The Dropout, que estreou em 3 de março no Star+, é mais uma minissérie de 2022 dedicada a reconstituir um escândalo que sacudiu os Estados Unidos — no caso, Elizabeth Holmes (brilhantemente interpretada por Amanda Seyfried), fundadora do laboratório Theranos, que prometia revolucionar a indústria dos exames de sangue, mas acabou se revelando uma fraude bilionária.
Já temos uma trilogia: Pam & Tommy, na mesma plataforma, encerrou na última quarta-feira (9) a história de um dos primeiros e mais célebres vazamentos de vídeo íntimo de celebridades, ocorrido entre 1995 e 1997. Foi de uma transa entre a atriz e modelo Pamela Anderson, então estrela do seriado Baywatch (no Brasil, S.O.S. Malibu), e o roqueiro Tommy Lee, baterista da banda glam metal Mötley Crüe.
Inventando Anna, lançada pela Netflix em fevereiro, recuperou a trajetória da jovem golpista Anna Sorokin. Filha de um caminhoneiro russo e de uma dona de lojinha de conveniências, ela passou a perna na elite nova-iorquina, entre 2013 e 2017, fingindo ser uma herdeira alemã chamada Anna Delvey.
A comparação entre The Dropout e Inventando Anna é inevitável. Aliás, suas tramas são mais ou menos contemporâneas. Foi em 2015 que a revista Forbes colocou Elizabeth Holmes no topo da lista das empreendedoras mais ricas dos EUA — sua fortuna era avaliada em US$ 4,5 bilhões. Ela também era a mais moça do ranking, com 31 anos.
As duas minisséries são sobre mulheres brancas com autoconfiança, energia e talento para a mentira, trinômio que abriu portas no mundo dos negócios e na alta sociedade. Ambas cultivam excentricidades — Anna tem um sotaque indetectável, Elizabeth emprega uma voz grave e baixa quando quer proferir uma frase de efeito. E as duas minisséries mostram como seus castelos de areia desmoronaram.
Mas Inventando Anna é longa demais. Seus nove capítulos somam mais de 10 horas, enquanto The Dropout se resolve em oito episódios de 50 minutos cada — o quarto foi ao ar nesta quinta-feira (10).
Inventando Anna se enrola ao embaralhar a cronologia dos eventos e ao gastar muito tempo com a personagem da jornalista Vivian Kent (Anna Chlumsky, seis vezes indicada ao Emmy pela Amy Brookheimer de Veep) — no primeiro episódio, mal vemos a protagonista encarnada por Julia Garner, bicampeã (2019 e 2020) no Emmy de atriz coadjuvante pela Ruth Langmore de Ozark. Sua criadora, Shonda Rhimes (produtora e/ou roteirista de séries como Grey's Anatomy, Private Practice, Scandal e How to Get Away with Murder), parece mais interessada na lenda do que na pessoa.
Em The Dropout, a criadora Elizabeth Meriwether — a mesma das séries cômicas New Girl (2011-2018) e Single Parents (2018-2020) — vai direto ao ponto. Embora recorra a flashbacks, a narrativa vai em uma linha mais reta e se concentra em Elizabeth Holmes, desde quando ela era uma pré-adolescente que se esbaforiu toda para completar, em último lugar, uma corrida escolar.
Ponto de partida da minissérie, essa cena sintetiza a protagonista: Elizabeth não vai desistir mesmo que tudo (como suas coxas coladas) conspire contra. E o título do capítulo inicial, homônimo de uma canção da banda country Alabama que ela, já com 17 anos, escuta no carro, também funciona como um resumo de sua personalidade: I'm in a Hurry. Filha de um vice-presidente da Enron, uma gigante do setor de energia que foi à falência, Elizabeth tem pressa para conquistar, para ascender, para se distinguir. Tanta pressa que acaba largando a faculdade de Medicina para se dedicar à empresa que fundou em Palo Alto, na Califórnia, aos 19 anos.
A Theranos nasceu com um objetivo nobre. Por meio da chamada tecnologia de microfluidos, baratearia e tornaria mais amigáveis os exames de sangue. Em vez das coletas via punções venosas, as gotas obtidas em uma simples picada no dedo permitiriam realizar centenas de testes. Mas nem sempre se pode moldar a realidade de acordo com nossos sonhos (vou poupar de detalhes os espectadores que desconhecem a história real, mas vale dizer que Elizabeth Holmes foi beneficiada pela mistura de ambição e credulidade de investidores que, para não se sentirem dinossauros, apostaram em uma startup mesmo sem algumas garantias básicas, como a visita ao laboratório da Theranos).
Os conflitos — dramáticos, éticos, morais — da trama são por si só envolventes. O diretor Michael Showalter, da comédia romântica Um Crime para Dois (2020) e da cinebiografia Os Olhos de Tammy Faye (2021), entende a hora de enxergar a protagonista pelos olhos (ora entusiasmados, ora incrédulos) dos coadjuvantes. Entre eles, estão o médico e empreendedor Richard Fuisz, que vai aplicar uma rasteira na Theranos e é vivido por William H. Macy, concorrente ao Oscar de coadjuvante por Fargo (1997) e seis vezes indicado ao Emmy de melhor ator por Shameless (2011-2021); e o empresário Sunny Balwani, um homem quase 20 anos mais velho com quem Elizabeth namora às escondidas, encarnado por Naveen Andrews, o eterno Sayid de Lost (2004-2010).
Mas o show é de Amanda Seyfried. Aos 36 anos, a atriz que estreou no cinema em Meninas Malvadas (2004) e despontou para o estrelato em Mamma Mia! (2008) está vivendo uma bela fase na carreira. Ao interpretar Marion Davis, uma atriz que se tornou amante e depois a esposa não oficial do magnata da comunicação William Randolph Hearst em Mank (2020), ela recebeu suas primeiras indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro (ambas na categoria de coadjuvante). Um pouco antes, foi dirigida por Paul Schrader em Fé Corrompida (2017), que disputou o Oscar de roteiro original. (No âmbito pessoal, colhe elogios por falar abertamente de seus problemas de saúde mental, como transtorno obsessivo compulsivo e ataques de pânico.)
Em The Dropout, Seyfried dispõe de tempo e de espaço para trabalhar tanto o aspecto físico de Elizabeth Holmes — que ora espelha seu desconforto no convívio social, ora espelha seu narcisismo — quanto sua bagagem emocional, uma mistura desequilibrada de faro, desespero, garra juvenil e falta de escrúpulos. Uma personagem muito mais humana do que aquela de Inventando Anna e que há de levar a atriz a sua primeira indicação no Emmy.