A confirmação de que a capital gaúcha registrou transmissão comunitária da variante brasileira do coronavírus, chamada P.1 (ou P1), aumenta a preocupação de autoridades e profissionais da saúde com uma terceira onda da covid-19 no Estado e uma eventual saturação do sistema de saúde.
A identificação ocorreu em parceria com o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Em nota publicada na terça-feira (2), as secretarias de Saúde da Capital e do Rio Grande do Sul informaram que foram identificados 21 casos de pessoas residentes na cidade infectadas com a nova variante.
Embora existam centenas de cepas do Sars-CoV-2 já identificadas no mundo, a brasileira P1 tem mutações que tornam o coronavírus mais contagioso e mais resistente a anticorpos, o que pode aumentar o número de casos inclusive entre pessoas que já se recuperaram da covid-19.
— A gente não tem, ainda, uma relação de causalidade importante entre a cepa e ter um quadro mais grave, isso não está muito claro. Existem alguns indícios sugerindo muito fortemente que ela seja muito mais transmissível. Hoje, são umas quatro variantes de preocupação no mundo inteiro, do Reino Unido, da África do Sul, da Califórnia (nos Estados Unidos) e do Brasil. São variantes de preocupação no mundo inteiro porque têm algumas propriedades de maior infectibilidade, ainda que não necessariamente de maior gravidade — explica o médico Alexandre Zavascki, professor de infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do RS (UFRGS) e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento.
Um estudo feito por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou que adultos infectados pela P.1 têm uma carga viral – quantidade de vírus no corpo – 10 vezes maior do que por outras "versões" do vírus. Uma maior carga viral contribui para que a variante se espalhe mais rápido.
— Se a pessoa tem mais carga viral nas vias aéreas superiores, a tendência é que ela vai estar expelindo mais vírus. E, se ela está expelindo mais vírus, a chance de uma pessoa se infectar próxima a ela é maior — explica Felipe Naveca, pesquisador da Fiocruz Amazonas e líder do estudo.
Naveca afirma, entretanto, que não há relação entre quantidade de vírus no corpo e gravidade da doença.
— Carga viral não está relacionada com gravidade. A gente tem pacientes com alta carga viral e sintomas muito leves ou até sem sintomas — diz o pesquisador.
Uma outra preocupação com a variante P.1, que não foi respondida com o estudo da Fiocruz, é a de que ela possa escapar da resposta imunológica montada pelas vacinas contra covid-19 ou contra infecções prévias. A suspeita vem do fato de ela portar mutações em comum (em especial, uma chamada E484K, associada a evasão imune) com a variante B.1.351, descoberta na África do Sul, que já demonstrou que tem o poder de reduzir a eficácia de imunizantes em estudos conduzidos no país. As vacinas da Novavax e da Johnson & Johnson apresentaram resultados mais frágeis contra a variante, e existe o risco de uma situação similar acontecer no Brasil.
Transmissão de variante não tem uma causa clara
Coordenador da Vigilância em Saúde de Porto Alegre, Fernando Ritter afastou a suspeita de que a situação tenha associação com pacientes vindos do Norte. Em entrevista à Rádio Gaúcha, ele afirmou que "é extremamente tranquilo para a gente dizer que essa transmissão não tem uma causa única", sendo a circulação de pessoas a principal delas:
— Essa circulação aconteceu todo dia, toda hora. Temos um aeroporto potente, pessoas chegando e saindo. Não conseguimos identificar nenhuma relação entre as pessoas que vieram do Norte, até porque toda a equipe da Secretaria de Saúde acompanhou de perto os hospitais que receberam esses pacientes, eles foram isolados. Não tem associação com as pessoas que atenderam com aquelas que foram internadas — disse.
Para ajudar a frear a taxa de transmissão, Ritter enfatizou a necessidade de adoção de medidas de supressão no combate ao coronavírus, aquelas que reduzem a taxa de reprodução, como o distanciamento social e cuidados com a higiene das mãos. Além disso, a Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde trabalha em uma parceria com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) para ampliar a testagem de covid-19 na Capital no modelo drive-thru. A expectativa é de que a medida seja implantada nos próximos dias, mas ainda não há data confirmada.
— As pessoas só ficam em casa quando têm certeza de que estão positivas. Enquanto não têm certeza, elas acabam circulando por vários motivos. Nosso principal limitador, hoje, é a capacidade de recursos humanos. Apesar de o Rio Grande do Sul ser mais capaz, o governo do Estado dobrou a capacidade de UTIs, tem um limite. Se as pessoas não colaborarem, nós vamos sucumbir ainda mais — apontou Ritter.
Como foi identificada a variante P1?
A nova cepa do coronavírus foi identificada pela primeira vez em quatro pessoas que voltaram ao Japão depois de uma viagem ao Estado do Amazonas. Os passageiros desembarcaram em Tóquio em 2 de janeiro e passaram por uma testagem no aeroporto, que indicou a presença do coronavírus.
Após análise, o Instituto Nacional de Doenças Infecciosas do Japão identificou, em 6 de janeiro, que o vírus encontrado nos passageiros se tratava de uma nova variante com 12 mutações.
O caso foi tornado público pelo Ministério de Saúde do Japão em 10 de janeiro, que alertou as autoridades brasileiras.