Adrian Lyne. O nome do diretor de Águas Profundas (Deep Water, 2022), filme com Ana de Armas e Ben Affleck lançado na sexta-feira (18) pelo Amazon Prime Video, pode atiçar o público que frequentava as videolocadoras e os cinemas de calçada. Britânico que fez carreira nos Estados Unidos, o cineasta ficou célebre nas décadas de 1980 e 1990 por obras carregadas de erotismo, não raro combinando sexo com perigo, sexo com crime, sexo com traição, sexo com crise, e envernizadas por uma estética definida como publicitária (apostava na embalagem e em frases de efeito para vender suas ideias).
São dele Flashdance (1983), 9 ½ Semanas de Amor (1986), Atração Fatal (1987) — indicado a seis Oscar, incluindo melhor filme, direção e atriz (Glenn Close) —, Proposta Indecente (1993), uma nova adaptação de Lolita (1997) e Infidelidade (2002). Nesses títulos, Lyne praticou uma espécie de escândalo moralista: em geral, o comportamento sexual dos personagens acaba castigado.
Duas décadas depois de seu último trabalho, Lyne, 81 anos completados em 4 de março, resolveu mostrar que ainda tem gás. Com roteiro assinado por Zach Helm (de Mais Estranho que a Ficção) e Sam Levinson (da série Euphoria e do filme Malcolm & Marie), Águas Profundas é uma adaptação do romance homônimo publicado por Patricia Highsmith em 1957 (no Brasil, a edição mais recente saiu como Em Águas Profundas). A trama original tem os elementos típicos da filmografia do diretor.
Affleck (visto recentemente em O Último Duelo e em Bar, Doce Lar, pelo qual disputou o Globo de Ouro de ator coadjuvante) e De Armas (de Entre Facas e Segredos e 007: Sem Tempo para Morrer) — que nos bastidores engataram um romance, já terminado — interpretam Vic Van Allen e Melinda. Milionário graças ao desenvolvimento de um chip utilizado em drones militares, ele dedica-se a editar uma revista artística, a criar caracóis e a cuidar da filha pequena do casal, Trixie (Grace Jenkins). Melinda é um espírito livre e indomável: passa as noites na balada e está sempre envolvida com um novo "amigo", como o jovem Joel (Brendan C. Miller) e o pianista Charlie De Lisle (Jacob Elordi). As aventuras sexuais são consentidas por Vic, que, por não querer enfrentar o estresse de um divórcio, age como uma espécie de voyeur da própria esposa.
O drama sobre a deterioração e a hipocrisia das relações amorosas logo ganha as formas de um thriller erótico, ainda que em voltagem baixa: há menos transas do que se poderia imaginar. Como se precisasse provar para si mesmo que não virou uma lesma, Vic deixa aflorar seu ciúme e começa a afugentar os amantes de Melinda, ameaçando-os com o mesmo destino do desaparecido — e provavelmente morto — Martin McCrae. Será que Vic tem culpa no cartório?
Para usarmos jargões do gênero, os melhores momentos de Águas Profundas estão em suas preliminares. Nelas, Adrian Lyne retoma outras marcas de sua filmografia, como o retrato infantilizante dos ricaços, mas em uma versão um pouco menos cruel. Se em 9 ½ Semanas de Amor o personagem de Mickey Rourke promove um jogo sádico com Kim Basinger e em Proposta Indecente Robert Redford se diverte com as dificuldades financeiras do casal formado por Demi Moore e Woody Harrelson, aqui a elite — nunca vista trabalhando — é flagrada em inocentes brincadeiras de criança em volta de uma piscina. Quando surge um problema de adulto para resolver, se atrapalha toda. O cineasta ri desses tipos patéticos — não à toa, escalou para seu núcleo atores com traquejo para a comédia, como Lil Rel Howery (de Amizade de Férias e Free Guy) e Rachel Blanchard (da série Eu Tu Ela). E não por acaso, a pessoa mais inteligente parece ser uma criança, Trixie, cuja presença gera um estado de apreensão no espectador — o quanto ela será afetada pelo estilo de vida de Melinda e pelas brigas do casal? — que acaba não sendo muito explorado pelo filme (para o bem ou para o mal).
O arranjo entre Vic e Melinda permite a Lyne voltar a explorar o sexo como arena para disputas de poder e manipulação psicológica. É um terreno delicado, perigoso e instável: marido e esposa ora parecem inimigos irreconciliáveis, ora parecem cúmplices um do pecado do outro. Nesse sentido, Águas Profundas pode soar como um avanço em relação ao pendor moralista do diretor. Por outro lado, permanecem em cena a objetificação da mulher — a câmera, aproveitando-se da atitude voyeurística do personagem de Ben Affleck, caça e demora-se no corpo de Ana de Armas (que em 2022 será Marilyn Monroe na cinebiografia Blonde) —, a noção de que maridos têm a "posse" das esposas (vide o diálogo em que o coadjuvante encarnado por Howery diz a Vic que Melinda precisa de "rédea curta") e a associação entre agressividade masculina e tesão feminino.
Para além dessas questões, o prazer de assistir a Águas Profundas vai minguando à medida que o filme se despe das sedutoras camadas de dúvida. Quanto mais explícito, mais previsível. Quanto mais se torna físico, menos parece tangível.