
É 2025, e milhares de pessoas ainda enfrentam, todos os dias, quase duas horas de viagem entre Gravataí e Porto Alegre dentro de ônibus sem ar-condicionado. Nas linhas internas da Capital, especialmente as mais longas, que terminam nas periferias, o cenário se repete com passageiros espremidos entre corpos suados, tentando arrancar da janela aberta um sopro morno de alívio que nunca vem.
Está na hora de deixar claro o seguinte: isso é uma escolha política. Ponto. A solução para melhorar o sistema de transporte coletivo é difícil, eu sei, mas ela existe — e está no célebre bordão de Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá: cidade desenvolvida não é onde pobre anda de carro, mas onde rico anda de ônibus.
Peñalosa ficou famoso por transformar a capital da Colômbia em modelo de mobilidade urbana com medidas, digamos, não muito simpáticas —embora todas, mais adiante, tenham se revelado acertadas. Peñalosa restringiu, por exemplo, o estacionamento de carros em vias públicas.
O raciocínio era simples: se o cidadão compra uma geladeira e não tem onde guardá-la, o problema é dele — não pode achar que o poder público tem a obrigação de resolver uma dificuldade que ele criou para si próprio. Com os automóveis, não há por que ser diferente. Quem quiser tê-los, que encare o preço de um estacionamento privado ou deixe-os em casa para usar o transporte coletivo, como fazem milhões de pessoas diariamente.
Ao impedir que se estacione na rua, segundo Peñalosa, é possível aumentar em 40% a fluidez do trânsito sem gastar um centavo em obras de duplicação. O dinheiro, portanto, pode ser investido em um transporte público que atenda a todos com eficiência e conforto — inclusive com ar-condicionado. Foi o que aconteceu.
Bogotá ganhou um elogiado sistema de faixas exclusivas — enquanto um carro levava uma hora e meia para atravessar a cidade, um ônibus passou a levar 30 minutos. A lógica de Peñalosa era inatacável: se um ônibus transporta 45 pessoas, e um carro transporta só uma, o primeiro merece ocupar 45 vezes mais espaço na via pública.
A partir daí, as coisas mudaram. Para chegar rápido ao destino, pessoas com mais dinheiro também começaram a usar o transporte coletivo. E, quando os ricos estão implicados, tudo melhora. Porque o desconforto dos pobres é visto como inevitável, mas o dos ricos, como intolerável. Quer dizer: enquanto o transporte for problema dos outros, sempre será uma experiência frustrante. Mas e se, de repente, virasse um problema seu?