Estrelado por Daisy Edgar-Jones e Sebastian Stan e lançado recentemente pela plataforma de streaming Star+, Fresh (2022) é um filme que caberia bem em um Fantaspoa — cuja 18ª edição será realizada de 15 de abril a 1º de maio.
Pelo menos para os padrões dos Estados Unidos, seu país de origem, é uma produção independente — o orçamento ficou entre US$ 15 milhões e US$ 20 milhões, dentro dos limites estabelecidos pelos prêmios Film Independent Spirit e Gotham.
Traz a assinatura de uma diretora estreante (Mimi Cave), duas condições que, combinadas ou separadamente, são comuns no Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre. Em 2020, por exemplo, tivemos Zana, a primeira ficção da kosovar Antoneta Kastrati, Barry Fritado, o primeiro longa do sul-africano Ryan Kruger, e Pedra, Papel e Tesoura, estreia da argentina Macarena García Lenzi, na companhia de Martín Blousson, que até então só havia feito um documentário. No ano passado, Bloodshot Heart, do australiano Parish Malfitano, Jumbo, da belga Zoé Wittock, Black Medusa, da dupla tunisiana Youssef Chebbi e Ismaël, e A Cabeleireira, da estadunidense Jill Gevargizian.
Seus dois atores principais, a inglesa Daisy Edgar-Jones (das séries Normal People e War of the Worlds), e o romeno-estadunidense Sebastian Stan (o Soldado Invernal da Marvel e coprotagonista da minissérie Pam & Tommy), não têm pudores para abraçar o bizarro, como as personagens de Noèmie Merlant e Narjara Towsend, respectivamente, nos já citados Jumbo e A Cabeleireira.
Por fim, o filme arrisca-se à mescla de gêneros — no caso, o suspense policial, o terror e a comédia — que é característica do evento, vide o argentino História do Oculto, o cazaque A Dark, Dark Man e o taiwanês Get the Hell Out (todos exibidos em 2021).
Fresh também tem parentesco com Bela Vingança (2020), que valeu a sua diretora, a inglesa Emerald Fennell, o Oscar de melhor roteiro original (e há quem considere o filme de Mimi Cave primo de Corra!, de Jordan Peele). Ambos têm como tema a cultura do estupro, mas trabalhando com uma abordagem sarcástica (o roteiro de Fresh é de Lauryn Kahn, que tem 10 anos de experiência escrevendo curtas e esquetes cômicos) e uma estilização visual — aqui, o mérito se divide entre o diretor de fotografia Pawel Pogorzelski (de Hereditário e Midsommar), que tempera as imagens com cores quentes e convidativas, o editor Martin Pensa (indicado ao Oscar por O Clube de Compras Dallas), preciso nos cortes, e a equipe de cenografia e decoração. A trilha sonora também é escolhida a dedo, com lugar para pérolas oitentistas (Obsession, do Animotion) e sucessos noventistas (Restless Heart, de Peter Cetera), breguices (Endless Summer Nights, de Richard Marx) e obscuridades (Citrus Light, dos islandeses Sin Fang, Sóley & Örvar Smárason).
Você já reparou que o texto deu voltas sem dizer nada do enredo de Fresh. É que este é um prato que, quanto menos soubermos de seus ingredientes, mais poderemos degustá-lo.
Mas também pode ser que nos repugne.
É que Fresh não tem vergonha de ser franco (ou seria absurdo?) na sua metáfora sobre a violência sexual e a objetificação da mulher. As cenas não chegam a ser grotescas (na verdade, o caráter sedutor delas potencializa a crítica) e evitam ao máximo a exploração sádica — afinal, esta é uma perspectiva feminina.
As iscas são jogadas na primeira meia hora de filme, que transcorre como se fosse uma comédia romântica: mostra a aproximação de Noa (Daisy Edgar-Jones), uma jovem já desencantada dos encontros marcados via aplicativos, com Steve, o personagem interpretado por Sebastian Stan. Quando enfim aparecem os créditos de abertura, a mesa já está servida. A diretora Cave e a roteirista Kahn apostam no apetite do espectador por um pouco de sangue e um pouco de humor — e a dupla sabe o momento de acentuar o sabor de um em detrimento do outro.