Do ponto de vista da procura dos interessados, parece claro o êxito do programa de empréstimos consignados para trabalhadores com carteira assinada, lançado oficialmente na última sexta-feira pelo governo federal. Os números falam por si. Em menos de uma semana, as operações superaram R$ 550 milhões, em quase 90 mil contratos no país. São ainda cerca de 10 milhões de solicitações de crédito, além de 70 milhões de simulações. No Estado, foram R$ 23 milhões tomados em 3 mil contratos.
O mais responsável seria que a iniciativa viesse acompanhada de uma campanha robusta de educação financeira
Mas permanece a dúvida se, nos próximos meses, o programa terá de fato um balanço positivo para os empregados formais ou se mostrará uma armadilha, elevando as dificuldades financeiras das famílias brasileiras. Será benéfico se for usado para trocar uma dívida mais cara por uma mais barata ou utilizado com parcimônia e de forma calculada, em um período de aperto momentâneo. Mas aumenta o risco de elevar os níveis de endividamento e de inadimplência no país, já em graus preocupantes, caso as contratações ocorram sem planejamento e para despesas do dia a dia, sinal de finanças pessoais desajustadas.
Por ter desconto na folha de pagamento, o que dá maior segurança às instituições que emprestam, a modalidade tem juro mais módico do que a maioria das ofertas na praça. Conforme o Banco Central (BC), as taxas médias do consignado ao setor privado em janeiro foram de 2,92%. De acordo com a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), o juro do crédito pessoal nos bancos ficou em uma média de 3,83% em fevereiro e, nas financeiras, em 7,4%. No cheque especial, indecentes 15,06% ao mês. Um nível abaixo de 3% é menos oneroso do que os demais produtos do mercado, mas segue longe do que poderia ser um patamar barato. A facilidade para acessar os recursos, por meio da carteira de trabalho digital, em que o interessado recebe propostas das instituições, o torna ainda mais tentador.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostrou que, em fevereiro, 28,6% das famílias do país estavam inadimplentes. No mesmo mês de 2024, o percentual era de 28,1%. Apesar de programas como o Desenrola, o sufoco financeiro não cede como o que seria esperado. Soma-se a isso o momento de elevação do juro básico da economia e de inflação pressionada, o que amplia a dificuldade de parcelas da população em quitar em dia as contas. A injeção de mais recursos que podem se transformar em consumo, ademais, vai na contramão do empenho do BC para segurar os preços. O possível efeito colateral é a Selic alta por mais tempo.
O programa de crédito consignado serve ainda como uma tentativa oportunista do governo de recuperar a popularidade. Não por acaso, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, chegou a sugerir que quem tivesse alguma dificuldade recorresse “ao empréstimo do Lula”. Mas, caso o programa alimente o superendividamento dos brasileiros, o que hoje parece um trunfo pode se tornar um revés à medida que as eleições de 2026 se aproximam. O mais responsável seria que a iniciativa viesse acompanhada de uma campanha robusta de educação financeira, ajudando os trabalhadores a fazer o uso adequado do crédito.