto do Dogma 95. Os personagens parecem pessoas reais flagradas em afazeres bem rotineiros ou em momentos delicadíssimos, diante dos quais somos costumeiramente instigados a imaginar como reagiríamos. E não há pudor em relação ao sexo: se ele tem de acontecer para o desenvolvimento da trama, será mostrado sem artifícios. (Looke, Apple TV, Google Play e YouTube)
Retrato de uma Jovem em Chamas (2019)
Este filme escrito e dirigido pela francesa Céline Sciamma se passa em uma ilha, em 1776, quando uma pintora (Noémie Merlant) é contratada para fazer o retrato de uma garota (Adèle Haenel) prometida em casamento para um cavalheiro de Milão. A artista e a musa se apaixonam, mas esse romance precisa ser nutrido em silêncio. Aliás, o som ambiente é uma das virtudes da obra vencedora do prêmio de melhor roteiro e da Palma Queer no Festival de Cannes. O crepitar de uma lareira ou o estouro das ondas marcam cenas — o fogo como símbolo do desejo que cresce, o mar bravio como símbolo da perturbação emocional das personagens. (Globoplay, Apple TV e Google Play)