Começando pelo óbvio: The Post: A Guerra Secreta, o mais recente filme de Steven Spielberg, não existiria se Donald Trump não tivesse sido eleito presidente dos EUA em novembro de 2016 e não começasse uma guerra contra a imprensa já nos primeiros dias de seu governo. Procurando um novo projeto enquanto finalizava Jogador Nº 1, que deve estrear este ano, Spielberg leu o roteiro original e se interessou em produzi-lo. A decisão de dirigir ele próprio e acelerar o projeto foi tomada enquanto o diretor via os crescentes paralelos entre a história e a situação política de seu país.
The Post foi anunciado em março de 2017, filmado em maio e estava pronto a tempo da atual temporada do Oscar – no qual abocanhou a já tradicional indicação de Meryl Streep a melhor atriz –, um feito para uma produção de época. Agora, vamos ao que é surpreendente: essa pressa não transparece na tela, na qual Spielberg consegue criar momentos de tensão dignos de um bom thriller em um filme que, resumido honestamente, é basicamente um bando de jornalistas em uma grande reunião de pauta.
The Post reconstitui o momento, em 1971, em que a imprensa americana teve acesso a um conjunto de documentos conhecido como os “Papéis do Pentágono”, um amplo estudo mostrando como sucessivos governos americanos haviam ludibriado a opinião pública para justificar o envolvimento cada vez mais acentuado dos EUA no Vietnã, inclusive falseando dados sobre o progresso militar durante a guerra. O primeiro jornal a publicar reportagens sobre os documentos, em junho de 1971, foi o New York Times. Acossado por ações judiciais movidas pelo presidente Richard Nixon para impedir a divulgação, o jornal de Nova York foi impedido de publicar mais sobre o caso. No intervalo em que durou essa proibição, o Washington Post teve acesso aos documentos e os publicou sem concorrência.
Como resultado, o caso foi parar na Suprema Corte, validando o entendimento de que a liberdade de informação garantida pela primeira emenda da constituição americana valia até para algumas informações sobre estratégias governamentais em tempo de guerra. Outro resultado direto do caso foi que o Post, então um jornal regional cujo prestígio vinha de sua proximidade com o poder, tornou-se um veículo de real influência nacional.
Spielberg é um mestre da técnica cinematográfica, essa não é mais uma questão a esta altura. The Post, portanto, é preciso na reconstituição e dotado de um bom ritmo, e tem o grande mérito de deixar subentendidos os paralelos entre Nixon, Trump e o papel da imprensa, sem apelar para o didatismo. Ainda assim, não é Todos Os Homens do Presidente (1976), filme de Alan J. Pakula sobre outra grande reportagem do mesmo Washington Post no mesmo período, o caso Watergate (e para o qual The Post dá uma piscadela marota).
Em um momento em que a imprensa como instituição busca se provar relevante, os protagonistas não são mais repórteres, mas o mítico editor-chefe Ben Bradlee (Tom Hanks) e a própria dona do jornal, Katharine “Kay” Graham (Meryl Streep). Mesmo escorregando no fim para discursos de um sentimentalismo vagamente constrangedor, o filme é uma manifesta e necessária homenagem a algo ainda mais necessário: o bom jornalismo.
Informações técnicas:
De Steven Spielberg. Drama, EUA, 2017, 116min. Estreia nesta quinta-feira (25).
Cotação: 3 de 5
A necessidade de persistir
Jeniffer Gularte*
Qualquer repórter que já tenha sentido o prazer que é noticiar um furo de reportagem não vai sentir o tempo passar ao assistir The Post – A Guerra Secreta. Não por acaso produzido no país em que o presidente Donald Trump é declaradamente contra a imprensa, o enredo do filme reflete, em maior ou menor escala, um desafio sempre pertinente aos veículos de comunicação: não ter medo de enfrentar os poderosos. Nem mesmo o presidente da República.
O principal mérito do filme dirigido por Steven Spielberg é mostrar ao público o esforço que repórteres e editores são capazes de fazer para buscar e defender a verdade. E o mais importante: o longa não deixa dúvida do quanto isso é necessário.
O misto de tensão, vibração e adrenalina vivido pelo repórter que põe a mão em relatórios secretos que revelam três décadas de mentiras do governo americano – em seguida multiplicadas por toda equipe que se debruça sobre as 4 mil páginas – é, ao mesmo tempo, o melhor e o pior para quem se propõe a fazer investigação no jornalismo. Reportagem investigativa é sempre um risco. Um risco necessário. É o desassossego grudado ao repórter.
Repórteres obstinados, um editor que aguente pressões e chefias que respaldem este trabalho, como fez Katharine Graham, proprietária do Post na época – no filme, genialmente interpretada por Meryl Streep – foi e sempre será uma trinca infalível.
É o melhor antídoto contra qualquer ameaça à liberdade de expressão e à nova praga que todos os dias desfila por nossas timelines ou chega inconvenientemente por aplicativos de mensagem: as fake news.
Embora as redações sejam um ambiente de alta voltagem – a que o filme mostra só não é mais fiel a realidade pelo excesso de barulho das máquinas de escrever, hoje obsoletas, e a nuvem de fumaça de cigarro, também inimagináveis nos dias atuais – a máxima dita por Katharine nos últimos instantes do filme ao editor Ben Bradlee (Tom Hanks) pode nos servir como farol de todos os dias:
– Não acho que acertamos sempre ou que somos perfeitos, mas devemos seguir persistindo.
*Repórter do Grupo de Investigação (GDI) da RBS