Um dos maiores atores do mundo, o britânico Daniel Day-Lewis escolheu um parceiro com o qual atuou em um de seus papéis mais marcantes para entregar aquela que é anunciada como a sua última performance no cinema.
Com o diretor Paul Thomas Anderson, o astro de 60 anos havia trabalhado no espetacular Sangue Negro (2007), que lhe deu o segundo de seus três Oscar, um recorde entre os intérpretes masculinos. Agora, eles estão juntos em Trama Fantasma (2017), longa indicado a seis estatuetas que estreia nesta quinta-feira (22/2) nos cinemas – é o último dos nove concorrentes ao Oscar de melhor filme a chegar ao circuito brasileiro.
Day-Lewis sempre foi versátil, mas a diferença de registro do novo trabalho, comparado ao de Sangue Negro, é especialmente notável: se uma década atrás o ator entregou uma atuação expressionista, repleta de trejeitos que causavam, ao mesmo tempo, fascínio e estranhamento, agora se retrai, apostando no silêncio que comunica as sensações de seu personagem. E é um personagem excêntrico, contraditório como o magnata do petróleo do filme anterior.
Trata-se de Reynolds Woodcock, um estilista querido da aristocracia londrina dos anos 1950, que no convívio íntimo revela-se metódico, perfeccionista e egocêntrico. Anderson o criou inspirado em Charles James, britânico que foi aos EUA para ser apontado como "o primeiro costureiro da América", e Cristóbal Balenciaga, espanhol cuja vida monástica serviu de modelo para a personalidade de Woodcock.
O grande conflito de Trama Fantasma se estabelece quando o workaholic impenetrável e aparentemente assexuado protagonista, de repente, se vê seduzido por uma jovem que o atende em um café. Ela se chama Alma (Vicky Krieps) e o atrai, logo o espectador se dá conta, porque representa a modelo com a qual o estilista sempre sonhou. Teria a atenção dele sido chamada apenas pelas medidas da garota, que parecem fazer seus vestidos ainda mais belos, perfeitos no corpo, ou, contrário disso, Woodcock, demonstrando improvável alteridade, passou a sentir afeição por outra pessoa?
Anderson, como sempre, conduz questões como essa com profundo conhecimento dos recursos da linguagem. Estrutura a narrativa em torno de um grande personagem (como fez com O Mestre, Boogie Nights, Vício Inerente, entre outros), que se torna ainda mais rico pela complexidade das relações que estabelece e do contexto em que vive. Esse contexto se faz notar desde a forma do filme: cortes em fusão, planos curtos, trilha sonora (de Jonny Greenwood, do Radiohead) muito presente, fotografia a valorizar o brilho dos tecidos luxuosos – o espectador parece estar diante do glamour de um clássico da velha Hollywood.
No caso de suas relações pessoais, é interessante perceber como a vida de Woodcock está estruturada ao lado da irmã Cyril (Lesley Manville), administradora dos negócios e de sua própria rotina – ela será igualmente abalada pelo surgimento de Alma. Mais instigante ainda é observar a influência da mãe de Woodcock, que já morreu mas que "aparece" para ele como uma "protetora" – para usar um termo com o qual ele mesmo a descreve e que vai justificar o título Trama Fantasma.
A assombração da figura materna, o controle discreto da irmã, os jogos de poder que emanam daí: por si só, a casa Woodcock tem pano para muita manga – usando um clichê familiar ao ofício retratado no filme. Tudo fica potencializado com a chegada de Alma, personagem cujo nome, aliás, não pode ser ignorado. Quando o impactante final da trama vier, lembre-se: tudo se deu a partir da chegada de Alma.
Trama Fantasma
De Paul Thomas Anderson
Drama, EUA, 2017, 130min.
Estreia nesta quinta-feira (22/2) no circuito.
Cotação: 4 estrelas (de 5).