Alguém, em algum lugar, já disse mais ou menos isso sobre 127 Horas (2010), em cartaz no Star+: o filme do diretor Danny Boyle tem basicamente só um ator (James Franco) e só um cenário, o final é óbvio, e há cenas de sangue, mutilação e dor capazes de provocar desmaios na plateia. Mas mesmo assim tudo é muito, digamos, divertido.
Assino embaixo.
Concorrente em seis categorias do Oscar — melhor filme, ator, roteiro adaptado, edição, música e canção original —, 127 Horas foi o primeiro longa-metragem do britânico Boyle após o multioscarizado Quem Quer Ser um Milionário? (2008). É baseado na história real do montanhista estadunidense Aron Ralston, que, em abril de 2003, aos 27 anos, saiu para se aventurar nos cânions do Estado de Utah, nos EUA. Acabou preso em uma fenda profunda e estreita, com a mão direita e o pulso emparedados por uma rocha de quase meia tonelada.
As 127 horas do título são o tempo que ele passou naquele local inóspito e isolado, com escassos mantimentos e apenas 15 minutos diários de sol, atordoado também por seus demônios interiores e sem ter a quem pedir socorro.
Aron é interpretado por James Franco, o Harry Osborn da trilogia original do Homem-Aranha (2002-2007) e ganhador do Globo de Ouro de melhor ator em comédia ou musical por Artista do Desastre (2017). Seu desempenho visceral como esse sujeito autossuficiente, viciado em adrenalina e um tanto avesso ao convívio com o resto da humanidade é um dos trunfos do filme. Outro é a montagem de Jon Harris, que, coincidência ou não, já havia editado um filme sobre gente presa em uma caverna, Abismo do Medo (2005).
Vale dizer, porém, que nada disso funcionaria se não fosse o olhar pop de Danny Boyle, seu ouvido jovem — a trilha sonora, para variar, é joia — e sua mão esperta na direção. (Aliás, o cineasta de 65 anos parece seguir um mandamento:" Não terás protagonista com mais de 30 anos". Quase todos os seus filmes giram em torno de personagens moços.)
Um achado do script é explorar um dos recursos que o verdadeiro Aron utilizou para manter a sanidade — seguro de que iria morrer, ele começou a gravar em sua câmera mensagens de despedida para a família e amigos.
Outro achado é justamente explorar aquilo que quase fez o verdadeiro Aron perder o controle — seus sonhos, seus delírios, seus arrependimentos.
Conjugando esses vídeos com as reflexões e os anseios de Aron, Boyle faz entretenimento do sofrimento do protagonista, lançando mão de flashbacks e fantasias, fundindo passado e presente na mesma cena — para logo em seguida nos chocar com o mais lancinante realismo. Tenho certeza de que haverá gente fechando os olhos quando Aron pega seu canivete.