Se não são suficientes para lhe convencer as seis indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, ator, atriz e roteiro original.
Se não lhe comove a aclamação pela crítica (tem nota 94 no site Metacritic, que compila avaliações dos Estados Unidos, do Canadá e do Reino Unido, e, no Rotten Tomatoes, 96% das resenhas são positivas).
Se não lhe diz nada o nome do cineasta americano Noah Baumbach (indicado ao Oscar de roteiro original por A Lula e a Baleia, de 2005, que mostra como dois irmãos adolescentes lidam com a separação dos pais, um relato carregado de tintas autobiográficas, o que também se diz, embora ele negue, sobre o novo filme, que seria inspirado no seu divórcio com a atriz Jennifer Jason Leigh, um processo iniciado em 2010, quando o filho do casal tinha sete meses, e só encerrado em 2013).
Se não lhe atrai conhecer o papel que valeu a Adam Driver sua segunda indicação consecutiva ao Oscar (ele concorreu no ano passado a coadjuvante por Infiltrado na Klan e agora disputa como Charlie Barber, um diretor de teatro de Nova York amoroso mas autocentrado, um bom pai, mas talvez não um bom marido, um sujeito contraditório que serve de vitrine para o talento do ator em transitar do registro dramático ao cômico, às vezes na mesma cena).
Se pouco lhe importa que Scarlett Johansson, após 25 anos de carreira, enfim estreia na principal premiação de interpretação feminina da Academia de Hollywood (na pele de Nicole, uma personagem vivida com muita entrega, a atriz musa de Charlie, a quem resolve deixar quando surge a oportunidade de protagonizar um seriado do outro lado do país, em Los Angeles).
Se não há curiosidade em comparar esta obra com o clássico sobre separações litigiosas envolvendo crianças Kramer vs. Kramer, lançado há exatos 40 anos e ganhador dos Oscar de melhor filme e de melhor ator (Dustin Hoffman, que briga no tribunal com a personagem de Meryl Streep pela guarda do filho, assim como Charlie e Nicole vão brigar por Henry em História de um Casamento, em uma arena na qual brilharão, também, os advogados interpretados por Laura Dern, implacável, Ray Liotta, um tubarão, e Alan Alda, o tipo afável).
Se não lhe seduz o boca a boca no Facebook, onde pululam recomendações e reflexões de amigos que se identificaram com os personagens e as situações, ora encenadas com fúria ou sofridão, ora com leveza ou carinho, mas sempre com uma sinceridade acachapante ("É uma ilusão tola, se não uma completa hipocrisia, dizer que separações podem ser conduzidas sem traumas", escreveu uma amiga. "A raiva, a decepção e o desespero de ver escapar entre os dedos o que se construiu por anos passam com um rolo compressor por cima da razão. São discussões longas, ressentidas e difíceis a dos casamentos que precisam terminar. Quem prezou de verdade pelo que teve não se despede com um aperto de mão e com um 'vida que segue'").
Se não lhe intrigam as raras vozes discordantes que também se fazem ouvir nas redes sociais (como a do crítico Pedro Butcher, que aponta um "falso equilíbrio" no modo em que Noah Baumbach contrapõe os pontos de vista do homem e da mulher: "Toda a balança pende perversamente para o lado do personagem de Adam Driver". Mas o filme não é um documentário, uma ficção não precisa ser equânime, e não vi Charlie como uma pessoa "melhor" do que Nicole).
Se nada disso foi capaz de despertar seu interesse em assistir a esse filme disponível apenas na Netflix, eu contribuo com mais uma certeza e muitas dúvidas – e são elas que firmam minha convicção: a de que História de um Casamento é um filme ao qual não se atravessa incólume. É um filme que nos cativa, nos provoca e nos assusta ao perguntar: o que fazer do amor quando um relacionamento acaba? Qual é o destino de toda aquela intimidade e aquela cumplicidade, como as descritas por Charlie e Nicole nas cartas que escrevem um sobre o outro no começo da história? O quanto nos dispomos a viver a vida com o outro – a viver a vida do outro? O que justifica um fim? Existem culpados? As palavras duras que dizemos um ao outro, como naquela angustiante discussão do casal protagonista, são a verdade ou um exagero temperado pela ira e pelo ressentimento? Como se vai um para cada lado quando há um filho no meio? Como proteger os filhos se estamos em guerra? Por que nos tribunais (tanto os formais quanto os informais), como diz a personagem de Laura Dern em um monólogo que praticamente valeu seu Globo de Ouro de atriz coadjuvante e sua indicação ao Oscar, espera-se a imperfeição dos pais, mas não se tolera a das mães? É possível reatar os laços, mesmo que em um contexto diferente, como uma linda e singela cena – Nicole amarrando os cadarços de Charlie – simboliza? Estar em um relacionamento é, como dizem os versos de Being Alive (composta por Stephen Sondheim) cantados por Adam Driver, ter "alguém para me segurar muito perto, alguém para me magoar muito fundo"? O que é o amor se não algo que nos obriga a cuidar, a se importar, a nutrir esse sentimento? Você sempre estará lá, tão assustada quanto eu, para nos ajudar a sobreviver?