Publicado em 2009, o romance Vício Inerente, de Thomas Pynchon, é daqueles que fazem valer o rótulo de infilmável. Não para Paul Thomas Anderson, um dos melhores cineastas norte-americanos da atualidade.
Diretor de longas como Boogie Nights (1997), Magnólia (1999) e Sangue Negro (2007), ele se uniu ao igualmente ótimo ator Joaquin Phoenix, com quem fizera O Mestre (2012), para aventurar-se pelo universo onírico e labiríntico do livro. O filme, que estreara no fim de março no Rio e em São Paulo, entra em cartaz nesta quinta-feira no GNC Moinhos, em Porto Alegre.
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Às vezes não parece, mas há, sim, uma história. E ela é contada de maneira linear, embora, isso sim, seja confusa, pontuada por uma gama enorme de personagens e recheada de digressões, muitas destas representativas dos delírios do protagonista. Ele é Doc Sportello (papel de Phoenix), detetive particular doidão que vive, trabalha e se droga na Califórnia do início dos anos 1970. O sol, as cores e o clima de libertação são resquícios da década anterior, mas, diante do personagem - e de toda a fauna que vai desfilar pela tela ao longo dos exagerados 149 minutos do longa -, a sensação é de fim de festa: Anderson olha para os velhos hippies ressaltando sua comicidade e o aspecto paranoico das viagens conduzidas pela maconha e pelo LSD.
Tudo começa quando a ex-namorada de Doc, Shasta (Katherine Waterston), aparece para ele relatando uma conspiração para matar seu novo amante, um empresário do ramo imobiliário (Eric Roberts). Só que, o protagonista percebe em seguida, Shasta sumiu. Ainda apaixonado por ela - o amor é a utopia que lhe resta -, Doc inicia uma investigação para encontrá-la, entrando em uma espiral lisérgica que vai conduzi-lo entre tipos e organizações bizarras que retratam o vale-tudo filosófico da época.
Reese Whiterspoon, Josh Brolin, Jena Malone, Owen Wilson, Benicio Del Toro e a cantora Joanna Newson são alguns dos nomes cooptados por Anderson para a excêntrica jornada, que remete à de O Grande Lebowsky (1998) e também foi associada pela crítica americana aos neonoirs setentistas como Um Perigoso Adeus (1973) e Um Lance no Escuro (1975).
Grande sacada de Pynchon e, por consequência, do diretor e roteirista (que foi indicado ao Oscar de roteiro adaptado pelo projeto): a ressaca frustrada da contracultura gerou uma guinada à direita, o que estabelece uma relação direta entre a época em que a trama se passa e a atualidade, nos EUA e também na Europa e no Brasil.
Tudo fica - mais ou menos - claro quando Doc se embrenha em uma corporação obscura chamada Caninos de Ouro. Trata-se de uma associação de dentistas de fachada, cujos propósitos verdadeiros estão relacionados ao tráfico de drogas e ao "tratamento" de esquerdistas - como o ator Burke Stodger (Jack Kelly), um ex-comunista que se torna reacionário.
O registro de Vício Inerente é o da comédia, ou, pelo menos, do drama cômico. Mas não se engane: de inocente, suas piadas não têm nada.
Vício Inerente
(Inherent Vice)
De Paul Thomas Anderson.
Com Joaquin Phoenix, Josh Brolin, Owen Wilson, Katherine Waterston, Eric Roberts, Joanna Newson, Benicio Del Toro, Reese Whiterspoon, Jena Malone e Martin Short.
Drama cômico, EUA, 2014.
Duração: 149 minutos.
Classificação etária: 18 anos.
Cotação: bom.