Em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira (25), Casa Gucci (House of Gucci, 2021) era para ser o ápice de uma grande leva recente de ficções e documentários dedicada ao mundo da moda. Afinal, o veterano diretor Ridley Scott, 83 anos, faz desfilar um elenco de peso — Lady Gaga, Adam Driver, Al Pacino, Jared Leto, Salma Hayek e Jeremy Irons — na reconstituição da história que levou ao assassinato do herdeiro da centenária grife italiana fundada em 1921, hoje uma marca avaliada em US$ 17,6 bilhões, segundo relatório elaborado em 2020 pela consultoria Brand Finance. Para pisar no tapete vermelho do Oscar, bastaria um passinho.
Mas o filme tropeça. Não chega a ser um fiasco, mas tropeça.
De 2009 para cá, houve pelo menos uma dezena de títulos sobre vida e carreira de um estilista famoso, como os franceses Coco Chanel e Yves Saint-Laurent, o italiano Gianni Versace, o britânico Alexander McQueen e o estadunidense Halston (confira uma seleção mais abaixo). Em geral, essas obras oferecem ao público a atraente mistura de glamour com sombras. Não raro os personagens precisam lidar com pressões externas (de preconceitos a prazos) e demônios interiores — e isso pode empurrá-los para uma vida errática, temperada por álcool, drogas, depressão e brigas com seus colegas e amigos.
Ou familiares, caso de Casa Gucci.
Trata-se do 26º longa-metragem do britânico Scott, que já fez de tudo no cinema — ficção científica existencialista (Blade Runner), aventura de capa e espada (Cruzada), comédia dramática (Os Vigaristas), terror espacial (Alien: O Oitavo Passageiro) — e concorreu quatro vezes ao Oscar. Em três oportunidades, disputou o prêmio de melhor diretor: pelo road movie feminista Thelma & Louise (1991), pelo épico romano Gladiador (2000), que acabou levando a principal estatueta, e pelo filme de guerra Falcão Negro em Perigo (2001). Perdido em Marte (2015) valeu ao diretor e produtor uma indicação na categoria de melhor filme.
Com roteiro assinado por Becky Johnston e Roberto Bentivegna, Casa Gucci é baseado no livro de Sara Gay Forden sobre a morte do empresário Maurizio Gucci (1948-1995) a mando de sua ex-esposa, Patrizia Reggiani. O filme começa mostrando os últimos instantes de vida da vítima (interpretada por Adam Driver), enquanto em uma narração em off Lady Gaga, no papel de Patrizia, saboreia cada sílaba pronunciada em uma paródia do sotaque italiano:
— It was a name that sound so sweet, so seductive. But the second name was a curse. (Era um nome que soava tão doce, tão sedutor. Mas o sobrenome era uma maldição.)
Aí a trama recua para 1970, na cidade de Milão, onde, primeiro, temos de entender que Driver, 38 anos, e Gaga, 35, vivem personagens na casa dos 22. Depois, uma festa à fantasia vai unir água e azeite. Patrizia é filha de uma lavadeira, nunca conheceu o pai biológico, trabalha na empresa de caminhoneiros do padrasto e diz que a leitura lhe dá dor de cabeça. Maurizio é o filho único de Rodolfo Gucci (Jeremy Irons), dono de 50% da Gucci, tem sempre um segurança por perto e carrega uma pilha de livros de Direito.
Os dois se casam, mas sem convidados do lado do noivo. É pela imprensa que o outro sócio da Gucci, o tio Aldo (Al Pacino), pai de Paolo (Jared Leto, fisicamente irreconhecível), que ele define como "um idiota", descobre o matrimônio.
Patrizia, Maurizio, Rodolfo, Aldo e Paolo: estão em cena os principais personagens de Casa Gucci, um filme sobre o mundo da moda que não sabe que roupa vestir.
Na narrativa, os gêneros — comédia, drama, romance, policial — oscilam de uma forma que não parece transição, mas indecisão. Na estética, Ridley Scott adota um estilo convencional, careta. Não há arroubos visuais, ao mesmo tempo em que, na trilha sonora, o diretor se permite alguns anacronismos interessantes: na cena do casamento, em 1972, toca Faith (George Michael), de 1987. Contudo, a certa altura até a seleção musical perde seu charme, soando como uma seleção aleatória de sucessos setentistas e oitentistas: Heart of Glass (Blondie), Blue Monday (New Order), Here Comes the Rain Again (Eurythmics).
No campo das atuações, é como se cada ator tivesse escolhido seu figurino sem combinar com os outros. Encontrando a hora do exagero e a da sutileza, Lady Gaga está impecável desde o momento em que Patrizia conhece Maurizio — o olhar dela quando ele revela sua identidade não deixa dúvida sobre a ambiguidade da personagem: está casada com o homem ou com o dinheiro? Perto da cantora de 1m55cm, Adam Driver empalidece — fica perdido em seu corpanzil de 1m89cm, subaproveita seu rosto longo. Jared Leto, por sua vez, agasalhou-se na caricatura do italiano brega, a todo instante jogando com as mãos e expandindo as palavras. E Jeremy Irons vestiu-se de Jeremy Irons, assim como Al Pacino vestiu-se de Al Pacino.
A ironia é que os personagens dos dois atores protagonizam o conflito com mais personalidade na trama. Aldo quer negociar com o mercado japonês e não vê com maus olhos a pirataria — "Qualidade é para os ricos. Se uma dona de casa de Long Island quiser a ilusão de possuir um item da nossa grife, qual o problema?". Rodolfo entende que a Gucci "não pode estar em shoppings, mas em museus". É um debate que espelha dilemas da própria produção cinematográfica, mas que logo é sobreposto. Ora pela relação de Patrizia com a vidente Pina Auriemma (Salma Hayek), que puxa o filme para a comédia nonsense, ora pelas operações policiais ligadas a sonegação de impostos, evasão de rendas e direitos sobre marca, puxando o filme para uma pegada investigativa que mal arranha a superfície, ora pelo célebre desfile de Tom Ford em 1995, que sugere uma puxada para temas como audácia criativa e aposta no luxo, características do estilista texano que revitalizou a grife, mas eis um filme sobre moda que pouco fala sobre moda. Casa Gucci tem duas horas e meia de duração, mas a impressão é de que faltou tempo para Ridley Scott costurar todas as pontas.
O que ver no streaming
Coco Antes de Chanel (2009)
Eterna Amélie Poulain, Audrey Tautou vive a célebre Coco Chanel (1883-1971) antes de batizar um estilo, um sapato, um corte de cabelo, uma bolsa, um perfume...
O filme dirigido por Anne Fontaine mostra a vida dura da costureira, que era órfã e pobre. No meio desse cenário, ela começa a se munir de referências que serão recriadas em seu trabalho. A estilista também foi personagem em Coco Chanel & Igor Stravinsky (2009, indisponível no streaming), de Jan Kounen, sobre o suposto romance que a francesa viveu com o compositor russo. Os dois são interpretados por Anna Mouglalis e Mads Mikkelsen. Coco Antes de Chanel concorreu ao Oscar de melhor figurino. (Globoplay, Telecine e Apple TV)
Saint Laurent (2014)
Assinada por Bertrand Bonello, esta cinebiografia do revolucionário estilista francês nascido na Argélia (1936-2008) foi lançada no mesmo ano de Yves Saint Laurent, do diretor Jalil Lespert (o mesmo da série documental Quarto 2806), que contou com o apoio da maison. A seu favor, Saint Laurent exibe uma proposta autoral mais ambiciosa. Bonello focou a narrativa entre o final dos anos 1960 e meados dos anos 1970, época do auge criativo do personagem interpretado por Gaspard Ulliel e também uma era de efervescência cultural e política no mundo. No elenco, Helmut Berger (como YSL na velhice) e Léa Seydoux. (Globoplay, Apple TV, Google Play e YouTube)
Dior e Eu (2014)
Além de mostrar bastidores da grife sediada em Paris, o documentário de Frédéric Tcheng acompanha a criação da primeira coleção de Raf Simons para a Christian Dior — o estilista belga foi contratado após a escandalosa saída de John Galliano, demitido por causa de declarações racistas e antissemitas em 2011. (Apple TV, Google Play e YouTube)
The Assassination of Gianni Versace (2018)
O ator venezuelano Édgar Ramírez interpreta o designer italiano Gianni Versace (1946-1997) nesta versão ficcionalizada de sua morte pelo assassino serial Andrew Cunanan (papel de Darren Criss), apresentada na segunda temporada da série American Crime Story. Ganhou sete troféus Emmy, incluindo melhor minissérie, direção (Ryan Murphy, pelo episódio The Man Who Would Be Vogue), ator (Criss) e figurino contemporâneo. (Netflix)
McQueen: Visionário da Moda (2018)
Mesclando vídeos caseiros, entrevistas com a família, cenas de bastidores e imagens dos mais icônicos desfiles, o documentário de Ian Bonhôte e Peter Ettedgui narra a história do estilista britânico Alexander McQueen (1969-2010), encontrado morto em seu apartamento com apenas 40 anos, um dia antes do funeral de sua mãe. (Telecine)
Halston (2021)
Ewan McGregor ganhou o Emmy de melhor ator por esta minissérie em cinco episódios criada por Ryan Murphy e Ian Brennan a partir de um livro do jornalista Steven Gaines. Seu personagem, Roy Halston Frowick (1932-1990), foi um dos maiores nomes da moda estadunidense, embora hoje, muito por conta do fim melancólico de sua carreira, não tenha a popularidade de um Calvin Klein, de um Tommy Hilfiger ou de um Tom Ford. Depois de ganhar fama com o chapéu usado pela primeira-dama Jacqueline Kennedy na posse de John F. como presidente, em 1961, nas décadas de 1970 e 1980 Halston encantou o público feminino com peças clean e minimalistas, um closet confortável e versátil. (Netflix)