Ganhador do Leão de Prata Festival de Veneza e de três Globos de Ouro — melhor drama, direção (Jane Campion) e ator coadjuvante (Kodi Smit-McPhee) —, Ataque dos Cães (The Power of the Dog) é o campeão de indicações para o Oscar. Recebeu 12 nesta terça-feira (8), superando Duna, que concorre em 10 categorias, confirmando seu favoritismo para a 94ª cerimônia de premiação da Academia de Hollywood, marcada para 27 de março.
Em cartaz na Netflix, briga pelos prêmios de melhor filme, direção (Jane Campion, primeira realizadora a ser indicada duas vezes na história — concorrera por O Piano em 1994), ator (Benedict Cumberbatch), atriz coadjuvante (Kirsten Dunst), ator coadjuvante (em dupla indicação: Jesse Plemons e Kodi Smit-McPhee), roteiro adaptado (assinado pela cineasta Jane Campion, a partir de romance publicado por Thomas Savage em 1967), fotografia (Ari Wegner), edição (Peter Sciberras), design de produção (Grant Major), música original (Jonny Greenwood) e som.
O filme é um faroeste tardio — se passa em 1925 — e desconstrutivo: não espere um bangue-bangue, e o alvo é a mítica imagem do caubói. Ambientado em Montana, Estado no oeste dos EUA que era pouco desbravado àquela época, Ataque dos Cães foi realizado nas vastas paisagens da Nova Zelândia, terra natal da cineasta. Aos 67 anos, Campion não lançava um longa-metragem desde 2009 (O Brilho de uma Paixão). Nesse intervalo de tempo, criou, produziu e dirigiu oito episódios da ótima série policial Top of the Lake, que teve uma temporada em 2013 e outra em 2017.
Em Ataque dos Cães, ela retoma elementos e temas característicos de sua trajetória, que teve como ápice O Piano (1993) — ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes e dos Oscar de melhor atriz (Holly Hunter), atriz coadjuvante (Anna Paquin) e roteiro original (escrito pela própria Campion) — e inclui a adaptação de Retratos de uma Mulher (1996) e o suspense Em Carne Viva (2003). Volta a apresentar um filme extremamente tátil, pleno de silêncios e olhares ora furtivos, ora eloquentes. Forma e conteúdo se combinam: seu faroeste trata de atrito e de atração e é povoado por personagens ambíguos, com desejos sexuais reprimidos que podem levar a situações de perigo.
Para tanto, são fundamentais as colaborações da diretora de fotografia australiana Ari Wegner, de Lady Macbeth (2016), e do compositor britânico Jonny Greenwood, guitarrista da banda Radiohead e parceiro de Paul Thomas Anderson nos últimos quatro trabalhos do cineasta estadunidense (inclusive disputou o Oscar por Trama Fantasma). Wegner adota um tom crepuscular e contrasta as pradarias infinitas de Montana com interiores escuros e claustrofóbicos. Greenwood sublinha os sentimentos de melancolia e de dissonância dos personagens em relação a seu entorno e aos papéis que deveriam desempenhar.
A história começa evidenciando as diferenças entre os irmãos Burbank, donos de um bem-sucedido rancho. George (interpretado por Jesse Plemons, de Estou Pensando em Acabar com Tudo e Judas e o Messias Negro) é dado às boas maneiras. Phil (Benedict Cumberbatch, concorrente ao Oscar por O Jogo da Imitação e o Doutor Estranho do Universo Cinematográfico Marvel), apesar de formado na prestigiada Universidade Yale, preferiu levar uma vida de bronco. A propósito, Bronco Henry é um sujeito já morto há algum tempo ao qual ele se refere a todo instante, um modelo não só de vaqueiro, mas de homem, e de quem guarda uma sela como se fosse um objeto sagrado.
A pose de Phil — um cara que castra bois com as mãos nuas, dispara palavras rudes e atinge o espaço alheio com seu odor (ele não toma banho) — começa a ser abalada quando, na companhia de George e os empregados, vai jantar no restaurante de Rose (Kirsten Dunst, melhor atriz no Festival de Cannes por Melancolia), uma mãe viúva. Ao descobrir que as flores de papel que decoram as mesas foram preparadas pelo filho adolescente dela, Peter (Kodi Smit-McPhee, o garoto de A Estrada e o Kurt Wagner das últimas aventuras dos X-Men), Phil passa a fustigar o rapaz por conta de seu jeito supostamente afeminado. Para bom entendedor, meio olhar basta: Peter tocou em um nervo do protagonista.
Convém não contar muito mais do que vem a seguir. Não porque Ataque dos Cães aposte em reviravoltas narrativas, mas porque o encanto do filme está em imergir em seu cadenciado desenvolvimento — pouco a pouco, sem explicitar, Jane Campion vai desnudando o íntimo e as intenções dos personagens. Nesse sentido, outra colaboração fundamental é a do elenco, engajado em um jogo de poder e manipulação — uma cena exemplar das pressões psicológicas que pontuam a trama é a do duelo travado entre um piano e um banjo.
O pacato George de Jesse Plemons precisa fazer rodeios para contestar o irmão. O delicado Peter é mais sinuoso: com sutileza, Kodi Smit-McPhee mostra que ele é capaz de segurar as rédeas. Kirsten Dunst, já nas primeiras cenas, deixa entrever a fragilidade da viúva Rose, que, fazendo jus a seu nome, vai murchando à medida que Benedict Cumberbatch exerce a presença dominadora de Phil. Equilibrando contenção física e uma voz tensa e ameaçadora, o ator inglês de 45 anos mostra como a masculinidade tóxica pode destruir não apenas tudo em que toca, mas também ser nociva para seu portador.