Na segunda-feira (29), em Nova York, serão conhecidos os vencedores do Gotham Awards. Destinado a produções de baixo orçamento (o teto é de US$ 35 milhões), é considerado um termômetro para o Oscar, porque abre a temporada de premiações nos Estados Unidos. Concorrer gera, no mínimo, zunzunzum sobre o filme. Entre as obras laureadas no Gotham, estão cinco ganhadores da principal estatueta da Academia de Hollywood: Guerra ao Terror (2009), Birdman (2014), Spotlight (2015), Moonlight (2016) e Nomadland (2020). A lista de disputantes em 2021 traz uma marca da temporada: a forte presença de diretoras.
Mulheres ganharam o Oscar, o Bafta e o Globo de Ouro (Nomadland, de Chloé Zhao), a Palma de Ouro no Festival de Cannes (Titane, de Julia Ducournau), o Leão de Ouro na mostra de Veneza (L'Événement, de Audrey Diwan) — e também o Leão de Prata, para Jane Campion, por Ataque dos Cães — e os principais troféus de Sundance (CODA: No Ritmo do Coração, de Siân Heder). Só faltou Berlim.
No Gotham, os dois líderes em indicações, com cinco cada, incluindo melhor filme, são Identidade, de Rebecca Hall, e A Filha Perdida, de Maggie Gyllenhaal — coincidentemente, ambas atrizes estreantes atrás das câmeras. As duas concorrem ao troféu Bingham Ray, para revelação em direção, ao lado de mais duas realizadoras, Emma Seligman (Shiva Baby) e Shatara Michelle Ford (Test Pattern), e de Edson Oda (Nine Days). Test Pattern também está na principal categoria, completada por The Green Knight, de David Lowery, e Pig, de Michael Sarnoski.
Então, para celebrar esse maior reconhecimento, a lista deste fim de semana traz 10 filmes de diretoras premiadas.
As Pequenas Margaridas (1966)
Premiado no Festival de Faro — realizado onde viveu o cineasta Ingmar Bergman — e presente no top 10 de 1966 da revista francesa Cahiers du Cinéma, o filme de Vera Chytilová é um marco da produção tcheca. Trata-se de uma comédia satírica da decadência burguesa e das instituições do poder. As personagens principais são duas jovens amigas que se chamam Marie (interpretadas por Jitka Cerhová e Ivana Karbanová) e que logo declaram: "Se o mundo está tão mal, então seremos más também". A partir daí, realizam peripécias como abusar do tempo e do dinheiro de homens que as desejam e comer tudo o que elas veem pela frente. A encenação e a edição também são anárquicas. (Filmicca, novo nome da plataforma Supo Mungam Plus)
Jeanne Dielman, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975)
Considerada a obra-prima da belga Chantal Akerman, ganhou dois troféus no Festival de Faro. Trata-se de um drama sobre uma jovem mãe (papel de Delphine Seyrig) que ganha a vida como prostituta. Akerman logo foi alçada à condição de feminista, embora preferisse fugir de rótulos que classificava como "redutores". Seu formalismo influenciou realizadores contemporâneos, entre os quais está Gus van Sant. (Filmicca)
O Piano (1993)
Antes de Julia Ducournau receber a Palma de Ouro por Titane, em 2021, apenas a diretora e roteirista neozelandesa Jane Campion havia conquistado o principal prêmio do Festival de Cannes, em premiação dividida com Adeus, Minha Concubina, de Chen Kaige. O Piano também ganhou os Oscar de atriz (Holly Hunter), atriz coadjuvante (Anna Paquin, então com 11 anos) e roteiro original e foi indicado a melhor filme, fotografia, edição e figurinos. O drama ambientado na metade do século 19 é sobre uma escocesa muda que viaja com sua filha a uma parte remota da Nova Zelândia para cumprir seu casamento arranjado. Lá, o instrumento musical vira estopim de atrito e de atração. (Filmicca e Telecine)
Encontros e Desencontros (2003)
É a perdida tradução de Lost in Translation, comédia dramática que valeu à estadunidense Sofia Coppola o Oscar de roteiro original. Ela também concorreu nas categorias de melhor filme e direção.
Indicado ao Oscar de ator, Bill Murray interpreta Bob Harris, um ator de cinema que está no Japão para estrelar um comercial de uísque. Scarlett Johansson é Charlotte, jovem formada em Filosofia que vai a Tóquio para acompanhar o marido, fotógrafo de bandas de rock. Casado, Bob atravessa a crise dos 50 anos, Charlotte vive a dos 20. Como não conseguem dormir — não bastasse o desamparo, estranham o fuso horário —, certa noite eles acabam se esbarrando no bar de um hotel luxuoso. Sofia escreveu a história inspirada em sua própria experiência. Quando tinha 20 e poucos anos, viajava ao Japão por conta de sua grife de roupas, a Milk Fed. Tímida, percebeu que, naquela terra estrangeira, teria de encontrar a si mesma. Foi lá que superou a angústia de carregar um sobrenome famoso e o trauma de ter sido destruída pela crítica por seu papel em O Poderoso Chefão: Parte III (1990), do pai, Francis Ford Coppola. (Star+, Telecine e Google Play)
Guerra ao Terror (2008)
A primeira mulher a ganhar o Oscar de direção, em 2010, foi a estadunidense Kathryn Bigelow. Foi uma vitória dupla: também levou o troféu de melhor filme. O curioso é que ela derrotou seu ex- marido, James Cameron, que era favorito nas duas categorias, por Avatar. Em Guerra ao Terror, Bigelow retrata o perigoso cotidiano de um esquadrão antibombas do exército dos Estados Unidos durante o mais recente conflito no Iraque. No elenco, estão Jeremy Renner e Anthony Mackie, hoje super-heróis da Marvel (o Gavião Arqueiro e o Falcão, respectivamente). Em 2013, outro longa da cineasta, A Hora Mais Escura, sobre a caçada ao terrorista Osama Bin Laden, foi indicado ao Oscar de melhor filme, mas não ao de direção. (Amazon Prime Video, Netflix e Google Play)
Que Horas Ela Volta? (2015)
Premiado nos festivais de Berlim, Sundance (Estados Unidos) e São Paulo, o filme de Anna Muylaert mostra a relação e os conflitos entre patrões e domésticas. Em uma atuação arrebatadora, Regina Casé interpreta Val, empregada em uma casa de classe média alta em São Paulo. Ela é "da família", mas quando sua filha chega de Pernambuco para prestar vestibular, a garota começa a questionar a desigualdade social e a não se conformar com as interdições — nem sempre explícitas — impostas pela elite. Jéssica (Camila Márdila) não sabe nem quer saber de "seu lugar": ao contrário da mãe, ela já entende que a sociedade não é estática. (Globoplay, Telecine, Google Play e YouTube)
A Bela e os Cães (2017)
Escrito e dirigido pela tunisiana Kaouther Ben Hania — que concorreu ao Oscar de melhor filme internacional em 2021 com O Homem que Vendeu sua Pele —, A Bela e os Cães recria em nove planos-sequência a história real de uma jovem (interpretada por Mariam Al Ferjani) que, depois de ser estuprada, esbarra em uma série de dificuldades para provar o crime e obter justiça. Recebeu o Prêmio da Juventude no Festival de Valladollid. (MUBI e Reserva Imovision)
Retrato de uma Jovem em Chamas (2019)
Este filme escrito e dirigido pela francesa Céline Sciamma se passa em uma ilha, em 1776, quando uma pintora (Noémie Merlant) é contratada para fazer o retrato de uma garota (Adèle Haenel) prometida em casamento para um cavalheiro de Milão. A artista e a musa se apaixonam, mas esse romance precisa ser nutrido em silêncio. Aliás, o som ambiente é uma das virtudes da obra vencedora do prêmio de melhor roteiro e da Palma Queer no Festival de Cannes. O crepitar de uma lareira ou o estouro das ondas marcam cenas — o fogo como símbolo do desejo que cresce, o mar bravio como símbolo da perturbação emocional das personagens. (Telecine, Apple TV, Google Play e YouTube)
Nomadland (2020)
Chloé Zhao colecionou prêmios, como o Leão de Ouro no Festival de Veneza, os Oscar de melhor filme e de melhor direção, o Bafta, o Globo de Ouro e o troféu da Associação dos Produtores. A chinesa radicada nos Estados Unidos aborda um tema absolutamente contemporâneo e bastante caro à população daquele país: o impacto da recessão na vida das pessoas comuns. Com um olhar sensível tanto para com os personagens quanto para com as paisagens, acompanha o cotidiano de uma mulher de 60 e poucos anos encarnada por Frances McDormand (Oscar de melhor atriz, o terceiro na carreira) que, após o colapso econômico de uma cidade industrial, precisa morar dentro de uma van e passa a conviver com nômades de verdade. (Telecine)
Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (2020)
A estadunidense Eliza Hittman ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim por este filme delicado, mas também contundente. Na trama, uma adolescente (Sidney Flanigan) de uma cidadezinha tenta fazer um aborto após descobrir que está grávida. A diretora e roteirista mergulha na intimidade das personagens para trazer à tona as violências cotidianas a que garotas como a protagonista e sua prima (Talia Ryder) são submetidas. A denúncia é explícita, mas sem grito. Investe-se em silêncios e interditos, aposta-se na nossa intuição e na nossa imaginação para preencher lacunas. (Telecine, Apple TV e Google Play)