É significativo que a Pixar tenha escolhido Red: Crescer É uma Fera para ser seu 25º longa-metragem de animação. Em cartaz desde sexta-feira (11) no Disney+, o filme de Domee Shi é mesmo um marco na história do estúdio, diferenciando-se de todos os anteriores.
Antes de falar dos motivos oficiais, cabe ressaltar uma particularidade brasileira. Nenhum desenho da empresa fundada há 36 anos ganhou uma tradução tão infeliz. Turning Red, o título original, quer dizer "ficando vermelho" — será que a Disney, dona da Pixar, ficou com receio de haver alguma interpretação política, alguma associação com comunismo ou, em tempos de eleições presidenciais, com Lula? O fato é que manter em inglês a palavra Red não faz muito sentido — não é o nome da protagonista —, assim como Crescer É uma Fera mostra-se uma expressão truncada que contraria as formulações habituais (poderia ser Crescer É Dose, por exemplo, ou A Puberdade É uma Fera).
Mas enfim: Red é o primeiro filme da Pixar dirigido exclusivamente por uma mulher: Domee Shi, nascida na China, em 1989, e criada no Canadá (mais precisamente na cidade de Toronto, cenário da história). Ela já tinha sido pioneira à frente do tocante Bao (2018), o primeiro curta-metragem do estúdio assinado por uma diretora — e que acabou conquistando o Oscar da categoria.
Red também é o primeiro longa da Pixar com elenco predominantemente asiático, dando sequência a uma série recente de produções da Disney: a versão com atores de Mulan (2020), ambientada na China antiga; Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (2021), estrelado pelo super-herói Marvel das artes marciais; e a animação indicada ao Oscar Raya e o Último Dragão (2021), que mistura em um território mágico referências de países como Camboja, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Tailândia e Vietnã.
E, fundamentalmente, Red é o primeiro título da Pixar a tratar de puberdade e menstruação — daí o "ficando vermelho", ora.
A protagonista de 13 anos, Mei Lee (voz de Rosalie Chiang na versão em inglês), não é a primeira personagem principal feminina no histórico da Pixar. Antes, houve a princesa Merida, de Valente (2012), e a menina Riley, de Divertida Mente (2015). Tampouco é a primeira adolescente a enfrentar a mãe — Merida tem 16 anos e se rebela contra a rainha Elinor. Mas Valente tem um tom mais fabular (até pela ambientação, na Escócia medieval) e dedica-se, como disse a psicanalista Diana Corso, a "inverter vários papéis das princesas dos contos de fadas tradicionais" — é um filme mais sobre representação das mulheres e diferenças de gênero do que sobre a adolescência em si. Uma década depois, Red, embora não abra mão do elemento fantástico nem seja estritamente contemporâneo (a trama se passa em 2002, quando Domee Shi também tinha 13 anos), avança na abordagem dos dramas, das alegrias, das paixonites e das transformações dessa fase.
Filha de Ming (voz de Sandra Oh) e Jin (voz de Orion Lee), Mei é ótima aluna e ajuda a mãe a administrar o templo da família. Ela tem três amigas inseparáveis: Miriam (Ava Morse), Priya (Maitreyi Ramakrishnan) e Abby (Hyein Park). As quatro são fãs obcecadas por uma banda tipo NSYNC e Backstreet Boys, a 4*Town (cujas canções foram compostas pelos irmãos Billie Eilish e Finneas O'Connell), que está para fazer um show em Toronto.
Aí está outro conflito presente em Red, o das tradições de uma família de imigrantes orientais versus as atrações do mundo ocidental. O foco, contudo, recai no duelo geracional entre Mei e sua mãe, deflagrado pela entrada da garota na puberdade. Quando suas emoções ou seus hormônios falam mais alto, a protagonista se transforma em um enorme panda vermelho — uma metáfora nada sutil, mas bem-vinda (raríssimas são as animações que abordam o período menstrual, e essa invisibilidade contribui para o tabu em torno do assunto) e divertida (a fera gigante vai desencadear uma série de confusões). E que, no fundo, não se restringe a questões ligadas à adolescência feminina: alude também, disse a diretora, a como lidamos com a herança imaterial passada de mães para filhas.
— Fazer o filme foi muito catártico — contou Domee Shi em entrevistas. — Porque durante minha vida toda fui encorajada a ser boazinha, sorrir, falar baixo, não ocupar muito espaço. E aqui há permissão para ser espaçosa, peluda, barulhenta, brava.