Diante da polêmica causada por uma cena com Fábio Porchat que supostamente faria apologia à pedofilia, resolvi assistir a Como se Tornar o Pior Aluno da Escola (2017), filme baseado em livro de Danilo Gentili que teve sua remoção das plataformas de streaming — Globoplay, Netflix, Telecine, Apple TV, Google Play e YouTube — determinada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública nesta terça-feira (15).
A comédia adolescente é dirigida por Fabrício Bittar, que trabalhou com Gentili também na série Politicamente Incorreto (2014) e no filme Os Exterminadores do Além Contra a Loira do Banheiro (2018). O protagonista interpretado por Daniel Pimentel, Pedro, aluno do nono ano no colégio de elite Albert Einstein, enfrenta uma crise de rendimento escolar. O caso mais crítico é na disciplina de matemática: se não tirar 10 na última prova, vai rodar. O futuro, diz o senso de humor difamante e humilhante de Gentili, é virar lixeiro.
A esperança de Pedro é aprender — mas a colar. Na companhia do seu melhor amigo, o colega de aula Bernardo (Bruno Munhoz), ele parte à procura do dono de um antigo caderno cheio de dicas para atazanar estudantes, professores e a direção, mas do qual foram arrancadas as folhas com as técnicas de cola.
A primeira parada da dupla é na casa do personagem encarnado pelo comediante Porchat, o pedagogo Cristiano. Ele repreende Pedro por preferir colar do que estudar e ameaça denunciar essa intenção tanto para os pais do guri quanto para a direção da escola. Os dois amigos entram em atrito, então Cristiano faz uma proposta indecente:
— A gente esquece o que aconteceu, e, em troca, vocês batem uma punheta pro tio.
A coisa não para por aí. Cristiano abre a braguilha e, enquanto Pedro e Bernardo seguem discutindo, puxa a mão do segundo para tocar em seu pênis. Não é nada explícito: uma montagem rápida com desenhos em folhas de caderno mostra símbolos associados à masturbação (cinco contra um, descascar banana), depois uma mão sendo cortada e Bernardo vomitando (representações do asco provocado pela situação). Quando a imagem volta a ser dos atores, o menino, com cara de nojo, queixa-se de um detalhe anatômico antes de fugirem.
A cena é ruim? A piada é de mau gosto? É, mesmo dentro do contexto — Cristiano é um escroto. Um falso moralista (e que mais tarde voltará a aparecer em mais uma cena ruim, fazendo mais piadas de mau gosto). Mas tendo a concordar com Fábio Porchat, que disse em entrevista ao jornal O Globo: "Quando o vilão faz coisas horríveis no filme, isso não é apologia ou incentivo àquilo que ele pratica, isso é o mundo perverso daquele personagem sendo revelado. Às vezes é duro de assistir, verdade".
Duro de assistir é o filme inteiro.
A boa direção de fotografia assinada por Eduardo Makino, ganhador do Kikito da categoria, no Festival de Gramado, pelo curta A Despedida (2014), e a edição dinâmica de Bruno Nunes, que trabalhou no programa Pânico na Band entre 2008 e 2017, não evitam que pareçam intermináveis os 106 minutos de Como se Tornar o Pior Aluno da Escola.
Comédia é um gênero tão difícil quanto multifacetado, porque uns gostam de humor pastelão ou escatológico, outros preferem algo mais sofisticado, intelectual, e há até quem não se incomoda quando as piadas atacam minorias e grupos que convivem com a exclusão e o preconceito. Produtor do filme, coautor do roteiro e intérprete do personagem Pior Aluno, Danilo Gentili investiu em piadas sobre peido, cocô, álcool e sexo (em uma festa para adultos, os adolescentes Pedro e Bernardo tomam litros de cerveja e espumante e limpam com a boca — presume-se — o chantilly dos seios de uma coelhinha da Playboy) e elegeu como seus principais alvos o politicamente correto e, sobretudo, a escola.
No começo da trama, Pedro descobre um "baú do tesouro" que inclui os hoje proibidos cigarrinhos de chocolate e apetrechos para pregar peças perigosas em colegas de aula. A nostalgia é reforçada pelo emprego, na trilha sonora, de We're Not Gonna Take It (1984), canção da banda Twisted Sister que virou um símbolo da rebeldia adolescente. Esse saudosismo de tiozão revela-se perverso quando o personagem de Gentili faz apologia não da pedofilia, mas do bullying — como se apelidos pejorativos, por exemplo, ajudassem positivamente na formação do nosso caráter, da nossa personalidade, do nosso eu adulto.
— Se você não aprender a rir de si mesmo — "ensina" o Pior Aluno — fica tranquilo que lá fora tem um monte de gente que vai fazer isso por você. E você não deve se preocupar com quem te coloca apelido e ri na sua cara, não. Você deve se preocupar é com esse pessoal, esses caga-regras aí. Antibullying... Ai, não pode botar apelido... Eles, sim, quando olham para você enxergam um ser inferior, incapaz de se defender, de ter senso de humor e de ser inteligente o suficiente para rir de si próprio.
A cena faz lembrar o que a cartunista Laerte disse em entrevista concedida a GZH em junho de 2016: "O humorista precisa lidar hoje com uma situação em que setores da sociedade que recebiam discursos agressivos e ridicularizadores com muita passividade não estão mais passivos. Aquilo que o Renato Aragão falou, de que antigamente se falava de preto e de veado e não havia problema algum... Claro que havia! Tinha problema sim, mas naquela época as pessoas achavam que não podiam reagir. Hoje podem. Isso não é um problema. Isso é bom".
As minorias, de modo geral, são poupadas em Como se Tornar o Pior Aluno da Escola: a munição está voltada para a escola como instituição. O personagem de Gentili promete transformar Pedro e Bernardo em "piratas nesse mar de chatice do oceano poluído chamado de escola". Seu discurso de que "estudar é triste" e, no fundo, "não serve para nada" alia-se à representação negativa dos professores: todos são mostrados como ultrapassados, cruéis, pernósticos, hipócritas, inúteis. A graça é desrespeitá-los e vandalizar o ambiente — a mãe de Pedro chega a curtir os 15 minutos de fama por ter aparecido na TV após o filho explodir os banheiros do colégio. É uma mensagem no mínimo complicada em um país onde o ensino já é tão desvalorizado e tão precarizado.
A gente assiste a todo esse exercício de hedonismo esperando um final que ofereça algum tipo de, vamos dizer, lição de moral, que aplique algum tipo de lei do retorno. Ou quem sabe que mostre ter sido tudo um sonho. Mas não: foi tudo um pesadelo mesmo.
Faltou termos levado mais a sério a piada em que o Pior Aluno quebra a quarta parede e fala ao espectador:
— Isso aqui não é um filme. Se fosse, acho que só um idiota pararia para assistir.