Paul Thomas Anderson e Wes Anderson não são parentes — nem de sangue, nem de cinema. Cada um emprega em seus filmes um estilo praticamente inconfundível e muito distinto ao do colega de profissão. Mas, além do sobrenome, os dois diretores e roteiristas estadunidenses têm alguns pontos em comum.
Para começar, ambos são contemporâneos e já disputaram várias vezes o Oscar. Nunca ganharam.
O californiano P.T., 51 anos no próximo dia 26, concorreu a oito estatuetas douradas, sendo três por Sangue Negro (2007): melhor filme, diretor e roteiro adaptado. Por Trama Fantasma (2017), foram duas indicações — filme e direção. Disputou ainda com Boogie Nights: Prazer Sem Limites (1997), Magnólia (1999) — ambas na categoria de script original — e Vício Inerente (2014), pelo roteiro adaptado.
Já foi premiado nos três principais festivais da Europa. Em Cannes, faturou o troféu de melhor diretor por Embriagado de Amor (2002). Em Veneza, o Leão de Prata de melhor diretor por O Mestre (2012). Em Berlim, o Urso de Ouro por Magnólia e o Urso de Prata de melhor diretor por Sangue Negro.
O texano Wes, 52 anos completados em 1º de maio, acumula sete indicações ao Oscar, sendo três por O Grande Hotel Budapeste (2014): melhor filme, diretor e roteiro original. Por essa categoria, concorreu também com Os Excêntricos Tenenbaums (2001), O Fantástico Sr. Raposo (2009) e Moonrise Kingdom (2012). Em 2019, disputou o troféu de melhor animação por Ilha dos Cachorros.
Também goza de prestígio nos festivais europeus. Em Berlim, levou o Grande Prêmio do Júri por O Grande Hotel Budapeste e o Urso de Prata de melhor diretor por Ilha dos Cachorros. Em Veneza, recebeu o Pequeno Leão de Ouro por Viagem a Darjeeling (2007). Em Cannes, competiu com Moonrise Kingdom e voltará agora em julho com The French Dispatch. Trata-se de uma comédia dramática que gira em torno do escritório francês de um jornal fictício do Estado do Kansas. Reúne três tramas — uma delas referente aos protestos de maio de 1968 — e uma constelação de atores e atrizes: Benicio del Toro, Adrien Brody, Tilda Swinton, Léa Seydoux, Frances McDormand, Timothée Chalamet, Elisabeth Moss, Jeffrey Wright, Mathieu Amalric, Bill Murray, Owen Wilson, Liev Schreiber, Edward Norton, Willem Dafoe, Saoirse Ronan, Jason Schwartzman, Anjelica Huston, Christoph Waltz, Cécile de France...
Paul Thomas também vai lançar filme nesta temporada. Previsto para estrear em novembro e com o título provisório de Soggy Bottom, acompanha um estudante do Ensino Médio em vias de se tornar ator na década de 1970. O personagem é vivido pelo estreante Cooper Hoffman, 18 anos, filho de Philip Seymour Hoffman (1967-2014), habitual colaborador do cineasta. Bradley Cooper interpreta um diretor e produtor de cinema. O elenco inclui Skyler Gisondo (do documentário O Dilema das Redes) e Benny Safdie (codiretor de Joias Brutas).
A coincidência mais curiosa é que os dois Anderson estão comemorando os 25 anos de seus primeiros longas-metragens, ambos situados no mesmo gênero: o dos filmes sobre criminosos.
Wes Anderson estreou com Pura Adrenalina (Bottle Rocket, 1996), estrelado por dois de seus atores mais frequentes, os irmãos Luke e Owen Wilson — o que, naturalmente, puxa o filme para a comédia. Na trama, Anthony (papel de Luke), após sair de um hospital psiquiátrico, se junta ao amigo Dignan (Owen), que planeja dar início a uma onda de crimes. Depois de recrutarem um vizinho, partem em busca de um famoso gângster encarnado por James Caan (escalado, é claro, por ter sido o Sonny Corleone de O Poderoso Chefão).
Paul Thomas Anderson transformou em longa a história de seu curta Cigarettes & Coffee (1993). Em Jogada de Risco (1996), também conta com um elenco que seria recorrente em suas obras: Philip Seymour Hoffman, Philip Baker Hall e John C. Reilly. Hall interpreta um veterano jogador de cartas, Sydney, que ensina o personagem de Reilly a se dar bem no blackjack. O relacionamento entre os dois se complica quando uma garçonete (Gwyneth Paltrow) entra em cena. O diretor disse que Sydney surgiu de uma divagação sua: como é a vida dos vilões do cinema noir depois que envelhecem?
Os filmes seguintes continuarão permitindo uma aproximação, segundo escreveu o crítico Noah Gittell em um artigo publicado em dezembro de 2014 no site IndieWire. Boogie Nights (1997), de Paul Thomas, e Três É Demais (1998), de Wes, "exploram os impulsos edipianos deslocados da adolescência masculina".
Dirk Diggler (o nome artístico adotado pelo lavador de pratos que vira ator pornô na década de 1970, personagem de Mark Wahlberg) se envolve em um triângulo amoroso com a estrela Amber Waves (Julianne Moore) e seu diretor, Jack Horner (Burt Reynolds), marido da atriz, "de quem Dirk passa a se ressentir à medida que amadurece e se torna um astro por si só".
Em Três É Demais, o adolescente Max Fischer (Jason Schwartzman) se apaixona por uma professora viúva, Rosemary (Olivia Williams), e torna-se amigo de um milionário entediado, Herman Blume (Bill Murray). Quando descobre que eles estão tendo um caso, Max "decide destruir Herman para que ele possa ter a afeição de Rosemary por si mesmo". Gittell conclui: "Nenhum dos cineastas segue o caminho de Sófocles, entretanto; ambos resolvem suas histórias num tom positivo".
A partir daí, as trajetórias dos dois cineastas tomaram rumos bem diferentes — embora ambos continuem evitando a contemporaneidade, tomando o passado como cenário.
Paul Thomas Anderson foi se especializando em construir narrativas de alta densidade emocional ao redor de um personagem masculino complexo, contraditório e pleno de conflitos, envolvendo temas como famílias disfuncionais, solidão, alienação, culpa, fantasmas do passado, destino e redenção. É um prato cheio para os atores que os interpretam, geralmente reconhecidos em premiações (o diretor inclusive arrancou uma insuspeitada atuação dramática do comediante Adam Sandler em Embriagado de Amor).
Tom Cruise disputou o Oscar de coadjuvante como o guru de Magnólia que prega a supremacia dos homens sobre as mulheres, mas que tem suas próprias fragilidades. Daniel Day-Lewis ganhou a estatueta de melhor ator pelo minerador de prata falido de Sangue Negro que, ao buscar com o filho o recomeço em um local rico em petróleo, na Califórnia do início do século 20, entra em atrito com uma liderança religiosa. Depois, concorreu pelo estilista metódico, perfeccionista e egocêntrico de Trama Fantasma, ambientado na Inglaterra dos anos 1950. O Mestre, que investiga o surgimento de uma seita à la cientologia após a Segunda Guerra Mundial, valeu indicações a Joaquin Phoenix (melhor ator), Amy Adams (atriz coadjuvante) e Philip Seymour Hoffman (ator coadjuvante).
Na forma, os filmes de P.T.A. costumam fugir do convencional e desafiar o espectador, graças a um uso criativo e sofisticado de planos, enquadramentos, movimentos de câmera, edição de imagens etc. Tais ferramentas estão sempre a serviço dos sentimentos, das memórias ou da alma do protagonista, ou seja, as histórias podem não ser contadas de modo linear enquanto o diretor procura conjugar beleza e brutalidade (não necessariamente violência) nas imagens. Essa mistura encontra eco nas trilhas dissonantes compostas por Jonny Greenwood, guitarrista e tecladista da banda Radiohead e parceiro do cineasta desde Sangue Negro.
Wes Anderson, por sua vez, tem como marcas a nostalgia por uma infância perdida (ele tinha oito anos quando seus pais se separaram) e as relações familiares conturbadas (geralmente, por causa de um pai negligente). Seus filmes são como tragicômicos contos de fadas para adultos, com um inescapável final feliz — ou quase isso. São exemplos bem acabados a animação em stop-motion O Fantástico Sr. Raposo, adaptada de uma história do escritor escocês Roald Dahl (o mesmo de A Fantástica Fábrica de Chocolate e Convenção das Bruxas), e Moonrise Kingdom, em que Suzy Bishop e Sam Shakusky, ambos com 12 anos, descobrem-se subitamente apaixonados e decidem fugir para seu idílio, o paradisíaco "Reino do Nascer da Lua" do título. O detalhe é que eles moram numa diminuta ilha e, portanto, serão logo encontrados pelos pais de Suzy, pelo grupo de escoteiros de Sam e pelo único policial do lugarejo.
Ao contrário de P.T.A., Wes não estrutura suas tramas em torno de um protagonista, nem exige demais da capacidade de entendimento pelo público. Joga com a simplicidade narrativa (ainda que sempre ancorada por um primoroso trabalho de direção de arte e de figurinos), o que inclui legendas de apresentação e comentários sobre as cenas, e com personagens cartunescos — condição ressaltada pelo uso de uniformes: eles praticamente usam sempre as mesmas roupas, como o abrigo vermelho de Ben Stiller em Os Excêntricos Tenenbaums, obra que serve como um bom cartão de visitas.
Isso não quer dizer que o diretor dê pouca bola para o elenco. Pelo contrário: como visto na escalação de The French Dispatch, ele convoca sempre um time de estrelas e gosta de repetir nomes (é como se fosse uma família substituta). Os Excêntricos Tenenbaums reuniu Gene Hackman, Anjelica Huston, Bill Murray, Ben Stiller, Gwyneth Paltrow, Danny Glover e os irmãos Luke e Owen Wilson. A Vida Marinha com Steve Zissou (2004), além dos recorrentes Murray, Anjelica e Owen Wilson, contou com Cate Blanchett, Willem Dafoe e Jeff Goldblum, além do brasileiro Seu Jorge, que fez covers em português de David Bowie no papel de um marinheiro. O Grande Hotel Budapeste hospedou Ralph Fiennes, Saoirse Ronan, Adrian Brody, Tilda Swinton, Edward Norton, Harvey Keitel e Léa Seydoux, entre outros. Esse foi o maior sucesso de Wes Anderson no Oscar — ganhou quatro estatuetas (design de produção, figurino, maquiagem/cabelos e trilha sonora, composta por Alexandre Desplat) — e nas bilheterias: US$ 172,9 milhões.
O que ver no streaming
- Jogada de Risco (1996), de Paul Thomas Anderson (Amazon Prime Video, Google Play e YouTube)
- Boogie Nights: Prazer Sem Limites (1997), de Paul Thomas Anderson (Google Play e YouTube)
- Embriagado de Amor (2002), de Paul Thomas Anderson (Apple TV, Now, Google Play e YouTube)
- Sangue Negro (2007), de Paul Thomas Anderson (Telecine)
- O Fantástico Sr. Raposo (2009), de Wes Anderson (Amazon Prime Video)
- Moonrise Kingdom (2012), de Wes Anderson (Amazon Prime Video, Google Play e YouTube)
- O Mestre (2012), de Paul Thomas Anderson (Google Play e YouTube)
- Vício Inerente (2014), de Paul Thomas Anderson (Google Play e YouTube)
- Trama Fantasma (2017), de Paul Thomas Anderson (Google Play e YouTube)
Os "primos" menos famosos
Há pelo menos mais dois cineastas de língua inglesa com o mesmo sobrenome de Paul Thomas Anderson e Wes Anderson, mas que estão longe de ter o mesmo prestígio.
O britânico Paul W.S. Anderson, 56 anos, celebrizou-se com a franquia Resident Evil — dirigiu quatro dos seis títulos lançados entre 2002 e 2016 e foi roteirista dos outros dois. Também fez Mortal Kombat (1995), Alien vs Predador (2004), Pompéia (2014) e Monster Hunter (2020).