Resumida, a história de Todo o Dinheiro do Mundo tem um quê de novelão sensacionalista: jovem herdeiro de um dos homens mais ricos do mundo, é sequestrado em um país estrangeiro. O avô magnata suspeita que o caso seja uma armação, se recusa a pagar o resgate e, após meses de impasse, a orelha cortada do refém é mandada pelo correio. A diferença aqui é que o mais recente filme de Ridley Scott é uma dramatização de eventos que de fato ocorreram: o sequestro, em 1973, do adolescente John Paul Getty III, neto do executivo do petróleo J. Paul Getty.
O sequestro de Getty III (vivido no filme por Charlie Plummer, sem relação de parentesco com Christopher Plummer) ocorre em julho de 1973. Os sequestradores, uma gangue de criminosos calabreses, pedem inicialmente US$ 16 milhões. Abigail Harris, mãe do jovem (Michelle Williams, numa interpretação nuançada que consegue equilibrar desespero e resiliência), pede o auxílio do avô bilionário, que se recusa a pagar. “Tenho 14 netos. Se pagar agora, terei 14 netos sequestrados”, justifica o implacável Getty sênior, vivido por Christopher Plummer, chamado às pressas pelo diretor Ridley Scott para substituir Kevin Spacey (veja abaixo).
Getty, contudo, manda Fletcher Chase, um ex-agente da CIA que agora trabalha como seu “resolvedor de problemas” (Mark Wahlberg, sendo o Mark Wahlberg de quase sempre), acompanhar a mãe do jovem nas negociações, que se estendem por meses. Nesse meio tempo, os criminosos originais vendem o refém para a ‘Ndrangheta, a máfia calabresa, que perde a paciência e envia a orelha do rapaz para forçar uma reação dos familiares, e mais não se conta para não estragar o filme (está no Google, se alguém quiser saber).
Todo o Dinheiro do Mundo estrutura-se, assim, em torno de três focos. O que abarca mais tempo de tela é mesmo o da mãe lutando em várias frentes para ter o seu filho de volta, acossada por uma imprensa sensacionalista e pela presença ambígua de Chase, cuja lealdade oscila entre ela e Getty. O segundo foco recai sobre Paul em seu cativeiro, no qual forja, aos poucos, um laço de humanidade com o homem responsável por vigiá-lo, Cinquanta (Romain Duris, ator francês moreno o suficiente para interpretar um italiano, afinal, ao melhor estilo Hollywood, “é tudo latino mesmo”). Finalmente, Getty, sua trajetória e seus métodos inexoráveis aplicados à própria família formam o terceiro foco.
É essa estrutura tripartite a fragilidade do filme. Com um cuidado de produção impecável, um elenco afinado e Christopher Plummer dominando a tela como se não tivesse sido chamado às pressas para salvar a produção, Todo o Dinheiro do Mundo não chega a ser o grande filme que prometia ser. E isso por não conseguir equilibrar as exigências dos três eixos em que sua narrativa foi armada – algo particularmente visível no último ato do filme, uma sucessão de soluções apressadas e claramente tomadas para turbinar, sem sucesso, uma atmosfera de suspense.
O filme que apagou Kevin Spacey
Até outubro do ano passado, a maioria das notícias a respeito de Todo o Dinheiro do Mundo girava em torno do trabalho de maquiagem e caracterização realizado para que o ator Kevin Spacey, de 58 anos, envelhecesse mais de duas décadas para viver o magnata J. Paul Getty, 80 anos na época do sequestro de seu neto. Aí vieram à tona mais de 30 acusações de abuso e assédio sexual cometidos por Spacey.
A enxurrada de acusações levou Spacey a cair em desgraça em ritmo vertiginoso. Com a repercussão do caso, a Netflix o afastou da consagrada série House of Cards. E Ridley Scott não perdeu tempo, literalmente, em limar o astro decaído de seu filme já em fase final de produção, substituindo-o por Christopher Plummer (que, aos 88, dispensou a maquiagem pesada e atuou com sua própria cara). Os principais nomes do elenco foram reconvocados, e as extensas cenas do personagem foram refilmadas em apenas nove dias (mas, em alguns cinemas, mesmo em Porto Alegre, ainda passa o trailer com Spacey). Ainda se vai discutir muito no futuro a significação de gesto tão drástico, mas dois resultados são inegáveis: Plummer é uma das melhores coisas do filme, e recebeu indicações de melhor ator coadjuvante ao Globo de Ouro e ao Oscar.