Como já é tradição nas sextas-feiras, hoje é dia de fazer uma lista de atrações para ver no fim de semana.
Depois das séries curtinhas e premiadas, resolvi renovar a seleção de filmes novos disponíveis nas plataformas de streaming.
Alguns são bem fresquinhos, acabaram de estrear. Outros podem ter sido lançados há mais tempo, mas ganharam status de novidade por conta das indicações ao Oscar. Clique nos links para saber mais sobre os títulos.
A Crônica Francesa (2021)
Depois de disputar quatro vezes seguidas o Oscar — por O Fantástico Sr. Raposo (2009), Moonrise Kingdom (2012), O Grande Hotel Budapeste (2014) e Ilha dos Cachorros (2018) —, o cineasta texano Wes Anderson foi completamente ignorado pela Academia de Hollywood. A entidade não destacou nem as categorias mais técnicas, como design de produção e figurinos, ambas indicadas ao Bafta. Eleito o sexto melhor filme de 2021 pelos críticos da prestigiada revista parisiense Cahiers du Cinèma, A Crônica Francesa é uma celebração do jornalismo, da vocação da França para a arte, a política e a gastronomia e do próprio esmero estético de Anderson.
O elenco é extremamente grande e absolutamente encantador, agregando a nomes recorrentes na carreira do diretor (Bill Murray, Owen Wilson, Tilda Swinton, Adrien Brody, Edward Norton) astros ascendentes, como Timothée Chalamet, Saoirse Ronan e Léa Seydoux. Eles integram a redação da fictícia The French Dispatch e/ou participam das dramatizações, em preto e branco, de três celebrados artigos publicados anteriormente. A primeira reportagem encenada, A Obra-Prima Concreta, se passa entre os anos 1920 e os 1930; a segunda, Revisões a um Manifesto, parodia os protestos estudantis do maio de 1968 em Paris; na terceira, Roebuck Wright (Jeffrey Wright) concede uma entrevista na TV, nos anos 1970, para um apresentador vivido por Liev Schreiber, para falar de A Sala de Jantar Privada do Comissário de Polícia. Eis um filme muito bonito de se ver e muito criativo, mas que pode ser considerado frio, excessivo, cansativo e até complicado. (Star+)
Mães Paralelas (2021)
É o filme mais político de Pedro Almodóvar, embora a sinopse destaque os aspectos melodramáticos: duas mulheres, a fotógrafa Janis (Penélope Cruz, indicada ao Oscar de melhor atriz), na casa dos 40 anos, e a adolescente Ana (Milena Smit), dividem um quarto de hospital onde vão dar à luz. Ambas são solteiras e engravidaram por acidente. Nos corredores da maternidade, elas criam um vínculo estreito que pode ser posto à prova mais adiante. Em paralelo, a fotógrafa aguarda o trabalho de escavação de covas onde foram enterrados 10 homens executados pelas forças do ditador Franco no início da Guerra Civil Espanhola. (Netflix)
Onde Eu Moro (2021)
Concorre em uma categoria do Oscar muito pouco badalada, mas que pode valer o prêmio a um brasileiro. É o carioca Pedro Kos, que divide com o estadunidense Jon Shenk a direção deste documentário em curta-metragem. Dos cinco candidatos, é o único que chega sem ter vencido festivais ou pelo menos concorrido a premiações. Seu triste trunfo é abordar um tema que vem preocupando os Estados Unidos e que pode sensibilizar novamente a Academia de Hollywood, após a consagração do drama Nomadland em 2021: os sem-teto.
Com quase 40 minutos de duração, Onde Eu Moro foi filmado de 2017 a 2020 em três cidades da Costa Oeste: Seattle, San Francisco e Los Angeles. Os motivos que deixaram em situação de rua os personagens do documentário são conhecidos dos brasileiros: desemprego, alcoolismo, drogas, desajuste familiar, violência doméstica etc. Também são comuns os riscos a que estão expostos: frio, fome ("Sentia que meu estômago estava colado às costas", conta uma mulher), o barulho do trânsito, agressões, abuso sexual... O filme propõe um olhar humanizante para os sem-teto, muito bem expressado em palavras por um deles, Luis Rivera Miranda, que diz: "Quando a polícia vem me enxotar, eu falo: eu sou como vocês, eu faço as mesmas coisas que vocês. Eu escovo os dentes, eu como, mas faço tudo isso em vários lugares. Todos os outros fazem tudo isso dentro de um só lugar. Mas faço as mesmas coisas que todo mundo faz. Nada de diferente". (Netflix)
Summer of Soul (2021)
É um dos cinco indicados ao Oscar de melhor documentário. Como indica o subtítulo — (...ou Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada) —, resgata um evento que havia sido apagado da memória "oficial". É o Harlem Cultural Festival, que, por seis finais de semana seguidos, em 1969, reuniu alguns dos maiores nomes da música negra estadunidense da época: Stevie Wonder, Nina Simone, B.B. King, Sly & the Family Stone, Gladys Knight & The Pips, The 5th Dimension... O filme dirigido pelo produtor musical, DJ e jornalista Ahmir "Questlove" Thompson intercala as apresentações com depoimentos de artistas e de pessoas comuns que ajudaram a lotar um parque no Harlem, bairro de Nova York.
Há uma narrativa brilhante que vai dando conta do contexto social, político e cultural, da luta contra o racismo, do papel do gospel ("Nós não vamos ao psiquiatra, nós vamos à igreja", diz um dos espectadores) e da valorização das origens africanas. Explica-se, por exemplo, por que a população negra dos EUA deu tão pouca bola à chegada do homem à Lua, ocorrida em meio ao festival. Summer of Soul ganhou o prêmio especial do júri e o troféu do público no Festival de Sundance e está indicado também ao Bafta nas categorias de documentário e edição. (canal Telecine do Globoplay)
Três Canções para Benazir (2021)
Concorrente de Onde Eu Moro no Oscar de melhor documentário em curta-metragem, o filme dirigido pelo casal Elizabeth Mirzaei e Gulistan Mirzaei é estrelado por um jovem afegão recém-casado que tentar entrar no exército para ter uma vida menos miserável. É tão lindo quanto arrasador. Já recebeu 12 troféus em premiações e festivais, como o do público em Clermont-Ferrand (França). (Netflix)
Bigbug (2022)
Este eu ainda não vi, mas seu diretor, o francês Jean-Pierre Jeunet, tem crédito para ser recomendado às escuras. Seus filmes costumam ser visualmente espetaculares, com fartas doses de elementos fantásticos nas tramas, que por vezes combinam humor com horror. São dele Delicatessen (1991, com Marc Caro), Ladrão de Sonhos (1995, também com Caro), O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), que concorreu aos Oscar de filme internacional, roteiro original, fotografia, direção de arte e som, Eterno Amor (2004) e Uma Viagem Extraordinária (2013).
A sinopse de Bigbug diz o seguinte: em 2045, a inteligência artificial cuida de quase tudo. Inclusive das pulsões sexuais. Quando estoura uma revolta de androides, os quatro robôs domésticos — como Monique (Claude Perron) — da nostálgica Alice (Elsa Zylberstein), uma colecionadora de livros, trancam as portas de sua casa. Lá, também estão Max, seu novo namorado, Victor, o ex-marido dela, Jennifer, a jovem por quem ele largou a esposa, Françoise, uma vizinha intrometida, e dois adolescentes: Nina, filha de Alice e Max, e Leo, filho de Max. (Netflix)
O Golpista do Tinder (2022)
É a nova sensação entre os documentários que reconstituem crimes reais. Dirigido pela inglesa Felicity Morris, uma das produtoras da série documental Don't F**k with Cats (2019), começa contando a história da norueguesa Cecilie Fjellhoy, uma loira sorridente com experiência no aplicativo de paquera: no seu celular, ela mostra que, em sete anos de uso, houve 1.024 matches. Um deles foi com Simon Leviev, que, aos 20 e tantos anos, parecia ser o príncipe encantado dos contos de fadas. Ledo engano. Em ritmo de suspense irresistível, O Golpista do Tinder fala sobre as ilusões amorosas e evidencia como estamos sujeitos aos riscos do culto à imagem e da sedução da ostentação. O dinheiro compra nossa confiança: se alguém parece pobre, suspeitamos; se alguém parece rico, pode acabar nos deixando pobres. (Netflix)
Kimi: Alguém Está Escutando (2022)
Dirigido por um dos cineastas mais produtivos dos últimos anos, o estadunidense Steven Soderbergh, este suspense tem como personagem principal Angela Childs (interpretada por Zoë Kravitz), uma analista do fluxo de dados de uma assistente virtual tipo Alexa e Siri — a Kimi. O trabalho de Angela é ouvir gravações das interações dos clientes com o produto, de modo a aperfeiçoar a inteligência artificial, que nem sempre entende os pedidos feitos. Ela trabalha em casa e sofre de agorafobia, que foi potencializada pela pandemia. Sua ansiedade vai aumentar quando escutar o áudio do que parece ser um crime cometido contra uma mulher.
O parágrafo acima permite inferir que Kimi faz uma modernização de clássicos do gênero, como Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock — e a orquestração da trilha sonora composta por Cliff Martinez reforça o tom hitchcockiano —, Blow-Up: Depois Daquele Beijo (1966), de Michelangelo Antonioni, A Conversação (1974), de Francis Ford Coppola, e Um Tiro na Noite (1981), de Brian De Palma. Como este é um filme de Soderbergh, o entretenimento paranoico/conspiratório está aliado ao comentário crítico. O alvo evidente são as chamadas big techs, as grandes empresas de tecnologia, artífices de um mundo onde segurança e privacidade são temas sensíveis, patrocinadoras, por omissão e por interesse econômico, de discursos de ódio, misoginia, racismo, negacionismo etc., e corresponsáveis pelo borramento da fronteira entre vida pública e vida privada, vida pessoal e vida profissional. (HBO Max)
Perfeitos Desconhecidos (2022)
Trata-se de uma das muitas versões internacionais da homônima comédia dramática italiana lançada em 2016 pelo cineasta Paolo Genovese. Já houve adaptações na Alemanha, na China, na Espanha, na Grécia, na República Tcheca... Esta aqui merece destaque porque é a primeira produção árabe da Netflix — e porque causou polêmica no Oriente Médio desde seu lançamento, no final de janeiro. Os motivos, cabe ao espectador descobrir: revelá-los seria dar spoiler a quem ainda não conhece a história.
Com direção do libanês Wissam Smayra, o filme acompanha um grupo de sete amigos (incluindo três casais) que, durante um jantar, concorda em participar de um jogo perigoso: eles deixam os celulares desbloqueados na mesa, expondo-se ao risco de ligações e mensagens revelarem segredos, traições e quetais. Perfeitos Desconhecidos consegue equilibrar bem as doses de humor e de drama, fazendo um retrato do carinho e da hipocrisia que podem coexistir em um relacionamento. O elenco conta com Nadine Labaki, diretora de Cafarnaum (2018), que ganhou prêmios no Festival de Cannes e concorreu ao Oscar, ao Globo de Ouro e ao Bafta de melhor filme internacional, a estrela egípcia Mona Zaki e Eyad Nassar (o Amin da minissérie The Looming Tower). (Netflix)
Volver (2006)
Apesar de já ter mais de 15 anos, fecha a lista porque, em primeiro lugar, foi adicionado na semana passada ao catálogo da Netflix, dentro de uma coleção que celebra Pedro Almodóvar. Em segundo lugar, porque permite alguns espelhamentos com Mães Paralelas, o filme mais recente do diretor espanhol. Ambos tratam de maternidade, ambos propõem um acerto de contas com o passado e ambos valeram a Penélope Cruz uma indicação ao Oscar de melhor atriz. (Netflix)