A metade superior do cartaz de Suspicion, série que está sendo exibida pela Apple TV+ — o sexto dos oito episódios vai ao ar na próxima sexta-feira (4) —, é ocupada pelo rosto de Uma Thurman.
A atriz interpreta Katherine Newman, poderosa empresária da área das relações públicas que está na iminência de ser escolhida como embaixadora dos EUA no Reino Unido. Mas suas ambições profissionais são atravessadas por um drama pessoal: seu filho, o jovem Leo, acaba de ser raptado (e não sequestrado, as autoridades vão explicar) em um hotel de Nova York. Os criminosos, como foi gravado pelas câmeras de vídeo do estabelecimento, usavam máscaras de integrantes da família real britânica.
Suspicion é uma adaptação de Rob Williams, criador das minisséries policiais britânicas Na Mente de um Assassino (2014) e The Victim (2019), para a série israelense False Flag (Kfulim no título original), que foi lançada em 2015 e terá uma terceira temporada em 2022. Ainda que este thriller de mistério conte com Kunal Nayyar, o Raj do popularíssimo e longevo seriado cômico The Big Bang Theory (2007-2019), é Thurman, 51 anos, a grande estrela do elenco. A estadunidense de Boston despontou em Ligações Perigosas (1988), indicado a sete Oscar, incluindo melhor filme. Na sequência, viveu outras aventuras eróticas em Henry & June (1990) e Desejos (1992). A atriz traz no currículo a indicação ao Oscar de coadjuvante por Pulp Fiction (1994) e o papel de protagonista em Kill Bill vol. 1 (2003) e Kill Bill vol. 2 (2004), pelos quais concorreu ao Globo de Ouro. Foi a Hera Venenosa em Batman & Robin (1997), atuou na ficção científica Gattaca (1997) e, mais recentemente, colaborou com o cineasta Lars von Trier em três obras: Ninfomaníaca: Volume 1 (2013), Ninfomaníaca: Volume 2 (2014) e A Casa que Jack Construiu (2018).
Mas apesar da relevância da personagem e da fama da intérprete, somando os quatro primeiros capítulos — o que equivale a quase três horas e meia — Uma Thurman não aparece mais do que 15 minutos em cena. No quinto episódio, ela sequer dá as caras.
Apesar da propaganda enganosa, Suspicion até que entrega o que vende. Com direção dividida entre Chris Long (cinco capítulos) e Stefan Schwartz (três), ambos egressos da série The Americans (2013-2018), trata-se de um suspense recheado de elementos intrigantes, ainda que careça de personagens bem desenvolvidos — quase todos parecem somente marionetes para as idas e vindas do roteiro —, e ainda que essas reviravoltas acabem dando margem para o espectador romper a fundamental suspensão da descrença. Por exemplo: sério que na sequência da perseguição de um batalhão da polícia a um motoqueiro ninguém consegue acertar sequer um tirozinho no pneu? Mais adiante, a ideia absurda de uma próxima virada na trama chega a ser questionada, com todas as letras, por um personagem.
Os verdadeiros protagonistas de Suspicion são os investigadores do caso e os suspeitos de envolvimento no sequestro de Leo. De um lado, estão os personagens interpretados por Angel Coulby, a Gwen do seriado Merlin (2008-2012), e Noah Emmerich, o Stan Beeman de The Americans. Ela é a detetive londrina Vanessa Okoye, ele é Scott Anderson, um agente do FBI, a polícia federal estadunidense, enviado ao Reino Unido porque, afinal, Katherine Newman é uma pessoa importante para o governo dos EUA. Anderson, mais insolente e agressivo, não respeita muito Okoye, que prefere agir com mais sutileza e inteligência.
Os suspeitos são cinco britânicos que estavam em Nova York no dia do rapto. Kunal Nayyar encarna Aadesh Chopra, que procura emprego como técnico em segurança cibernética para escapar da tradição familiar — não quer ser um vendedor de tapetes (é o personagem com mais profundidade e nuances, graças também ao talento do ator). Elizabeth Henstridge, a Jemma Simmons de Agentes da S.H.I.E.L.D. (2013-2020), encarna Tara, uma pesquisadora de Oxford e mãe divorciada que viajara para participar de um evento. Georgina Campbell é Natalie, uma noiva que teria cruzado o Atlântico para uma despedida de solteira. O universitário Eddie Walker (Tom Rhys Harries) alega que estava de farra na cidade que nunca dorme. E Sean Tilson (Elyes Gabel)... Bem, Sean Tilson, sabemos de cara, definitivamente é um sujeito perigoso — mas será que ele está mesmo envolvido no crime? E os cinco já se conheciam antes? Aliás, qual é a conexão deles com Leo? E quem, de fato, está mantendo o rapaz prisioneiro?
O quebra-cabeças não ficaria completo se Suspicion não tentasse colocar na mesa pautas sociopolíticas. Aí não há nada de muito novo ou empolgante: o peso das redes sociais, as ligações entre mídia, empresariado e governo, da mídia, o submundo escondido pelas aparências, o questionamento da sociedade aos poderosos — "Tell the truth" (Diga a verdade, em inglês) é a exigência que vira um viral. A verdade sobre o quê?
Embalada pela tensa trilha sintetizada de Gilad Benamram — o mesmo compositor de False Flag e de Fauda (2015-2020) —, essa atmosfera de dúvida consegue envolver o espectador: todos os personagens guardam segredos que vão sendo revelados pouco a pouco. Dá para desconfiar de uns mais do que de outros — para o bem (pela coerência narrativa) ou pelo mal (pela previsibilidade), o final do quinto capítulo confirmou uma suspeita que eu nutria desde os primeiros depoimentos de uma dessas pessoas. Mas confirmou em parte, vale dizer: ainda não deu para saber seu real papel. Eis um mérito inegável de Suspicion: a habilidade de jogar uma isca irresistível para o próximo episódio.