Vi esses dias um filme chamado Artista do Desastre e, cara, como eu ri. Tem na Netflix. Trata-se da história real de um sujeito chamado Tommy Wiseau, cujo sonho era ser ator. Só que ele era péssimo, além de muito chato, e certamente sofria de algum tipo de transtorno narcísico: Wiseau realmente se achava brilhante.
Como ninguém lhe dava uma chance em Hollywood, ele próprio decidiu escrever, produzir, dirigir e estrelar seu próprio longa, The Room, lançado em 2003 e considerado até hoje o pior filme de todos os tempos. The Room é tão inacreditavelmente horrível que virou cult.
Aliás, claro, depois de Artista do Desastre, fui ver The Room e, sinceramente, querido leitor, você aí, que talvez nunca tenha empunhado uma câmera na vida, mesmo se você fizesse um esforço monumental, mesmo se tentasse, de propósito, escrever o pior roteiro da face da Terra, ainda assim duvido que conseguisse superar o nível de porcaria que esse filme alcança.
Só que o troço, de tão ruim, é divertidíssimo. Era para ser um drama, no qual Johnny, personagem de Wiseau, é traído pela esposa com seu melhor amigo. Mas acabou virando uma comédia involuntária: os diálogos são estapafúrdios, o enredo não tem pé nem cabeça, as atuações são grotescas, muitas cenas não fazem o menor sentido e os cenários são ridículos.
O mais incrível é que, após lançar The Room, Wiseau pagou para mantê-lo em cartaz por duas semanas – é um requisito para um filme concorrer ao Oscar. Sim, ele achou que podia ganhar um Oscar! Ah, outra coisa é que, para fazer o longa, o homem desembolsou sozinho US$ 7 milhões. Não precisava gastar tudo isso, mas ele decidiu comprar, em vez de alugar, câmeras caríssimas e ainda inventou que queria filmar uma parte em HD e outra em 35mm – sem falar nas cenas que Wiseau preferiu gravar em estúdio, com um cromaqui horroroso, embora pudesse ter economizado rodando na rua.
A gente pode achar o que quiser sobre qualquer coisa, mas, pelo menos para algumas, não custa ouvir quem estuda o tema.
Todo mundo, o tempo todo, tentava alertá-lo sobre suas esdrúxulas decisões. Mas ele tinha convicção de que estava certo, de que era uma espécie de gênio incompreendido. No fim das contas, era só um negacionista: negava os fatos, ignorava a realidade, depreciava as orientações inclusive de quem entendia do assunto. Tornou-se um tipo folclórico porque, felizmente, seus delírios nunca tiveram a capacidade de desmoralizar o método, o processo e a conduta que especialistas no ramo dele defendem até hoje.
O problema é que, quando o ramo é outro, como saúde, por exemplo, essa insistência arrogante em contestar boas práticas deixa de ser inofensiva. É preocupante que Porto Alegre, em um momento catastrófico, ainda tenha tanta gente reivindicando um roteiro não apenas inconsistente, como o de The Room, mas com potencial para tragédia – e não para piada.
A gente pode achar o que quiser sobre qualquer coisa, mas, pelo menos para algumas, não custa ouvir quem estuda o tema. Quem sabe tudo sem ouvir ninguém é Tommy Wiseau.