Neste ano, consegui conciliar a temporada do Oscar com as estreias de séries novas nas plataformas de streaming.
Entre as que assisti ou estou assistindo, sinto que algumas vão aparecer nas indicações para a 74ª edição do Emmy, o mais importante prêmio da TV estadunidense, marcada para o dia 18 de setembro.
Separei sete seriados ou minisséries que recomendo muito. Clique nos links para ler mais.
The Dropout (2022)
A minissérie em oito episódios — o quinto será lançado nesta quinta-feira (17) — conta a história de Elizabeth Holmes (brilhantemente interpretada por Amanda Seyfried), fundadora do laboratório Theranos, que prometia revolucionar a indústria dos exames de sangue, mas acabou se revelando uma fraude bilionária. Criada por Elizabeth Meriwether, a mesma da série cômica New Girl (2011-2018), The Dropout enceta uma comparação inevitável com a recente Inventando Anna (Netflix): as duas minisséries são mais ou menos contemporâneas; as duas protagonistas são mulheres brancas com autoconfiança, energia e talento para a mentira, trinômio que abriu portas no mundo dos negócios e na alta sociedade; ambas cultivam excentricidades (a jovem golpista Anna Sorokin tem um sotaque indetectável, Elizabeth emprega uma voz grave e baixa quando quer proferir uma frase de efeito); e as duas obras mostram como seus castelos de areia desmoronaram.
Mas Inventando Anna é longa e enrolada demais, parecendo mais interessada na lenda do que na pessoa. The Dropout, embora recorra a flashbacks, vai direto ao ponto. O foco está na pressa de Elizabeth Holmes para conquistar algo, no seu narcisismo, no seu desconforto para o convívio social, na sua mistura desequilibrada de faro, desespero, garra juvenil e falta de escrúpulos. Uma personagem muito mais humana do que aquela de Inventando Anna e que há de levar Amanda Seyfried a sua primeira indicação no Emmy. (Star+)
Lakers: Hora de Vencer (2022)
Esta é a mais novinha da lista: estreou no dia 6 de março e terá 10 episódios, um a cada domingo (há a expectativa de que ganhe uma segunda temporada). Inspirada no livro Showtime, do jornalista Jeff Pearlman, foi criada por Max Borenstein — um dos roteiristas dos filmes com Godzilla e coautor da série The Terror (2018-2019) — e Jim Hecht. Hora de Vencer reconstrói a história do Los Angeles Lakers a partir de sua aquisição, em 1979, por Jerry Buss (interpretado por John C. Reilly), um excêntrico homem de negócios que quer transformar o basquete em um espetáculo tanto dentro como fora das quadras. O elenco de personagens inclui os jogadores Earvin "Magic" Johnson (encarnado por Quincy Isaiah), Kareem Abdul-Jabbar (Solomon Hughes) e Norm Nixon (DeVaughn Nixon, filho do ex-atleta) e os treinadores Jerry West (Jason Clarke) e Pat Riley (Adrien Brody).
A história começa pelo que parece ser o fim da jornada: a descoberta, em 1991, de que Magic Johnson era soropositivo, o que provocou o interrompimento de sua carreira, após cinco títulos conquistados em nove finais da NBA, a liga norte-americana de basquete. O primeiro episódio tem direção do cineasta Adam McKay (e o segundo, do ator Jonah Hill), que imprime seu estilo. Os atores quebram a quarta parede, falando diretamente com o público (apesar de já ser bem conhecido, o recurso ainda pode ser desconcertante e fascinante), textos se sobrepõem às imagens, e há aquela característica mistura de comédia ácida, drama e comentário sócio-político-econômico — na estreia, um tema forte foi o racismo (como visto também no documentário Briga na NBA, da Netflix). (HBO Max)
Nossa Bandeira é a Morte (2022)
Com 10 episódios na primeira temporada — o sétimo e o oitavo vão ao ar nesta quinta-feira (17) —, a série faz uma abordagem do universo dos bucaneiros e dos corsários muito mais cômica (ainda que tenha momentos dramáticos e algum derramamento de sangue) do que aquela vista na franquia cinematográfica Piratas do Caribe (2003-2017). Os responsáveis por Nossa Bandeira É a Morte têm experiência em cruzar a comédia com outros gêneros. David Jenkins, o criador, é o mesmo do seriado People of Earth (2016-2017), sobre um grupo de apoio a pessoas que foram abduzidas por alienígenas. Taika Waititi, que dirige o piloto, é produtor executivo e interpreta o Barba Negra, traz no currículo O que Fazemos nas Sombras (2014), um falso documentário sobre o mundo dos vampiros, Thor: Ragnarok (2017), uma versão mais humorística do Deus do Trovão, e Jojo Rabbit (2019), que, sem esquecer dos horrores do nazismo, satiriza Hitler.
A obra é inspirada em um personagem real, Stede Bonnet (vivido por Rhys Darby), um aristocrata de Barbados, no Caribe, que abandonou seus privilégios, sua esposa e seus filhos para viver uma vida de pirata. Sem traquejo para a truculência — ele se autointitula Pirata Cavalheiro e chega a ler histórias para seus subordinados dormirem —, Stede precisa provar sua capacidade para o cargo. Em pelo menos um episódio, o quinto, sua bagagem cultural fará toda a diferença. (HBO Max)
Pam & Tommy (2022)
Já concluída, a minissérie em oito capítulos criada por Robert Siegel reconstitui um dos primeiros e mais célebres vazamentos de vídeo íntimo de celebridades, ocorrido entre 1995 e 1997. No caso, uma transa entre a atriz e modelo Pamela Anderson, estrela do seriado Baywatch (no Brasil, S.O.S. Malibu), e o roqueiro Tommy Lee, baterista da banda glam metal Mötley Crüe. Na era das redes sociais, da fama instantânea e do compartilhamento de tudo _ inclusive do chamado revenge porn (pornografia de vingança) e de seu oposto, a publicação supostamente acidental com intuito marqueteiro —, pode ser difícil medir o impacto da divulgação daquelas cenas de sexo. Mas Pam & Tommy é muito eficiente em contextualizar o espectador e retratar como, em um ambiente machista e moralista, a invasão de privacidade transformou Pamela de queridinha a pária e alvo do deboche.
Pamela é interpretada por uma atriz insuspeita para o papel: a inglesa Lily James, protagonista de Cinderela (2015) e coadjuvante de Yesterday (2019). O extraordinário trabalho de caracterização inclui maquiagem, peruca, bronzeamento artificial e seios falsos, treinamento vocal para encontrar o timbre certo e uma mescla de sensualidade e doçura, ímpeto e resignação. Tommy é encarnado pelo romeno-estadunidense Sebastian Stan, o Soldado Invernal do Universo Cinematográfico Marvel. A metamorfose física — o ator escureceu os cabelos, os olhos (com lentes de contato), os cílios e as sobrancelhas, além de cobrir o corpo com tatuagens temporárias e colocar piercings em mamilos protéticos — contribui para o lado sentimental, realçando o romantismo sui generis do músico, sua imprevisibilidade e seu pendor para a intimidação e a babaquice. (Star+)
Reacher (2022)
Cérebro e músculos se harmonizam na série em oito episódios que, graças ao sucesso imediato de público, foi renovada para uma segunda temporada. É baseado no livro Dinheiro Sujo (Killing Floor, 1997), a aventura inicial das 22 já protagonizadas por Jack Reacher, personagem criado pelo escritor Lee Child. Trata-se de um militar aposentado que passou a viver como um nômade, pagando tudo em dinheiro e não deixando qualquer tipo de rastro digital (não tem celular nem redes sociais). Interpretado por Alan Ritchson, Reacher é um brutamontes com QI extraordinário, uma espécie de Sherlock Holmes marombado. Sua atenção aos detalhes possibilita deduções desconcertantes. O bacana é que a série não recorre a flashbacks para revelar esses detalhes: estavam à tona o tempo todo, ainda que o espectador possa não ter percebido. O que nosso herói faz é amarrá-los para traçar um perfil psicológico ou montar uma tese investigativa.
Reacher também tem senso de humor — às vezes involuntário, como quando emprega sua lógica implacável em situações nas quais um pouco de tato cairia bem (só que ele não se furta de mentir se seu instinto protetor recomendar a omissão ou a invenção). E Reacher é dado a prazeres culturais e gastronômicos. É à procura de informações sobre um lendário músico de blues, Blind Blake (1896-1934), que ele vai parar na fictícia cidadezinha de Margrave, na Geórgia. Quando está prestes a experimentar a famosa torta de pêssego de uma cafeteria local, a polícia chega e prende o protagonista. A acusação? O bárbaro homicídio a que assistimos na abertura da série. Mas há um problema: o gerente de câmbio em um banco também assume a autoria do crime. (Amazon Prime Video)
Ruptura (2022)
Com nove episódios na primeira temporada — o sexto sai nesta sexta (18) —, é uma espécie de cruza entre The Office (2005-2013), Black Mirror (2011-2019) e Homecoming (2018-). A porção comédia de escritório puxa mais para o humor absurdo ou mesmo para o riso nervoso; a ficção científica espelha inquietações reais, com novas tecnologias potencializando anseios, crises e vícios da sociedade contemporânea; e há drama e suspense por conta de algum tipo de lavagem cerebral. Criada pelo estreante Dan Erickson e dirigida por Ben Stiller, Ruptura gira em torno de uma empresa, a Lumon, que descobriu uma maneira de separar, cirurgicamente, a vida profissional da pessoal. À primeira vista, parece uma relação ganha-ganha: ninguém leva para o escritório os problemas domésticos, ninguém volta para casa com o estresse do trabalho. Mas é claro que há implicações éticas, dilemas morais e consequências psicológicas na divisão entre os innies (as personas que só vivenciam sua própria existência dentro da Lumon) e os outies (as personas externas, que não têm lembrança das rotinas internas). Na ausência de conexão cultural e emocional com o mundo lá fora, os innies estão preparados para serem totalmente diligentes, em troca de recompensas ridículas, e religiosamente leais. As pessoas são infelizes no trabalho, mas continuam voltando porque seu eu exterior desconhece essa frustração. E é impossível pedir demissão durante o expediente.
O personagem principal é Mark Scout (Adam Scott), que topou participar do programa de ruptura entre as memórias pessoais e as memórias profissionais para não deixar que o luto pela morte da esposa dominasse o seu dia inteiro. Ele acaba de ser promovido após o repentino e misterioso desligamento de um amigo, que em breve começa a revelar podres da Lumon. Uma das primeiras tarefas de Mark no cargo é recepcionar uma nova empregada do seu setor, o de "refinamento de macrodados" — nem ele nem seus subordinados sabem exatamente o que fazem. A nova contratada é Helly (Britt Lower), que tentará lutar contra o sistema, mas vai esbarrar em uma esmerada burocracia e em um dedicado supervisor dos innies. (Apple TV+)
Suspicion (2022)
Ficou para o final não apenas por causa da ordem alfabética, mas também por ser a mais descartável. Com oito episódios — o último estará disponível a partir de sexta-feira (18) —, é uma adaptação do britânico Rob Williams para a série israelense False Flag. Uma Thurman interpreta Katherine Newman, poderosa empresária da área das relações públicas que está na iminência de ser escolhida como embaixadora dos EUA no Reino Unido. Mas suas ambições profissionais são atravessadas por um drama pessoal: seu filho, o jovem Leo, acaba de ser raptado (e não sequestrado, as autoridades vão explicar) em um hotel de Nova York. Os criminosos, como foi gravado pelas câmeras de vídeo do estabelecimento, usavam máscaras de integrantes da família real britânica.
Uma policial inglesa e um agente do FBI vão investigar os cinco suspeitos, britânicos que estavam em Nova York no dia do rapto. Kunal Nayyar encarna Aadesh Chopra, que procura emprego como técnico em segurança cibernética para escapar da tradição familiar — não quer ser um vendedor de tapetes (é o personagem com mais profundidade e nuances, graças também ao talento do ator). Elizabeth Henstridge encarna Tara, uma pesquisadora de Oxford e mãe divorciada que viajara para participar de um evento. Georgina Campbell é Natalie, uma noiva que teria cruzado o Atlântico para uma despedida de solteira. O universitário Eddie Walker (Tom Rhys Harries) alega que estava de farra na cidade que nunca dorme. E Sean Tilson (Elyes Gabel)... Bem, Sean Tilson, sabemos de cara, definitivamente é um sujeito perigoso — mas será que ele está mesmo envolvido no crime? E os cinco já se conheciam antes? Aliás, qual é a conexão deles com Leo? E quem, de fato, está mantendo o rapaz prisioneiro?
O quebra-cabeças não ficaria completo se Suspicion não tentasse colocar na mesa pautas sociopolíticas. Aí não há nada de muito novo ou empolgante: o peso das redes sociais, as ligações entre mídia, empresariado e governo, da mídia, o submundo escondido pelas aparências, o questionamento da sociedade aos poderosos — "Tell the truth" (Diga a verdade, em inglês) é a exigência que vira um viral. A verdade sobre o quê? Embalada pela tensa trilha sintetizada de Gilad Benamram, essa atmosfera de dúvida consegue envolver o espectador: todos os personagens guardam segredos que vão sendo revelados pouco a pouco. Alguns são previsíveis, outros, implausíveis. Mas eis um mérito inegável de Suspicion: a habilidade de jogar uma isca irresistível para o próximo episódio. (Apple TV+)